1904: O NOVO URBANISMO A "MÃO-DE-FERRO" DA CAPITAL FEDERAL E A REVOLTA CONTRA A VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA DIRIGIDA POR OSWALDO CRUZ E AS DEMOLIÇÕES DO "BOTA-ABAIXO" DO PREFEITO PEREIRA PASSOS SOB A BATUTA AUTORITÁRIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA RODRIGUES ALVES.
[Rio; 10_16nov1904].
OSWALDO CRUZ queria livrar o Rio de Janeiro da varíola.
Mas na primeira campanha de vacinação, há 90 anos, a cidade virou um campo de
batalha.
OSWALDO CRUZ e a VARÍOLA: A REVOLTA DA VACINA
[Rio; 10_16nov1904].
OSWALDO CRUZ queria livrar o Rio de Janeiro da varíola.
Mas na primeira campanha de vacinação, há 90 anos, a cidade virou um campo de
batalha.
Fonte:
REVISTA SUPER INTERESSANTE; Grupo Abril; Por Da Redação Cássio Leite
Vieira; 31 out 2016, 18h29 - Publicado em 31 out 1994, 22h00
Acesso
Edição RAS 2020-03-23
Fotos e legendas inexistentes no texto original. Acrescidas by Ronald Almeida
Fotos e legendas inexistentes no texto original. Acrescidas by Ronald Almeida
foto 1: O AUDACIOSO CIENTISTA E MÉDICO OSWALDO CRUZ (1872-1917) QUE FEZ A MAIOR REVOLUÇÃO DE SAÚDE PÚBLICA DO SÉC. XX NO BRASIL
Entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, a
cidade do Rio de Janeiro viveu o que a imprensa chamou de “a mais terrível das
revoltas populares da República”.
O cenário era desolador: bondes tombados,
trilhos arrancados, calçamentos destruídos — tudo feito por uma massa de 3 000
revoltosos. A causa foi a lei que tornava obrigatória a vacina contra a VARÍOLA.
E o personagem principal, o jovem médico sanitarista OSWALDO CRUZ.
A oposição política, ao sentir a insatisfação
popular, tratou de canalizá-la para um plano arquitetado tempos antes: a
derrubada do presidente da República RODRIGUES ALVES. Mas os próprios insufladores
da revolta perderam a liderança dos rebeldes e o movimento tomou rumos
próprios. Em meio a
todo o conflito, com saldo de 30 mortos, 110 feridos, cerca de 1 000 detidos e
centenas de deportados, aconteceu um golpe de Estado, cujo objetivo era restaurar
as bases militares dos primeiros anos da República.
foto 2: PARA TER ÊXITO O DR. OSWALDO CRUZ (1872-1917) TEVE O APOIO ADMINISTRATIVO E POLÍTICO DO CORAJOSO
PRESIDENTE DA REPÚBLICA RODRIGUES ALVES.
A revolta foi sufocada e a cidade,
remodelada, como queria RODRIGUES ALVES. Poucos anos depois, o Rio de Janeiro
perderia o título de “túmulo
dos estrangeiros”. Hoje, a VARÍOLA está extinta no mundo
todo. E a Organização Mundial da Saúde, da ONU, discute a destruição dos últimos
exemplares do vírus da doença, ainda mantidos em laboratórios dos Estados
Unidos e da Rússia.
RODRIGUES ALVES assumiu a presidência da
República em 1902, no Rio de Janeiro, sob um clima de desconfiança e com um
programa de governo que consistia basicamente de dois pontos: modernizar o
porto e remodelar a cidade. Isso exigia atacar o maior mal da capital: doenças
como PESTE BUBÔNICA, FEBRE AMARELA e VARÍOLA.
A futura “Cidade Maravilhosa” era, então,
pestilenta. A situação era tão crítica que, durante o verão, os diplomatas
estrangeiros se refugiavam em Petrópolis, para se livrar do contágio. Em
1895, ao atracar no Rio, o contratorpedeiro italiano Lombardia perdeu 234 de
seus 337 tripulantes por FEBRE AMARELA.
