Sobre uma Mulher!
Artigo de Joaquim Haickel*
Notas do Blog:
(i) Reminiscências de JNH a respeito de Dra. MARIA ARAGÃO, a grande mulher maranhense, médica e cidadã que lutou pelos direitos humanos e pelas liberdades no Maranhão e no Brasil.
(ii) A numeração dos parágrafos não consta do original.
1. Era início dos anos 80 e Maria Aragão já
era, fazia muito tempo, um ícone de nossa sociedade. Mulher, médica, comunista.
Corajosa, disponível, aguerrida. Camarada e sincera, Maria conquistava as
pessoas com seu sorriso largo, de olhinhos apertados e gargalhada solta.
2. Fui apresentado a ela por amigos comuns.
Aldionor Salgado, Cordeiro Filho e Sergio Braga. Nessa ordem, os três me
levaram até ela dizendo que eu precisava aumentar o meu currículo e conhecer a
mulher mais importante do Maranhão.
3. Ao ser apresentado por Aldionor, ela
brincou referindo-se ao meu pai, dizendo que eu era visivelmente um
melhoramento genético do “caboclo do Pindaré”, mesma terra onde ela
nasceu.
4. Quando Cordeiro me apresentou a ela, naquela
que seria a segunda vez a apertar-lhe a mão, agora, mais à vontade ela
disse-lhe que já conhecia esse “Pão do Pindaré”. Quando Sergio Braga, todo
formal e gozador, disse a ela que iria lhe apresentar um jovem “direitista” que
precisava ser resgatado para as lutas populares e o melhor caminho para fazer
isso seria pelas mãos de uma mulher inteligente e charmosa, ela retrucou
dizendo estar à disposição e que se fosse apresentada a mim mais uma vez, iria
acreditar que era coisa do destino e ia realmente me seduzir. A gargalhada foi
geral.
5. Continuei me encontrando com Maria pela
cidade e pela vida. Quem a conheceu sabe o que ela significou, não só pela sua
luta social e democrática, mas pelo seu jeito de ser. Não falo isso porque é
bonito falar ou por ser politicamente correto.
6. Maria Aragão é uma das pessoas mais
incríveis que eu conheci e não estou falando da ativista, que é extraordinária,
falo da pessoa.
7. Em 1983, montei uma gráfica com o artista
gráfico Paulinho Coelho, em cima do depósito de cimento de meu pai, no
Desterro. Lá passou a ser o ponto de encontro do pessoal da poesia, da
política, da cerveja, das “minas”...
8. A Gráfica Guarnicê era na verdade mais
frequentada pelos meus amigos da esquerda do que pelos governistas, que nunca
foram por lá.
9. O padre Marcus Passerine, da paróquia de
São João, fazia conosco seus impressos e jornais. Até meu colega, deputado Luiz
Pedro, imprimia seus panfletos conosco.
10.
Uma vez Paulinho entrou pálido em minha sala dizendo que
tínhamos um problema. Luiz tinha trazido um jornal para rodarmos e nele havia
uma fotografia minha e outra de meu pai.
11.
Era alguma coisa contra o governo, ele relacionava os
políticos, que, segundo sua ótica editorial, eram contra o povo. Não pensei
duas vezes. Mandei pegar o trabalho. “Ora bolas Paulinho! Se nós não ficarmos
com os dólares albaneses desses comunistas, eles vão levá-los para outra
gráfica, meu filho! Isso é que é a tal economia de mercado contra a qual eles
tanto lutam”.
12.
Foi nesse clima que em uma manhã chuvosa de janeiro, subiu as
escadas de nossa “célula”, sede da Revista Guarnicê, ninguém menos que Maria
Aragão, acompanhada pelo vereador Aldionor Salgado e Mary Ferreira. Ela queria
imprimir folders, panfletos e blocos de rifa, onde seria sorteada uma coleção
completa dos livros de Florestan Fernandes, tudo para levantar dinheiro para os
eventos do Dia Internacional da Mulher.
13.
Ao chegar ela foi logo dizendo que o preço tinha que ser
“camarada”, coisa de “companheiro”. Ela era permanentemente bem humorada. O
dito foi feito. Maria voltou para buscar o material alguns dias depois e ainda
me fez comprar dois blocos da rifa. Na ocasião ela disse que se eu tivesse
sorte, ganharia, e assim poderia aprender nos livros de Florestan, coisas
importantes para meu trabalho político e para minha vida como cidadão.
14.
Em março Maria entra na gráfica, acompanhada de um jovem
musculoso que carregava uma caixa de papelão. Ela foi logo dizendo que
precisava me resgatar da direita e que Florestan era um bom caminho para isso.
Nunca soube se realmente ganhei a rifa ou se os livros foram apenas um presente
de Maria.
15.
Anos mais tarde, em Brasília, já como constituinte, tive a
honra de ser colega do grande Florestan Fernandes. Fui apresentado a ele por
meu querido amigo Artur da Távola. Em certo momento de nossa conversa ele se
vira pra mim e diz: “A Maria me falou de você. Espero que os livros tenham
servido para alguma coisa!”.
16.
Maria Aragão é uma dessas raras pessoas que não morrem, pois
o que ela fez em vida, permanece para sempre.
(*) Joaquim
Elias Nagib Pinto Haickel é advogado. Exerceu mandados parlamentares de deputado estadual e federal (Constituinte) por
quase três décadas, no período entre 1983 e 2011. Foi Secretário estadual de
Esporte do Maranhão entre 2011 e 2014. É escritor, poeta e membro das Academias
Maranhense e Imperatrizense de Letras. É cineasta, roteirista e diretor de
cinema. É empresário do ramo de comunicações. Foi o idealizador e é curador do acervo
do Museu da Memória Audiovisual do Maranhão - MAVAM, vinculado à Fundação Nagib
Haickel e produtor cultural ligado à literatura e ao cinema. É casado com
Jacira, tem quatro filhas e dois enteados.
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