MONOGRAFIAS
[Tema / Ref: A greve dos jornalistas de
São Paulo, iniciada em 23 maio 1979.]
JORNALISTAS:
O SINDICATO NO DILEMA ENTRE A MILITÂNCIA E O PROFISSIONALISMO
Por
Marco Antônio Roxo da Silva*
Acesso RAS
2019-12-09
"Ao contrário de todo mundo, os jornalistas
passaram os últimos dez anos amargando a imagem de uma greve fracassada."
PERSEU ABRAMO, 1989
[filho de ATHOS ABRAMO;
sobrinho de CLÁDIO ABRAMO]
NOTA DO EDITOR RAS: Fotos meramente ilustrativas não constam do texto original, transcrito na íntegra
[1] [APRESENTAÇÃO]
- No dia 23 de maio de 1979, os jornalistas de São
Paulo pararam suas atividades. Reivindicavam duas coisas: 25% de aumento
salarial e imUnidade para os representantes sindicais nas
redações. O sindicato patronal ofereceu 16% de antecipação a ser
descontada na data base da categoria, em dezembro do mesmo ano. Diante do
impasse, o Tribunal Regional do Trabalho, no dia 28 do mesmo mês, julgou a
greve "ilegal". O resultado abriu espaço para a retaliação das
empresas que iniciaram um processo de demissão em massa dos grevistas.
- A pergunta que
se impõe é: o que essa greve tem de tão importante para se tornar objeto
de pesquisa? A princípio estamos diante de um conflito trabalhista, com
reivindicações econômicas pertinentes a um período inflação alta e de uma
luta do sindicato dos jornalistas para ampliar o seu poder de
representação no local de trabalho. De forma geral, são demandas típicas
da época, marcada pelo surgimento do "Novo Sindicalismo", da
reorganização da sociedade civil, da luta desta pela anistia de presos
políticos e pela redemocratização do país. Um clima no qual "todo
mundo fazia greve". (Abramo, 1997).
- Porém, na
memória de um ativista sindical, jornalista e chefe do comitê de greve,
Perseu Abramo, a paralisação foi interpretada em outros termos: "ela
representou a culminância de um processo que se inicia nos anos setenta,
de retomada do sindicato, de luta contra a censura e de resistência à
identificação ideológica dos jornalistas com as empresas
jornalísticas". (Abramo, 1997).
- Segundo Perseu,
a derrota da greve teve como conseqüência à imposição por parte das
empresas de um "novo jornalismo", yuppiezado, acrítico, distante
de causas coletivas e de um projeto nacional, no qual valores como a
objetividade e a imparcialidade escondem os interesses particulares dos
donos dos meios de comunicação. (Abramo, 1997 e Kucinski, 1998).
- Já Bernardo
Kucinski trata a greve como uma ruptura ao processo de cooptação dos
jornalistas ao processo de abertura "lenta, gradual e segura"
proposto pelos militares e ao qual as empresas jornalísticas, segundo o
autor, haviam aderido. Dada a adesão das empresas ao projeto dos
militares, a derrota da greve fez, segundo ele, que os jornais
instaurassem um processo demissionário que seguiu um "padrão
ideológico". Foi, para o autor, um expurgo "dos quadros mais
qualificados, que se haviam insurgido ou conquistado mais autonomia durante
as últimas fases do regime militar" (Kucinski, 1998).
- Seguindo o
pensamento dos dois autores, podemos pensar na hipótese da greve como um
ponto de inflexão, como um momento de mudança no qual diferentes
concepções de jornalismo estavam em conflito. Tomamos a paralisação de
maio de 1979 como uma referência para discutirmos os processos em disputa
na definição da identidade do jornalista. Situamos a luta sindical num
contexto no qual as disputas iam além da questão salarial no qual não
estava somente em jogo a recuperação de um status econômico ou a definição
da categoria jornalista em "strito sensu". Mas, três concepções
de identidade em conflito, em que podemos idealmente tipificar o
jornalista seja como "trabalhador", "intelectual" ou
"profissional". A greve de 1979 seria tomada como um processo de
renegociação de lugares e como um momento dramático de luta em torno da
redefinição da autoridade profissional.
- Na nossa
hipótese, a ação sindical procurou reiterar a identidade do jornalista
enquanto "trabalhador" em detrimento de outras formas de
representação da profissão mais sedimentadas, principalmente a do
jornalista enquanto "intelectual". Essa era uma imagem presente
tanto na grande imprensa quanto na imprensa alternativa. No campo
jornalístico, o ativismo sindical procurava engendrar um pólo de
resistência às "imposições comerciais" e a "padronização de
notícias". O que nos leva para a questão do controle dos jornalistas
nas redações das grandes empresas e a luta dos mesmos pelo resgate de sua
"autonomia interpretativa".
- Esses três
tipos, o jornalista "trabalhador", o jornalista
"intelectual" e o jornalista "profissional" não eram
os únicos e nem se apresentavam claramente em todos os jornalistas. Mas
eles nos permitem situar os conflitos de valores existentes na profissão
no recorte sincrônico da greve e estabelecer "conexões de
sentido" entre as diversas polarizações existentes entre os
jornalistas no exame diacrônico das tradições presentes na profissão.
- Ao se falar da
hegemonia de um "novo jornalismo", podemos perguntar: que tipo
de relações de poder passou a vigorar na imprensa após 1979? Quais as
normas e os valores que passaram a organizar as práticas sociais dos
jornalistas? Que tipo de responsabilidade política eles passaram a assumir?
Enfim, como se redefiniu o papel social do jornalista?
- É evidente que
um conjunto de questões tão amplas não podem ser contempladas num artigo.
Este trata de aspectos preliminares de uma pesquisa de mestrado em
desenvolvimento. Entre as diversas fontes bibliográficas e empíricas, este
trabalho privilegiará o jornal do Sindicato de Jornalistas Profissionais
de São Paulo, o Unidade, se concentrando entre janeiro de
junho de 1978.