Segundo a oligarquia paulista do café, de
quem RODRIGUES ALVES era representante, além de vergonha nacional, as condições
sanitárias do Rio impediam a chegada de investimentos, maquinaria e mão-de-obra
estrangeira.
O projeto sanitário deveria ser executado a
qualquer preço. RODRIGUES ALVES nomeia, então, dois assistentes, com poderes
quase ditatoriais: o engenheiro Pereira Passos, como prefeito, e o médico
sanitarista OSWALDO CRUZ, como chefe da Diretoria de Saúde Pública. Cruz assume
o cargo em março de 1903:
“Dêem-me liberdade de ação e eu exterminarei
a febre amarela dentro de três anos”. O sanitarista cumpriu o prometido.
foto 3: IGUALMENTE, PARA TER ÊXITO O DR. OSWALDO CRUZ (1872-1917) TEVE O APOIO ADMINISTRATIVO E POLÍTICO DO
PREFEITO ENG. PEREIRA PASSOS
Em nove meses, a reforma urbana derruba cerca
de 600 edifícios e casas, para abrir a avenida Central (hoje, Rio Branco). A
ação, conhecida como “bota-abaixo”, obriga parte da população mais pobre
a se mudar para os morros e a periferia.
A campanha de OSWALDO CRUZ contra a PESTE
BUBÔNICA correu bem. Mas o método de combate à FEBRE AMARELA, que
invadiu os lares, interditou, despejou e internou à força, não foi bem
sucedida. Batizadas pela imprensa de “Código de Torturas”, as medidas
desagradaram também alguns positivistas, que reclamavam da quebra dos direitos
individuais. Eles sequer acreditavam que as doenças fossem provocadas por
micróbios.
Dia 31 de outubro, o governo consegue aprovar
a lei da vacinação. Preparado pelo próprio OSWALDO CRUZ — que tinha pouquíssima
sensibilidade política —, o projeto de regulamentação sai cheio de medidas
autoritárias. O texto vaza para um jornal. No dia seguinte à sua publicação,
começam as agitações no centro da cidade.
Financiados pelos monarquistas — que
apostavam na desordem como um meio de voltar à cena política —, Jacobinos
e Florianistas(1) usam os jornais para passar à população suas idéias
conspiradoras, por artigos e charges. Armam um golpe de Estado, a ser
desencadeado durante o desfile militar de 15 de novembro [1904]. Era uma
tentativa de retornar aos militares o papel que desempenharam no início da
República. Mas, com a cidade em clima de terror, a parada militar foi cancelada.
LAURO SODRÉ e outros golpistas conseguem, então, tirar da Escola Militar
cerca de 300 cadetes que marcham, armados, para o Palácio do Catete.
Nota (1): 1.Jacobinos e Florianistas.1,
que já articulavam um golpe contra o presidente RODRIGUES ALVES, perceberam que
poderiam canalizar a insatisfação popular em favor de sua causa: a derrubada do
governo, acusado de privilegiar os fazendeiros e cafeicultores paulistas.
O confronto com as tropas governamentais
resulta em baixas dos dois lados, sem vencedores. O governo reforça a guarda do
palácio. No dia seguinte, os cadetes se rendem, depois que a Marinha
bombardeara a Escola Militar, na madrugada anterior. No dia 16nov1904, o
governo revoga a obrigatoriedade da vacina, mas continuam os conflitos isolados,
nos bairros da Gamboa e da Saúde. Dia 20nov1904, a rebelião está esmagada e a
tentativa de golpe, frustrada. Começa na cidade a operação “limpeza”, com cerca
de 1 000 detidos e 460 deportados.
Mesmo com a revogação da obrigatoriedade da
vacina, permanece válida a exigência do atestado de vacinação para trabalho,
viagem, casamento, alistamento militar, matrícula em escolas públicas,
hospedagem em hotéis.
Em
1904, cerca de 3 500 pessoas morreram de varíola. Dois anos depois,
esse número caía para nove. Em 1908, uma nova epidemia eleva os óbitos para
cerca de 6 550 casos, mas, em 1910, é registrada uma única vítima. A cidade
estava enfim reformada e livre do nome de “túmulo dos estrangeiros”.
