A virtude da INDIGNAÇÃO*
Artigo
de CLÁUDIO ABRAMO (06.abr.1923 / 14.ago.1987)
publicado na Folha de São Paulo, em 20jul1984.
(*) em minúsculas
e sem negritos; nomes próprios em caixa baixa; ao longo do texto original, que foi editado todo em itálico.
No Brasil, país colonizado, a indignação*, a santa e justa indignação do cidadão em confronto com
a sociedade, ou do ser humano, na sua existência diária, é tida como caráter
difícil, mau humor e temperamento ruim.
A indignação,
contudo, é uma das mais nobres virtudes que o homem pode ostentar, e não é à
toa que HOMERO* conta a “ira funesta
do pelágio AQUILES”, na sua ode aos
heróis gregos e troianos.
Ao longo da história da humanidade a indignação tem desempenhado um papel
fundamental e tem sido geralmente graças a ela, manifestada por diversas
formas, estilos e maneiras, que o gênero humano tem avançado.
A colonização portuguesa abafou os arroubos
mais nobres dos brasileiros, o que foi agravado pelas sucessivas ditaduras que
tivemos, mas mais ainda pelos líderes da pequena burguesia que de algum jeito
se assenhoraram do poder, frequentemente por eleições livres ou quase, e que
invariavelmente transmitiram ao nosso povo a ideia, de outra forma abstrusa, de
que é bom ser submisso e é bonito concordar com tudo.
Até mesmo figuras importantes da oposição
política do Brasil tem se referido ao consenso, que é algo que só poder ser
procurado quando há equilíbrio muito tênue de forças, e ainda assim por motivos
táticos.
Homens indignados são capazes de conduzir
seus povos, interpretar melhor seu tempo e resumir com maior eficácia os
sentimentos e as ideias de sua época e de suas sociedades.
Acredito que LENIN e TROTSKY fossem
homens indignados, como tantos outros seus companheiros, e creio que uma das
forças secretas que impelem LUÍS CARLOS
PRESTES na sua incansável caminhada é a indignação que experimenta diante de nossa realidade.
CARLOS
LACERDA, um dos mais brilhantes jornalistas que o
Brasil já teve, e meu amigo, apesar de termos sido adversários políticos irreconciliáveis,
era um homem indignado ao extremo, e se devem a seus momentos de mais profunda indignação alguns de seus artigos e
discursos melhor concebidos e conjugados, mesmo se essa indignação frequentemente o levou a defender causas injustas.
CELSO
FURTADO, que tem aparência tranquila e calma, é um
homem que se mostra frequentemente indignado por exemplo com a dívida externa
brasileira e com a situação em que são atiradas gerações inteiras de
nordestinos miseráveis. A sua indignação
é filtrada e decantada através de um raciocínio claro e límpido, mas se me
perguntassem para separar, de um lado os homens que conservam intacta a sua capacidade
de indignar-se e de outro a incapacidade, eu certamente poria CELSO FURTADO entre os primeiros.
Eu poderia mencionar dezenas de brasileiros
que são capazes de indignar-se, mas temo admitir que os que já perderam, ou
nunca tiveram, essa virtude recôndita, somam milhões e milhões.
Esse não é aliás um defeito brasileiro. No
nosso caso, as condições se agravam porque fomos colonizados e depois
continuamos a ser vampirizados pelos interesses transnacionais, sendo para mim
praticamente incompreensível que assistamos calmamente a certas cenas de rua, a
alguns fatos marcadamente abusivos, e que pactuemos com situações rigorosamente
inaceitáveis.
Mas o povo inglês, sobre o qual tantos
escritores já escreveram tanto, é absolutamente acarneirado, no que infecta os
milhões de imigrantes que chegam à ilha, ex-coloniais e ex-súditos periféricos
de sua majestade Elizabeth Regina.É bem verdade que não se vêem na Inglaterra
coisas que assistimos aqui, mas a tendência ovina dos ingleses é conhecida,
como também é conhecida dos mais atentos a sua extrema tendência para a
loquacidade indiscriminada, porque os que falam inglês, uma minoria – pois o
resto fala uma interlígua incompreensível – gostam de ouvir a própria voz e o
maior exemplo disto é o professor HIGGINS
do “Pygmalion” de BERNARD SHAW.
A indignação
deveria ser restabelecida em nosso País como virtude excelsa, como bem maior,
como medalha de honra, pois sem ela nosso País ficará sempre oscilando entre a
mediocridade sem imaginação e o reacionarismo conservador e atrasado.
Todo indivíduo que se indigna facilmente é
considerado aqui louco ou desequilibrado, mesmo quando sua indignação foi obviamente provocada por algo que só poderia
despertar indignação.
Outro dia tomei um táxi e o motorista
comentou comigo que “Os índios estão fazendo confusão”. Perguntei: “Que confusão?”.
“Essa confusão que eles estão fazendo.” Ficamos por aí. Depois me perguntou
como era possível que MÁRIO JURUNA tivesse
sido eleito quando há “tantos outros homens capazes” (Deus nos livre dos “homens
capazes”).
MARIO JURUNA
Expliquei-lhe que JURUNA era
um monarca de sua nação, um homem inteligente que conservava intacta sua capacidade
de indignar-se. O meu interlocutor não entendeu nada. Para ele, um homem
indignado quer dizer “mau elemento”, tendo sido esse odioso “elemento” contrabandeado
da linguagem dos investigadores para o vernáculo, juntamente com “viatura”, “colisão”
e outras joias do pensamento policial brasileiro.
Creio que ANTÔNIO CONSELHEIRO foi um homem indignado, talvez tendo cometido
alguns erros graves, mas alguém que manteve pura essa qualidade.
Assim como deve ter sido facilmente indignável
ZUMBI DOS PALMARES, e creio que um
exemplo da grande capacidade de indignar-se foi FREI CANECA.
De
modo que acho sinceramente que, se quisermos acertar as coisas neste País,
devemos colocar na Presidência da República um brasileiro que possa permanecer
em estado permanente de indignação. Sem uma boa dose dose dela não vamos
consertar nada aqui.
Cláudio
Abramo
Folha
de São Paulo, 20jul1984.
A presente
edição: transcrita por Ronald Almeida, SLZ-MA, 2020-01-10.
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RONALD DE
ALMEIDA SILVA
Rio de
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