- O período
escolhido tem importância por dois acontecimentos. Um, a histórica greve
dos metalúrgicos do ABC, em maio do mesmo ano, que inaugura e dá
visibilidade ao chamado "Novo Sindicalismo". Outro, a mudança de
diretoria que ocorreu no Sindicato dos Jornalistas. Para nós, a conjunção
desses dois eventos nos permite visualizar nas páginas do Unidade uma
intensificação das demandas sindicais e uma crescente aproximação entre
jornalistas e setores típicos dos trabalhadores. Assim, apesar de não
estarem dissociadas, demandas mais amplas, como liberdade de imprensa,
contempladas na gestão anterior, ficaram atreladas a dinâmica da luta de
classes. A escolha da fonte se justifica pois o projeto do Unidade era
de um jornal de "luta" e uma "tribuna", um
"fórum" para a discussão de problemas da categoria, entre os
quais problemas inerentes a prática jornalística.
- O que nos
interessa, mais especificamente, é investigar os motivos pelos quais as
perspectivas de luta do Novo Sindicalismo contaminaram os jornalistas,
reconstruindo suas identidades a ponto de lhes proporcionar uma
consciência de classe. E de que modo essa consciência de classe procura
impor uma ética ao jornalista, redefinindo o seu papel social. O que nos
interessa não é a dinâmica da greve em si, mas o processo de construção da
identidade do jornalista como "um assalariado como outro qualquer".
- Neste sentido, o
artigo fará uma apresentação dos tipos ideais propostos para a análise
tentando inseri-los nas tradições políticas e jornalísticas ainda
presentes no cenário brasileiro; um deslocamento para um confronto muito
comentado a respeito da transição do jornalismo dos anos 70 para os anos
80 ou seja a transição do jornalismo "político" para a
"esfera de mercado"; uma rápida apresentação das identidades
políticas presentes no "Novo Sindicalismo" e o que elas trazem
de ruptura quando os "novos atores" emergem na "esfera
pública" de forma autônoma; e o trabalho de análise do jornal Unidade.
[2] O JORNALISTA E A CONSTRUÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA DE CLASSE
- Ao abordar uma
luta de classe através da greve, assumimos a perspectiva de E.P. Thompson,
de entender classe como categoria construída no decurso do processo
histórico. Desse ponto de vista, o conceito possui dois significados. Um
primeiro pensado para categorias típicas da sociedade capitalista
industrial, como forma de reconhecer os antagonismos e contradições desta.
Sua utilização dá conta de um fato histórico que se situa num contexto no
qual já existe uma cultura de "classe" madura, formada pela
institucionalização de sindicatos, partidos e centrais sindicais.
- Outro, para
ajudar a evidenciar os antagonismos entre grupos sociais em que não existe
esta cultura de classe ou ela é fluida e fragmentária. Neste caso não
podemos pensar classe ou a consciência de classe como categorias
pressupostas. Porém, a descoberta de interesses antagônicos desperta o
sentimento de oposição entre esses distintos grupos e essa polaridade gera
luta. É durante a luta que as pessoas se identificam como classe. O
conceito ganha um sentido analítico e processual em que "classe não é
o primeiro, mas o último degrau de um processo histórico real"
(Thompson, 2001).
- Neste sentido,
podemos trabalhar com a hipótese de que os jornalistas articularam a
identidade de seus interesses em oposição aos interesses de outro grupo
social. O sentimento desse antagonismo gerou debates, posicionamentos e
atitudes e, no desenvolvimento desse processo de luta, os jornalistas se
descobriram como classe. Fizeram isso dotados de atributos culturais
herdados de um passado em comum. Nestes termos, a consciência de classe é
uma criação coletiva que sistematiza e dá sentido a um conjunto
heterogêneo de valores necessários para se pensar e refletir sobre as
atitudes a se tomar diante do impacto das novas e grandes estruturas
sociais, entendidas em termos marxistas como relações de produção.
(Thompson, 2001).
- A identidade de
um grupo social não implica na inexistência de conflitos ou diferenças
entre seus membros. Podemos pensar na polaridade que existiu entre a
militância sindical dos anos 70, que procurou criar uma identidade do
jornalista enquanto "trabalhador", e na tradição romântica,
literária, boêmia e interventora, que aproximava o jornalista de um
"intelectual". Em termos de identidades políticas pode-se pensar
na crescente influência do Partido dos Trabalhadores em detrimento da centralidade
do Partido Comunista Brasileiro ou de outros grupos de esquerda que
viveram a atmosfera romântica dos anos 60 e 70. Em que termos podemos
associar as dissidências políticas e jornalísticas que se deram no
período? É uma questão a se examinar numa pesquisa mais ampla e cuidadosa.
- Classe como
categoria analítica nos ajuda a pensar na identidade do jornalista
enquanto "trabalhador" e na retomada da atividade sindical como
uma possível via de contribuição para criar, entre os jornalistas, uma
tradição de luta que inexistia até aquele momento. Anterior a greve de
1979 só se tem notícia do movimento de 1961. A situação do jornalista era,
então, diferente com metalúrgicos, bancários e outras categorias, no qual
a participação em diversos movimentos coletivos ou particulares no período
do chamado "populismo", ou mesmo anterior a ele, criou uma
memória de luta. Portanto, essas categorias já possuíam uma consciência de
classe "madura", na qual os jovens podiam ser socializados.
[3] O JORNALISTA E O EXERCÍCIO DE SUA "AUTONOMIA
INTERPRETATIVA"
- O papel de
mediação e de formação de consenso político entre as diversas forças da
sociedade nos aproxima da concepção de Antônio Gramsci, no qual os
jornalistas são funcionários do conjunto de instituições das
superestruturas. Seja em instituições da sociedade civil, imprensa,
jornais alternativos, partidos, sindicatos ou da sociedade política, o
Estado. Daí, sua aproximação com um intelectual "orgânico".
Pensar o jornalista nestes termos significa vê-lo dotado de uma autonomia
frente ao duplo limite representado pelo Estado e pela Indústria Cultural
(Faro, 1999). Essa postura autônoma, no contexto do processo
redemocratização, punha os jornalistas que participavam dessa luta numa
tensão entre a repressão do regime autoritário imposto em 1964 e a sedução
e a cooptação monetária, representada por cargos de direção e postos
chaves nas empresas jornalísticas (Faro, 1999).