Cerca de quinze tipos de moléstia faziam
vítimas no Rio do início do século. As principais, que já atingiam proporções
epidêmicas, eram a peste bubônica, a febre amarela e a varíola. Mas havia
também sarampo, tuberculose, escarlatina, difteria, coqueluche, tifo, lepra,
entre outras.
Para combater a Peste Bubônica, OSWALDO
CRUZ formou um esquadrão especial, de 50 homens vacinados, que percorriam a
cidade espalhando raticida e mandando recolher o lixo. Criou o cargo de
“comprador de ratos”, funcionário que recolhia os ratos mortos, pagando 300
réis por animal. Já se sabia que eram as pulgas desses animais as transmissoras
da doença.
Em 1881, o médico cubano CARLOS FINLAY
havia identificado o mosquito Stegomyia fasciata como o transmissor da febre
amarela. OSWALDO CRUZ, então, criou as chamadas “brigadas mata-mosquitos”, que
invadiam as casas para desinfecção com gases de piretro e enxofre. No primeiro
semestre de 1904, foram feitas cerca de 110.000 visitas domiciliares e
interditados 626 edifícios e casas. A população contaminada era internada em
hospitais.
Mesmo sob insatisfação popular, a campanha
deu bons resultados. As mortes, que em 1902 chegavam a cerca de 1 000, baixaram
para 48. Cinco anos depois, em 1909, não era registrada, na cidade do Rio de
Janeiro, mais nenhuma vítima da febre amarela.
Apesar de todos os incidentes, foi com a
mesma firmeza que OSWALDO CRUZ bancou a campanha contra a varíola. Na noite de
14 para 15 de novembro, enviou a mulher e os filhos para a casa do amigo Sales
Guerra e seguiu, ele mesmo, para a casa do cientista Carlos Chagas, que mais
tarde descobriria a causa do mal de Chagas.
Em 1907, de volta de uma exposição na
Alemanha, onde fora premiado por sua obra de combate às doenças, OSWALDO
CRUZ sente os primeiros sintomas da sífilis. Envelheceu rapidamente: aos 30
anos, tinha já cabelos brancos. A sífilis causou-lhe insuficiência renal. Mais
tarde, surgiram problemas psíquicos. Os delírios se intensificaram e conta-se
que muitas vezes foi visto à noite, vagando solitariamente pelas dependências
do Instituto Manguinhos, que ele próprio ajudara a projetar, em 1903, e que
receberia o nome de Instituto OSWALDO CRUZ, em 1908.
Em 1916, foi nomeado prefeito de Petrópolis.
A cidade, envolvida em disputas políticas, não recebe bem a nomeação. OSWALDO
CRUZ morreu, em 11 de fevereiro de 1917, com uma passeata de protesto em frente
à sua casa.
PARA SABER MAIS:
Ø
OSWALDO CRUZ: tudo pela saúde (SUPER número 11, ano 2)
Ø
100 motivos para se orgulhar da ciência brasileira (SUPER
número 1, ano 10)
O MÊS DE NOVEMBRO DE 1904 PÔS
FOGO NO RIO DE JANEIRO
Dia 9
O jornal carioca A Notícia publica o projeto
de regulamentação da lei de vacinação obrigatória. Os termos são considerados
autoritários e começa a indignação popular. No dia 10, o povo se aglomera no
largo de São Francisco. “Morra a polícia. Abaixo a vacina”, gritam os oradores.
A multidão desce a rua do Ouvidor e, na praça Tiradentes, encontra policiais.
Ao final, quinze presos.
Dia 11
A Liga Contra a Vacina Obrigatória marca um
comício no largo de São Francisco. Seus líderes não comparecem. Mas, exaltada,
a multidão recebe a polícia com pedras, paus e pedaços de ferro da construção
da avenida Central (hoje, Rio Branco). À noite, cerca de 3 000 pessoas marcham
contra o Palácio do Catete, sede do governo, já cercado por tropas. Na volta,
pela Lapa, há novos confrontos. Tiros. Morre o primeiro popular.
