Um país que
não tem dignidade não sente indignação!
ALDO FORNAZIERI
Professor da Escola de
Sociologia e Política.
Fonte: JORNAL GGN; Por Aldo Fornazieri; 05/06/2017
Acesso RAS 2020-01-10
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Um país que não tem
dignidade não sente indignação; por Aldo Fornazieri. Foto Ubes
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1. O presidente da República foi flagrado cometendo uma série de crimes e
as provas foram transmitidas para todo o país. Com exceção de um protesto aqui,
outro ali, a vida seguiu em sua trágica normalidade. Em muitos outros países o
presidente teria que renunciar imediatamente e, quiçá, estaria preso. Se
resistisse, os palácios estariam cercados por milhares de pessoas e milhões se
colocariam nas ruas até a saída de tal criminoso, pois as instituições
políticas são sagradas, por expressarem a dignidade e a moralidade nacional.
2. Aqui não. No Brasil tudo é possível. Grupos criminosos podem usar das
instituições do poder ao seu bel prazer. Afinal de contas, no Brasil nunca
tivemos república. Até mesmo a oposição, que ontem foi apeada do governo, dá de ombros e
muitos chegam a suspeitar que a denúncia contra Temer é um golpe dentro do
golpe. Que existem vários interesses em jogo na denúncia, qualquer pessoa
razoavelmente informada sabe. Mas daí adotar posturas passivas em face da
existência de uma quadrilha no comando do país significa pouco se importar com
os destinos do Brasil e de seu povo, priorizando mais o cálculo político de
partidos e grupos particulares.
3. O Brasil tem uma unidade política e territorial, mas não tem alma, não
tem caráter, não tem dignidade e não tem um povo. Somos uma soma de partes
desconexas.
A unidade política e territorial foi alcançada às custas da violência dos
poderosos, dos colonizadores, dos bandeirantes, dos escravocratas do Império,
dos coronéis da Primeira República, dos industriais que amalgamaram as paredes
de suas empresas com o suor e o sangue dos trabalhadores, com a miséria e a
degradação servil dos lavradores pobres.
4. Índios foram massacrados; escravos foram mortos e açoitados; a
dissidência foi dizimada; as lutas sociais foram tratadas com baionetas,
cassetetes e balas. A nossa alma, a alma brasileira, foi ganhando duas texturas: submissão
e indiferença. Não temos valores, não temos vínculos societários, não temos
costumes que amalgamam o nosso caráter e somos o povo, dentre todas as
Américas, que tem o menor índice de confiabilidade interpessoal, como mostram
várias pesquisas.
5. Na trágica normalidade da nossa história não nos revoltamos contra o
nosso dominador colonial. Ele nos concedeu a Independência como obra de sua graça. Não fizemos
uma guerra civil contra os escravocratas e não fizemos uma revolução
republicana. A dor e os cadáveres foram se amontoando ao longo dos tempos e o
verde de nossas florestas foi se tingindo com sangue dos mais fracos, dos
deserdados. Hoje mesmo, não nos indignamos com as 60 mil mortes violentas
anuais ou com as 50 mil vítimas fatais no trânsito e os mais de 200 mil feridos
graves. Não nos importamos com as mortes dos jovens pobres e negros das
periferias e com a assustadora violência contra as mulheres. Tudo é normal, tragicamente
normal.
6. Quando nós, os debaixo, chegamos ao poder, sentamos à mesa dos nossos
inimigos, brindamos, comemoramos e libamos com eles e, no nosso deslumbramento,
acreditamos que estamos definitivamente aceitos na Casa Grande dos palácios. Só nos damos conta do nosso
vergonhoso engano no dia em que os nossos inimigos nos apunhalam pelas constas
e nos jogam dos palácios.
7. Nunca fomos uma democracia racial e, no fundo, nunca fomos democracia
nenhuma, pois sempre nos faltou o critério irredutível da igualdade e da
sociedade justa para que pudéssemos ostentar o título de democracia. Nos contentamos com os
surtos de crescimento econômico e com as migalhas das parcas reduções das
desigualdades e estufamos o peito para dizer que alcançamos a redenção ou que
estamos no caminho dela. No governo, entregamos bilhões de reais aos campões
nacionais sem perceber que são velhacos, que embolsam o dinheiro e que são os
primeiros a dar as costas ao Brasil e ao seu povo.
8. No Brasil, a mobilidade social é exígua, as estratificações sociais são
abissais e não somos capazes de transformar essas diferenças em lutas radicais,
em insurreições, em revoltas. Preferimos sentar à mesa dos nossos inimigos e
negociar com eles, de forma subalterna. Aceitamos os pactos dos privilégios dos
de cima e, em nome da tese imoral de que os fins justificam os meios, nos
corrompemos como todos e aceitamos o assalto sistemático do capital aos
recursos públicos, aos orçamentos, aos fundos públicos, aos recursos
subsidiados e, ainda, aliviamos os ricos e penalizamos os pobres em termos
tributários.
9. Quando percebemos os nossos enganos, nos indignamos mais com palavras
jogadas ao vento do que com atitudes e lutas. Boa parte das nossas lutas não
passam de piqueniques cívicos nas avenidas das grandes cidades. E, em nome de tudo isto,
das auto-justificativas para os nossos enganos, sentimos um alívio na
consciência, rejeitamos os sentimentos de culpa, mas não somos capazes de
perceber que não temos alma, não temos caráter, não temos moral e não temos
coragem.
10. Da mesma forma que aceitamos
as chacinas, os massacres nos presídios, a violência policial nos morros e nas
favelas, aceitamos passivamente a destruição da educação, da saúde, da ciência
e da pesquisa.
Aceitamos que o povo seja uma massa ignara e sem cultura, sem civilidade e sem
civilização. Continuamos sendo um povo abastardado, somos filhos de negras e
índias engravidadas pela violência dos invasores, das elites, do capital, das
classes políticas que fracassaram em conduzir este país a um patamar de
dignidade para seu povo.
11. Aceitamos a destruição das
nossas florestas e da nosso biodiversidade, o envenenamento das nossas águas e
das nossas terras porque temos a mesma alma dominada pela cobiça de nos
sentirmos bem quando estamos sentados à mesa dos senhores e porque queremos
alcançar o fruto sem plantar a árvore. Se algum lampejo de consciência, de alma ou de
caráter nacional existe, isto é coisa restrita à vida intelectual, não do povo.
O povo não tem nenhuma referência significativa em nossa história, em algum
herói brasileiro, em algum pai-fundador, em alguma proclamação de independência
ou república, em algum texto constitucional em algum líder exemplar.
12. Somos governados pela
submissão e pela indiferença. Não somos capazes de olhar à nossa volta e de
perceber as nossas tragédias. Nos condoemos com as tragédias do além-mar, mas
não com as nossas. Não temos a dignidade dos sentimentos humanos da solidariedade, da
piedade, da compaixão. Não somos capazes de nos indignar e não seremos capazes
de gerar revoltas, insurreições, mesmo que pacíficas. Mesmo que pacíficas, mas
com força suficiente para mudar os rumos do nosso país.
13. Se não nos indignarmos e não
gerarmos atitudes fortes, não teremos uma comunidade de destino, não teremos
uma alma com um povo, não geraremos um futuro digno e a história nos verá como
gerações de incapazes, de indiferentes e de pessoas que não se preocuparam em
imprimir um conteúdo significativo na sua passagem pela vida na Terra.
Aldo
Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política.
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RONALD DE
ALMEIDA SILVA
Rio de
Janeiro, RJ, 02jun1947; reside em São Luís, MA, Brasil desde 1976.
Arquiteto
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