- Ao pensar sobre
as modernas sociedades industriais do século XX, Gramsci viu a crescente
autonomização da sociedade civil frente ao Estado. Foi sobre os conflitos
existentes na sociedade civil que o autor transferiu o seu olhar. Neste
sentido, a conquista da hegemonia política e cultural passou a antecipar a
conquista do poder político (Bobbio, 1988). Isto significa: que a hegemonia
está ligada a todas as instituições que, para além dos partidos políticos,
tenham relação com a divulgação e difusão de representações simbólicas e
culturais; que ela não se relaciona somente com a constituição de uma nova
formação política do Estado, mas com uma nova visão de mundo. O exercício
da hegemonia é permeado de tensões, de lutas, de constantes negociações no
qual é possível verificar as linhas de força presentes na disputa pelo
poder.
- A ênfase na
hegemonia em detrimento da força repressiva do poder estatal faz emergir o
papel dos intelectuais como sujeitos ativos, formadores de consenso em
torno de valores (Gramsci, 1999 e Bobbio, 1988). Assim, no contexto dos
anos 70, podemos pensar nos jornalistas como intelectuais, presentes na
luta contra censura e na constituição de uma frente, um bloco composto na
e pela sociedade civil que se opusesse contra hegemonicamente à cultura
autoritária, vigente época. Esse era um tipo de postura presente nos
jornais alternativos existentes na década de 70. Porém não nos inibe de
pensar que essa autonomia pode dificultar uma identidade que possa ser
vista como de "classe".
[4] O JORNALISTA E O DISTANCIAMENTO DO ESPÍRITO DE MISSÃO
- No palco da
greve, entretanto, também se fazia presente uma outra tradição no jornalismo
brasileiro. Desde os anos 50, a entrada do modelo norte-americano trouxe
valores como a objetividade, imparcialidade, o desengajamento e as
técnicas narrativas (Gans, 1976 e Chalaby 1996). A "ideologia do
profissionalismo" sustenta a autonomia do jornalista no
distanciamento de causas políticas. Mesmo que, jornalismo brasileiro, a
crença na objetividade tenha sempre sido relativizada, o domínio de uma
técnica possibilitava ao jornalista, de forma geral, adotar uma postura de
independência em relação à influência política dos patrões. É nesse
aspecto que a ideologia do profissionalismo reitera a
"autonomia" do jornalista.
- O jornalismo
norte-americano define seu compromisso político fundamental estabelecido
com a objetividade na descrição dos fatos (Shudson, 1978, Soloski, 1993) e
com a representação dos interesses do cidadão individual diante do Estado
e das grandes organizações (Hallin e Mancini, 1984) e com o sistema de
divisão de poderes como um todo (Cook, 1998). Neste sentido, a autoridade "moral"
do jornalista americano se configura no papel de "sentinelas da
liberdade ou cão de guarda" (Gans,1979). A crença na objetividade só
se firma onde haja um consenso fundamental em torno de valores e
instituições (Ettema e Glasser, 1998) e a ordem seja vista como
"estável". É uma visão distinta do Brasil, visto como sempre em
crise ou em transição (Albuquerque, 2000).
- A década de 50
foi também marcada pelo crescimento e modernização empresarial das
empresas jornalísticas. Formou-se um contexto que onde a identidade
profissional do jornalista foi reforçada através do assalariamento, com o
aumento dos rendimentos, a criação de escolas de jornalismo, a
regulamentação da profissão, o associativismo sindical e a emergência de
uma ética de responsabilidade social, similar à ética de prestação de
serviços própria do jornalismo norte-americano. (AP Goulart, 2000).
- Essa postura
desengajada nos anos pós-64, de defesa da objetividade e da
responsabilidade social do jornalismo era, por parte de alguns
profissionais um ato político, de resistência e de construção afirmativa
da identidade diante da repressão e da censura. Pois ela sustentava o
argumento de que a cobertura se baseava nos fatos e não em opiniões. Anos
mais tarde, esse tipo de postura foi acusada de despolitizar o jornalismo
e de construir um consenso em torno da centralidade do papel do mercado
como instância reguladora das demandadas sociais. É a institucionalização
do que é taxado de "pensamento único". Neste sentido, a imprensa
exerce o papel de "filtro", selecionando e enquadrando os fatos
de acordo com a ideologia da imparcialidade e da objetividade, típicas do
modelo americano.
[5] O CONFLITO NO CAMPO JORNALÍSTICO
- Por cima das
rivalidades internas dos jornalistas, um outro confronto se estabeleceu no
jornalismo de forma mais intensa: política X mercado. Segundo Lins e
Silva, "os anos 70 haviam levado a uma hipertrofia do plano político
no jornal e os anos 80 deveriam levar, em contra partida, uma opção maior
pela parte técnico jornalística".
- Para Otávio
Frias Filho, a opção pelo mercado por parte dos jornais e a resistência
engendrada pelo sindicato dos jornalistas era reveladora da velha
dicotomia brasileira entre o moderno e o arcaico. Do seu ponto de vista, a
atividade sindical transformou o sentimento anticapitalista, romântico,
meramente boêmio ou intelectual, reinante na imprensa nos anos 50 e 60, em
"ares de ideologia da resistência e da revolução", um
anacronismo no contexto da redemocratização. Para os dois autores, o
capitalismo já se apresentava consolidado no Brasil na década de 80.
Trata-se de adaptar a linha editorial dos jornais aos ditamos
administrativos de um "negócio" (Lins da Silva, 1998). Na visão
dos reformadores da Folha de São Paulo, Carlos E. Lins da Silva e Otávio
Frias Filho, a ideologia do desengajamento passou a ser estratégica para
as empresas.
- Para esses
autores, a questão do controle passou pela exigência de adesão do
jornalista ao projeto político administrativo estabelecido pelos jornais.
Os manuais de redação passaram a Ter uma nova utilização. Quando
introduzidos na Folha de S. Paulo nos anos 60 serviram de orientação
digamos "técnica". Nos anos 80 eles transcenderam essa dimensão
e passaram a servir como instrumento de controle e de adesão ideológica do
jornalista ao projeto do jornal.
- Métodos
quantitativos e impessoais, típicos de uma racionalidade administrativa
passaram a ser usados com a mesma finalidade e causaram um estranhamento e
uma sensação de desconforto dentro das redações da Folha (Kucinski, 1998).