Dia 12
Nos três dias seguintes, a cidade se
transforma num campo de batalha, com barricadas em diversos pontos. Bondes e
postes são depredados. Trilhos e calçamentos, arrancados. Delegacias,
repartições públicas e casas de armas, invadidas. A polícia é expulsa de
bairros pobres, como a Saúde. Tropas do Exército de São Paulo e Minas Gerais
são requisitadas. A Marinha entra no conflito.
Dia 14
Golpe de Estado contra o presidente RODRIGUES
ALVES. Líderes políticos conseguem sublevar a Escola Militar, na praia
Vermelha, de onde saem 300 cadetes armados, rumo ao Catete. Golpistas e tropas
legalistas se enfrentam. O governo reforça a segurança do palácio. O presidente
se recusa a se refugiar num navio da Marinha. O encouraçado Deodoro bombardeia a Escola Militar. Os
rebelados se rendem. Fracassa o golpe.
Dia 16
O governo suspende a obrigatoriedade da
vacina, retraindo a revolta. A resistência fica isolada a poucos locais, entre
eles, a Saúde, “último reduto dos anarquistas”. No dia 18, acontece o último
conflito, na pedreira do Catete.
Saldo: 110 feridos, 30 mortos e 945 pessoas
presas, das quais 461 são deportadas — inclusive sete estrangeiros, segundo o
chefe de polícia. A cidade volta à normalidade.
BREVE HISTÓRIA DA EXTINÇÃO DA
VARÍOLA NO MUNDO
1904
A vacina era fabricada com o vírus da varíola
bovina. A primeira vacina tinha sido desenvolvida em 1797, pelo médico inglês
Edward Jenner (1749-1823). Com o tempo, o método foi aperfeiçoado. No final do
século XIX, já se produzia a vacina desidratada, a partir do vírus da varíola
bovina. Foi este o método trazido da França por OSWALDO CRUZ. A aplicação era
feita no braço, por meio de arranhões com lancetas.
1967
A Organização Mundial da Saúde (OMS), da ONU,
iniciou a campanha de erradicação da varíola. A vacina era produzida, então, a
partir de tecidos de bezerro contendo o vírus ativo, e a aplicação, feita por
pistola. Em 1973, a varíola é considerada extinta na América do Sul. Em 1976, o
último ataque à doença, na Somália e na Etiópia, mobilizou 3 milhões de
vacinadores. O último caso foi o de uma jornalista inglesa, que se contaminou
em laboratório e morreu da doença, em 1978.
1980
Em 8 de maio, a OMS dá a varíola como
completamente erradicada da Terra. Alguns países foram autorizados a conservar
o vírus em laboratório, entre eles Estados Unidos, África do Sul, a extinta
União Soviética, Grã-Bretanha, Holanda e China. Os três últimos desistiram. A
África do Sul destruiu suas amostras em 1984. Em meados deste ano, foi realizada
uma reunião para definir o que fazer com as amostras americanas e russas.
1994
Em 9 de setembro, o Comitê de Especialistas
da OMS aprovou a recomendação de destruir os últimos vírus e encaminhou-a à
Assembléia Mundial de Saúde, que acontece em maio de 1995. O Brasil foi
representado no Comitê pelo pesquisador Hermann Schatzmayr, da Fundação OSWALDO
CRUZ. Tudo indica que os últimos exemplares terão seu fim em 30 de junho de
1995. Mas seu código genético será preservado.
O SANITARISTA
OSWALDO GONÇALVES CRUZ nasceu em São Luis
do Paraitinga, São Paulo, em 5 de agosto de 1872.
Precoce, ingressou na faculdade de medicina
aos 15 anos.
Em 1892, com 20 anos, obteve o doutorado pela Faculdade Nacional de Medicina,
do Rio de Janeiro. Exerceu a clínica médica por pouco tempo e, com o apoio do
sogro, seguiu para Paris, em 1896, para um estágio no Instituto Pasteur.
Faleceu em Petrópolis, em 11 de fevereiro de
1917.
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DE ALMEIDA SILVA
Rio
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