A intenção era enquadrar editores, subeditores e das chefias e seus
subordinados e romper com a Unidade construída pelo
movimento sindical, conforme demonstrou o movimento de 1979 (Kucinski,
1998 e Lins da Silva, 1998). A questão era romper com a visão dos
jornalistas de que os cargos de confiança eram apenas "técnicos"
e portanto descomprometidos com a visão política dos patrões. A Folha de
São Paulo se transformou no modelo de jornal vocalizado para o
"mercado".
- Nesse confronto
entre militância e desengajamento uma variável geracional passou a dar
sentido a divisão entre jornalistas criando uma nova tipologia. Os
"antigos", guiados pelos valores de um jornalismo interventor,
enquadrado como de "esquerda". Os "novos", que
aderiram aos projetos das empresas, seduzidos por cargos e salários altos
ou por necessidade de sobrevivência, na qual a prática da autocensura se
faz necessária como estratégia de permanência no emprego. Esses tipos
estabelecem uma conexão com a forma de se interpretar as disputas que,
para nós ainda se fazem presentes, em torno da hegemonia de um padrão de
jornalismo e não têm necessariamente a ver com a idade mas com os valores
com que cada jornalista se identifica. (Kucinski, 1998).
- No contexto da
greve de maio de 1979, as tentativas de resistência ao padrão
norte-americano não deixavam de ter uma ambigüidade. De acordo com Perseu
Abramo, o jornalista na sua prática deveria defender "a lisura nos
procedimentos técnicos na obtenção da informação, na crítica a
objetividade e a imparcialidade professadas pela grande imprensa, que
escondem escolhas ideológicas e no engajamento necessário do jornalista na
comunicação, definida como social, isto é, a serviço do conjunto da
sociedade e não apenas da parcela que detém o poder" (Abramo, 1997).
- Que procedimentos
técnicos são esses? A técnica, em certa medida não é herdada do jornalismo
norte-americano? Ela não é coerente com a ideologia do profissionalismo?
Como conciliar uma postura engajada e falar ao conjunto da população? Isso
não é supor a sociedade civil dotada de uma homogeneidade ideológica? Em
dada medida, se o conjunto da população é heterogêneo, defender uma
postura imparcial não reitera a autoridade interpretativa do jornalista?
Afinal, em que reside a autoridade do jornalista brasileiro?
- Na nossa hipótese,
ao procurarem conciliar as perspectivas conflitantes na prática
jornalística, os ativistas sindicais procuraram criar um modelo híbrido,
que contemplasse as tradições presentes no jornalismo brasileiro.
- Tal postura
implicaria em procurar os momentos em que essas tradições começaram a se
constituir, suas lógicas, seus valores e principalmente as contaminações e
desvios que sofreram ao se confrontarem umas com as outras, numa
perspectiva diacrônica, que vai desde a formação do campo jornalístico, configurando
as linhas de força dessa disputa até a greve de 1979. O que sugere que
também examinemos as discussões que giram em torno do ethos e do papel
social desse ator chamado jornalista. Porém, no limite de um artigo,
situaremos esses problemas de modo a obter elementos mais definidos para
prosseguir a pesquisa. E um primeiro passo é situar a greve dentro de um
conjunto de movimentos que deram identidade aos tipos de práticas
sindicais que surgiam no fim dos anos 70.
[6] O NOVO SINDICALISMO
- O "novo
sindicalismo" que surgia em 1978 era identificado pela "origem e
centro no setor moderno da economia, autonomia diante dos partidos e do
Estado, organização voltada para a base e ímpeto reivindicativo
direcionado para os interesses dos trabalhadores" (Santana, 1999). Os
metalúrgicos do ABC entraram em greve motivados pela
"indignação" com o arrocho salarial, custo de vida e contra os
rígidos controles disciplinar feito pela grandes empresas (Laís Abramo,
1999 e Maroni, 1985).
- Uma concepção
"basista" dava ênfase a ação nas empresas em vez de se tratar a
categoria de forma genérica. Questões salariais eram tratadas no
"processo de negociação direta" entre patrões e empregados. Na
época, a política salarial e a legislação do trabalho era centralizada pelo
governo militar. Este fato jogava qualquer a luta salarial para além de um
"pacto" classe a classe. Ou seja, havia uma
"politização" da luta (Laís Abramo, 1999).
- A repressão ao
movimento sindical e a intervenção nos sindicatos e cassação dos
dirigentes por parte do Estado nas greves de 1979 e 1980, no próprio ABC,
aproximou o insurgente sindicalismo de outros movimentos políticos da
sociedade civil. O direito de greve entrou na pauta das liberdades
democráticas. A estrutura sindical corporativa brasileira começou a ser
"burlada". Demandas como liberdade e autonomia sindicais terem
se tornados centrais para a organização dos trabalhadores, o que os
colocam em alinhamento com lutas pelas liberdades democráticas, como o
Movimento pela Anistia (Laís Abramo, 1999).
- O ressurgimento
dos trabalhadores na cena política será simbolizado pela criação do
Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980 e na criação, anos depois de dois
organismos sindicais de cúpula, a Central Única dos Trabalhadores, CUT, e
a Coordenação Geral da Classe Trabalhadora, CONCLAT. Essa divisão foi
fruto de tensões resultantes das práticas e orientações que seguiam os
grupos envolvidos.
- De um lado o
bloco dos "combativos" composto dos sindicalistas
"autênticos", que se reuniam em torno dos sindicalistas metalúrgicos
do ABC e das "Oposições Sindicais", grupos egressos ou não da
luta armada e militantes ligados a Igreja Progressista.
- De outro,
a Unidade Sindical, que juntava lideranças tradicionais,
pelegos e militantes de esquerda ligados ao Partido Comunista Brasileiro,
PCB, Partido Comunista do Brasil, PC do B, e o Movimento Revolucionário 8
de Outubro, MR8. Esses dois "blocos" formariam as bases de
sustentação dos órgãos intersindicais. O primeiro, da CUT e o segundo, da
CONCLAT (Santana, 1999).
- O motivo da divisão
reside nas leituras de práticas associadas ao sindicalismo pré-64, taxado
de populista, reformista e pelego e que privilegiava arranjos políticos
pelo "alto", de "cúpula" e por "dentro" da
Estado. Esse sindicalismo era também visto como de "colaboração de
classes". (Weffort, 1978). Esse tipo de prática era vista enquanto
"braço auxiliar" da política "populista" do período.
As posições assumidas pelo PCB e serão identificadas por essas práticas e
sobre ele recairá a responsabilidade do fracasso do "Velho
Sindicalismo" (Santana, 1999).
- O surgimento do
PT, segundo Santana fez acirrar a luta pela hegemonia em torno da
representação. "Os novos atores", que auxiliaram em sua criação,
viam no PT, ainda que de forma variada, o verdadeiro instrumento de
representação política dos trabalhadores. Já os militantes do PCB
acreditavam que seu partido, tradicionalmente, era o verdadeiro e único
representantes dos trabalhadores (Santana, 1999).
- Os arranjos
políticos feitos em torno da luta pela redemocratização influenciaram
nessas disputas. A polaridade do PT com o PCB pela hegemonia no campo
sindical será transposta para o plano político. As greves e os movimentos
sociais da época, comandados por setores identificados com o PT não aderem
a "frente democrática" que tem no Movimento Democrático
Brasileiro o eixo da luta contra o Estado Autoritário.
- Para os
pecebistas isto é visto como uma atitude inconsequente, esquerdista e
desestabilizadora. Punha o movimento pela redemocratização numa
"tensão" com os militares que poderia estimular os grupos
radicais de direita fecharem o regime (Santana, 1999).
- Por outro lado,
os comunistas preconizavam uma estratégia gradualista de transição
democrática, evitando confrontos diretos e buscando conquistar amplos
apoios da sociedade, inclusive do empresariado. Foram taxados de
negocistas, conciliadores e reformistas pelos setores
"combativos" ligados ao PT, que não aceitavam fazer composições
com grupos que apoiaram inicialmente o golpe e setores empresariais
nacionalistas ou não.
- Foi no bojo
dessa atmosfera conflituosa, marcada por antagonismos políticos e de
classe, que os jornalistas paulistas começaram a intensificar a busca de
uma aproximação mais orgânica com a "frente de massas", composta
por sindicalistas, por movimentos de eclesiais de base, de favelados,
trabalhadores rurais e outros. Os "novos atores" (Santana, 1999)
entraram na cena política no fim dos anos 70, forjando para eles uma nova
identidade marcada pela ausência de uma "doutrina" e promovendo
uma ruptura com um modelo leninista de organização que separava
"vanguarda e massa" (Kucinski, 1998).
- A aproximação
dos jornalistas com o movimento sindical, na conjuntura do final dos anos
70, implicou, do nosso ponto de vista, numa ruptura em relação aos papéis
anteriores. Trabalhamos com a hipótese de que, diante de um conjunto de
posturas dos jornalistas, podia-se perceber "distanciamento" das
demandas específicas dos grupos tachados como "populares". Em
tese, esse distanciamento permite visualisar dois tipos de conduta.
- Uma, com
alimentada por uma postura desengajada, necessária a prática de um
jornalismo entendido como "objetivo". Esses eram os novos termos
do "profissionalismo".
- A outra,
alimentada pela concepção vanguardista, presente nas esquerdas, na qual o
jornalista assume um papel de porta-voz, de intérprete ou de vocalizador
das demandas dos trabalhadores, porém subordinando-as a causas mais
gerais, assumindo o jornalista o papel de "formador de opinião".
[7] O SINDICATO E A BUSCA DE UMA IDENTIDADE DE CLASSE
- A "chapa progressista"
liderada por Audálio Dantas ganhou as eleições para o Sindicato dos
Jornalistas Profissionais de São Paulo, de base de representação estadual,
em maio de 1975. Não temos elementos para situar politicamente os
componentes da chapa. Apesar de se afirmarem como de "oposição"
e de terem disputado a hegemonia do Sindicato com grupos identificados
como "pelegos, ainda não sabemos se os membros da direção eleita eram
dos mesmos grupos políticos que compunham o setor das "Oposições
Sindicais" (Unidade 1 mai 1975)
- A estratégia do
grupo vencedor se baseou na construção de uma Unidade, um
consenso, que superasse as possíveis divergências ideológicas entre os
jornalistas da oposição sindical. Cada redação indicou um representante
para participar da chapa e a composição final foi aprovada pelo conjunto
da categoria, numa convenção, com delegados eleitos nas redações. O
processo deu "autenticidade" aos novos membros da diretoria e
"legitimidade" em função da "participação democrática"
dos jornalistas na escolha de seus representantes (Unidade 32
mai 1978).
- A morte de
Vladimir Herzog, em outubro de 1975, acentuou a atenção nas lutas mais
gerais ao mesmo tempo em que reforçou a presença do Sindicato na cena
política e junto a própria categoria. Nesse sentido, as lutas pelas
liberdades democráticas punham os jornalistas de São Paulo e o Sindicato
num exercício de mediação entre as amplas forças da sociedade civil e as
demandas específicas que foram surgindo com o renascimento do movimento
sindical, com um certo privilégio para a luta em torno da "liberdade
de imprensa" (Smith, 1997).
- A presença mais
explícita de um antagonismo de classe pode ser percebida em Perseu Abramo,
Editor de Educação da Folha de São Paulo, ativista sindical e colaborador
do jornal do Sindicato dos Jornalistas, o Unidade. Em um texto
chamado, de março de 1977 "O Papel Social do Jornalista". Nele,
Abramo afirmava que a missão do jornalista, diante da conjuntura da época,
uma ditadura, era "lutar contra a censura, para restabelecer e
ampliar a liberdade de imprensa entendida principalmente como forma de
participação coletiva no processo político nacional" (Abramo,
1997).
- Porém, em partes
anteriores do texto, Abramo identificou a existência de um arranjo
estrutural na sociedade capitalista, diante do qual a circulação de
representações, valores e informações tinham um caráter ideológico
marcadamente "burguês". E, de controle político, com o
predomínio da lógica particular de um grupo, os proprietários dos meios,
sobre os demais. Essa era a de forma censura "imanente" da
sociedade capitalista. Para enfrentar essa "censura estrutural"
no qual a propriedade do veículo garante um padrão ideológico de
circulação simbólica, o jornalista teria de assumir o seu verdadeiro
papel, de "trabalhador assalariado" portador de uma
"consciência de classe", dando outros contornos a sua prática
"jornalística". Essa seria sua conduta "ideal"
(Abramo, 1997).
- "Falo em
conduta ideal em termos de 'tendência histórica' a ser conquistada: a) o
jornalista deve assumir sua posição de classe, lembrando que faz parte das
classes assalariadas e não das classes proprietárias dos meios de
produção; b) como decorrência disso, ele deve assumir, diante do seu
público leitor, a posição e o compromisso de contribuir de todas as
formas, e sempre da melhor maneira possível, para a intensificação da
comunicação social, também de forma crítica".
- E o que seria
isso? "Comunicação social como forma de participação coletiva nos
processos decisórios sociais e políticos... o papel do jornalista na sociedade
moderna deve ser, portanto, um papel eminentemente político".
(Abramo, 1997).
- O resgate de uma
tradição interventora no jornalismo brasileiro passaria então a adotar um
novo padrão, com os jornalistas assumindo explicitamente as suas posições
políticas e rechaçando quaisquer resquícios que pudessem acenar com um
jornalismo objetivo e desengajado. Para isso, o jornalista deveria se
fortalecer profissional e economicamente através das "atividades
sindicais" para se opor a pressão econômica e alargar o campo
político na sociedade e, no limite, luta para democratizar as grandes
redações (Abramo 1997).
- Em fevereiro de
1978, o jornal do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo publicou um
estudo do professor Sebastião Geraldo Breguês, da UFMG, sobre "os principais
aspectos do jornalismo brasileiro após 1964". Breguês fixou três
pontos que caracterizaram a imprensa pós-64. "Mudança estilística,
legislação coercitiva e capital estrangeiro". Os três fatores
associados teriam a de função mascarar o conflito de classes e manter a
"conjuntura em plena harmonia no eterno trabalho de construção
nacional". Quanto à narrativa, "o lead e outras técnicas
universais construídas pela rica imprensa imperial norte-americana ou se
quiserem pelo rico imperialismo cultural norte-americano" fez o
jornalista desconsiderar a heterogeneidade ideológica e cultural do leitor
brasileiro (Unidade 29 fev 1978).
- A apresentação
dos fatos de forma fragmentária, sem mostrar a relação de um acontecimento
e sua causa, "tem como propósito encobrir os interesses e as relações
econômicas das empresas jornalísticas na estrutura competitiva da
sociedade de classes no Brasil". Nesse sentido, o processo de
modernização conservadora, posto em voga com o golpe, não excluía o jogo
de mercado. Neste jogo, porém, só a livre movimentação do capital era
permitida. Segundo Breguês, era função da imprensa "mascarar e
encobrir" os interesses contraditórios e conflituosos existentes
entre as classes (Unidade 29 fev 1978).
- Na edição de
março do mesmo ano, em um debate no auditório do Sindicato dos Jornalistas
Profissionais de São Paulo, chamado "Wladimir Herzog", o
sociólogo Werneck Vianna, afirmou que a ditadura criou o paradoxo de
introduzir mecanismos típicos de economias liberais nas relações entre
capital e trabalho, como o FGTS e o fim da estabilidade. E, manteve a
legislação corporativa do trabalho para impedir a livre organização dos
trabalhadores. Isso criava uma assimetria na correlação de forças,
beneficiava o capital e explicava a "falta de combatividade dos
trabalhadores" (Unidade 30 mar 1978).
- A conjuntura
mudaria rapidamente. Em março de 1978 teve lugar eleições para a sucessão
da diretoria comandada por Audálio Dantas, com a apresentação de uma única
chapa, agora de "consenso entre a categoria". David de Morais,
do grupo Abril, foi eleito presidente, o jornalista Fernando Morais, Veja,
de vice. Audálio Dantas foi eleito representante do Sindicato na Federação
Nacional dos Jornalistas, o que demonstra uma "continuidade" na
postura política do novo grupo na direção da entidade.
- Em seu discurso
de despedida, Dantas reafirmava a inserção e papel de
"vanguarda" do Sindicato dos jornalistas no "novo
sindicalismo", que segundo ele surge em 1977, "com grande
vigor" a partir "da luta pela reposição salarial sofrida por
todos trabalhadores em conseqüência da manipulação dos índices de inflação
e custo de vida em 1973". Uma das marcas de sua gestão era a ruptura
com o "círculo do medo", atmosfera repressiva difusa vivida
naqueles tempos (Unidade 32 mai 1978).
- A ruptura com o
"medo" e o vanguardismo era derivada de dois aspectos. O
primeiro, o próprio processo eleitoral ativado em 1975 incentivou a maior
participação da categoria na vida sindical, dando voz às demandas
específicas dos jornalistas segundo o local de trabalho, as redações. O
questionamento da estrutura sindical corporativista, com a mudança do
estatuto do Sindicato permitiu a criação do Conselho Consultivo de
Representantes das Redações, CCRR, entidade paralela, que visava dar uma
maior organização e incentivar a luta pela institucionalização e
reconhecimento a representação de "base". O segundo aspecto foi
a luta pela "liberdade de imprensa e defesa dos direitos
humanos" (Unidade 32 de mai 1978), que tomou um vulto
muito grande com a morte do jornalista Vladimir Herzog.
- As greves de
maio de maio no ABC foram incorporadas pelos primeiros editoriais
publicados pelo jornal Unidade e escrito por David de
Morais. Ressaltando a necessidade "de participação intensa da
categoria nas lutas do Sindicato" ele ressaltou os dois momentos nos
quais isso aconteceu: a morte de Herzog e a greve dos jornalistas de São
Paulo, em dezembro de 1961, "a única realizada pelo Sindicato" (Unidade 32
1978).
- Moraes afirmou
que as três prioridades imediatas da nova diretoria eram: eleição do
conselho editorial do jornal Unidade, campanha salarial e a
implantação do CCRR. A idéia "básica" do jornal era ser "de
luta, de debates, de reivindicação, de espelho de problemas e anseios de
todas as redações e todos os segmentos da categoria" (Unidade 32
mai 1978). Portanto um fórum e um agente mobilizador e interventor.
- A greve do ABC
incentivaria os jornalistas, mesmo fora de data base, a incrementar uma
campanha que teria por base um confronto "classe a classe".
"Vamos entrar em contatos direto com os nossos patrões que tem
apoiado as negociações diretas entre outros sindicatos e empresas e que
agora terão a oportUnidade de mostrar na prática seus pontos
de vista" diz o editorial. Quanto ao risco da greve ser ilegal,
Moraes disse que "os trabalhadores estão mais conscientes de que
suas reivindicações mais legítimas não podem ser cerceadas por
dispositivos que podem ser legais mais carecem de legitimidade" (Unidade mai
1978).
- O CCRR era o
ponto mais importante do programa, essencial para a organização de
"todas as nossas lutas". Segundo Moraes, "na medida em
que conseguirmos sucesso nessa tentativa, estaremos, possivelmente,
abrindo caminho para outros sindicatos empenhados hoje na luta pelo
estabelecimento dos comitês de fábrica e, pois, para um sindicalismo
forte, livre, aberto e democrático". O CCRR era o início da
superação da estrutura legal corporativa, que impedia o sindicato de
seguir sua vocação original, de ser um "órgão de luta em defesa dos
interesses da categoria que representa" (Unidade 32 mai
1978).
- No sentido de
realçar essa postura combativa, a memória da greve de 1961, ocorrida no
dia primeiro de dezembro, foi ativada de forma estratégica no interior da
edição de seguinte do jornal Unidade. Uma manchete em letras
garrafais diz: "1961, a greve vitoriosa". Além disso, uma
reportagem com Fúlvio Abramo, presidente do comitê de greve a época, que
apontou os motivos da vitória: reivindicações de natureza estritamente
sindical e econômica, elemento de coesão numa uma categoria "cuja
natureza do trabalho, intelectual, a torna altamente politizada e por isso
mesmo heterogênea, com uma dificuldade natural para a Unidade";
adesão dos chefes de redação, pois segundo Fúlvio, cargos de confiança
eram estritamente "técnicos" e não "políticos", o que
permitia aos seus ocupantes manterem um distanciamento "crítico"
dos valores dos seus patrões e conservar sua identidade de trabalhador; e
a organização do comitê de greve, formado "por elementos capazes,
decididos e disciplinados na execução de suas tarefas, sempre agindo por
determinação da assembléia geral" (Unidade 33 jun/jul
1978).
- Com menor
destaque a reportagem acrescentava a atuação "firme" dos
piquetes, o "espírito de colaboração" de trabalhadores de outras
categorias como motoristas, gráficos e telegrafistas e o papel do governo
João Goulart, "sem iniciativa para reprimir os trabalhadores". A
greve durou cinco dias e o conflito teve a intermediação de uma terceira
instância, o Tribunal Regional de São Paulo, que por seis votos a zero,
decretou que os jornalistas deveriam receber 45% de reajuste salarial a
partir de janeiro de 1962 (Unidade 33 jun/jul 1978).
- Logo, o processo
de articulação entre valores jornalísticos e atitudes
"operárias", a memória foi formada como, diz Pollak, como um
processo de ordenamento, de produção de sentido, enquadramentos,
esquecimentos e silêncios. Fatos e determinados aspectos do passado foram
enfatizados na medida em que podiam contribuir na construção da identidade
e das relações entre pessoas e grupos (Pollak, 1989). Por outro lado, o
processo de construção de uma consciência de classe desfez o mito de haver
uma oposição absoluta entre as práticas do sindicalismo pré-64, tido como
"populista" e "conciliador" e as do novo sindicalismo.
Para se postar como um sindicato de "luta", os jornalistas
atravessaram essas disputas conceituais, revelando que existiam
continuidades entre o velho e o novo movimento sindical.
- A diferença era
que a lógica da reciprocidade (Gomes, 1982) não conduzia as práticas do
Novo Sindicalismo. A postura, no fim dos anos 70, era de confronto. O
governo militar e empresários, na ótica do movimento sindical, possuíam
uma "convergência" de interesses (Santana, 1999). No seu
discurso de posse, o novo presidente do Sindicato dos Jornalistas, David
Moraes disse que,
- "...uma
liberdade sindical que não se detenha diante de nenhum fantasma e que
permita a busca de caminhos de organização que desembocarão, fatalmente,
na necessidade de criação de uma central sindical ou qualquer que seja o
nome de uma organização que congregue todos os trabalhadores do país.
Defendemos uma liberdade de organização que permita aos trabalhadores
lutar por seus interesses individuais e coletivos diante dos interesses
conflitantes das empresas e do Estado. Essa organização é básica
para o sucesso da luta pois tudo terá que ser conquistado"
(Unidade 32 mai 1978).
- A busca por uma
sintonia e identidade de interesses com as diversas categorias de
trabalhadores, não descartava, segundo Morais, "a questão da
democracia e dos direitos humanos", tendo sempre presente à memória
de Herzog (Unidade 32 mai 1978). O que sugere que o papel
destacado do Sindicato no plano político mais amplo de luta contra o
regime não se opunha à presença dos jornalistas, através do ativismo
sindical, na "frente de massa" que iria se formando com os
diversos movimentos sociais presentes na "esfera pública".
- A descrença num
jornalismo empresarial e desengajado existia, pois, para Moraes "informar
por informar não existe. Informa-se sempre para orientar em determinado
sentido as diversas classes e camadas da sociedade e com o objetivo de que
essas orientações se reflitam em ações". O discurso jornalístico
teria um sentido ideológico sujeito as "relações de classe" que
existiam na sociedade (Unidade 32 mai 1978).
- A consciência de
classe seria um valor necessário para que o "agente da
comunicação" cumprisse o seu papel de "agente
transformador" da sociedade, sendo mais "analista e
crítico" e não um mero "repetidor" da "ideologia dos
proprietários". Sem entrar em detalhes, Moraes sugeria a
"cogestão", e na medida do possível, a ampliação da experiência
da imprensa alternativa como um "remédio" para o mal do processo
de concentração e de monopolização dos meios de comunicação. Porém,
diferentemente de Abramo, ele vê espaços para luta pela hegemonia de
valores no interior da grande imprensa:
- "Além da
luta pelo fortalecimento da imprensa independente (alternativa), o
profissional brasileiro, no seu trabalho diário nas grandes empresas, tem
provado que é possível, mesmo que limitadamente e dependendo de fatores
meramente conjunturais, refletir nos noticiários que produz, os interesses
mais amplos da sociedade, algumas vezes à revelia dos interesses do grupo
controlador dos meios" (Unidade 32, mai 1978).
- Porém, quais são
os interesses mais amplos da sociedade? Liberdades sindicais? Liberdades
democráticas? E por quê os donos dos meios, diante da censura que tolhia
os negócios seriam contra elas? Aqui, implicitamente aparecia a concepção,
externada por Kucinski, de que a grande imprensa teria aderido ao projeto
de "abertura lenta, gradual e segura" criado pelos militares.
- Em um debate
acontecido na sede Sindicato dos Jornalistas em junho de 1978, reproduzido
em seus "melhores momentos" no Jornal Unidade,
edição 33, tratou-se dos dilemas do movimento sindical perante a
legislação que definia a priori toda greve como "ilegal". O tema
era a "Greve em questão". O debate teve as presenças de diversas
lideranças sindicais e políticas, entre elas Luís Inácio da Silva, o Lula,
Audálio Dantas, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e
atual representante da categoria na Federação Nacional, e Almir
Pazzianoto, advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e
deputado estadual pelo MDB.
- Primeiro a
intervir, AUDÁLIO afirmou,
"Esse movimento forte hoje existente no ABC está sendo uma lição para
nós. Nossa categoria teve sempre tendência muito acentuada de se considerar a
margem do processo da luta dos trabalhadores, de modo geral, porque, diga-se de
passagem, era categoria intelectualizada ou pára-intelectual. Isso prejudicou
muito. E a nossa briga aqui, permanentemente, foi essa, no sentido de que havia
necessidade de mobilização e de participação dos membros da categoria, porque
eles são trabalhadores como outro qualquer. São assalariados, têm problemas uma
grande parcela de trabalhadores - insistimos sempre nisso - que ganham salários
abaixo do que pode se considerar digno. E houve aumento gradativo de
participação" (Unidade 33 jun/jul 1978).
- A tônica do
debate ficou centrada na questão do "fator" que desencadeou o
movimento grevista no ABC. Se ele foi "efeito" da ação
persistente das comissões de fábrica, se foi um movimento
"espontâneo" e o papel da "consciência" dos trabalhadores
diante da questão jurídica, posta pela "ilegalidade". Em relação
aos jornalistas, a organização do CCRR foi vista como "um passo a
mais" para efetiva construção de uma "consciência de
classe" na categoria. Porém, Pazzianoto lembrou que isso não era
suficiente para superar os dilemas que os jornalistas teriam ao fazer
greve. A heterogeneidade de salários e a relativa "independência do
jornal em relação às redações. "Um jornalista interessado me disse
que é muito difícil fazer greve no jornais. Se a redação parar o jornal
continua saindo." (Unidade 33 jun/jul 1978).
- Lula, liderança
mais destacada do emergente movimento sindical foi convidado a falar, a
"dar um recado" aos jornalistas presentes, como expectadores, ao
debate:
- "...jornalistas,
uma classe que come mortadela e arrota peru, até por inocência. Eu não posso entender tanto de vocês
ganhando seis mil cruzeiros, ou até quatro mil e quinhentos, enquanto
outros ganham quarenta mil para escrever em jornal. Eu acho que uma das
brigas fundamentais que o sindicato dos jornalistas tem que comprar é essa.
Pessoas que ganham muito dinheiro em suas profissões e não precisam tirar
o pão da boca de um jornalista. Outra questão que eu queria levantar é
que, o sindicato tem importância grande nisso, é pegar essa meninada que
está se formando em jornalismo e mostrar para eles que é lamentável o
status que dá dizer 'eu sou jornalista'. Eu digo lamentável no bom
sentido. Eu sinceramente pensei que jornalista ganhasse cem mil cruzeiros
por mês" (Unidade, 33, jun/jul 1978).
- Sem posses, a
maioria dos jornalistas vive de pose. Mas o que sustenta essa pose? Ou,
para um metalúrgico, o que faz um jornalista demais, sem se preocupar com
a jornada estabelecida em lei, sem receber hora-extra?
- "Quando comecei a conhecer tantos
jornalistas com consciência ganhando seis mil cruzeiros, trabalhando doze
horas por dia, em dois empregos, três. Então esse pessoal devia Ter
consciência do seu papel como jornalista. Se vale a pena ganhar quatro mil
se o salário dele devia valer quinze, vinte mil. Se vale a pena trabalhar
por amor. Isto para mim é um bestialidade muito grande. Por
mais burro que seja um metalúrgico ele nunca continua trabalhando se
encerra o expediente dele...ele encerra do jeito que tá. Outro que
continue. E o jornalista, por amor, trabalha das oito da manhã até meia
noite, sem ganhar hora extra, porque ele se preocupa e o patrão ensinou a
ele não parar a matéria pela metade" (Unidade, 33, jun/jul 1978).
- Essa lógica
implicava, na visão de um metalúrgico, poupar mão de obra. A consciência
de classe teria de ver masoquismo em vez de prazer, exploração em vez de
consciência do dever. Lógica própria do maniqueísmo da época, que em dada
medida, interferiu no universo dos valores do jornalista.
- A dialética
entre uma dada "consciência de classe" e identidade
"jornalística" ficaria evidente se tomarmos, para encerrar esse
artigo, o depoimento de José Hamilton Ribeiro, sobre sua passagem na
revista Realidade e o seu aprendizado na profissão:
- "O segredo
era a fórmula 'amor/trabalho'. Todo mundo se entregava ao trabalho com
todo amor, com todo empenho. Na hora de escrever uma notícia, o Narciso
Kalili, o Luís Fernando Mercadante, eu próprio, a gente passava três dias
escrevendo, reescrevendo, suando, sofrendo, emagrecendo. Cada reportagem
era um parto. Com dor" (Unidade, 8, mar. 1976).
[8] CONCLUSÃO
- Fica patente a
dificuldade de se enquadrar o jornalista em uma rígida identidade de
"trabalhador". Os valores e as tradições interventoras
existentes no jornalismo brasileiro persistiam. Assim, a combatividade dos
jornalistas, a inserção do Sindicato no Novo Sindicalismo, era motivada
por um discurso que, diante do maniqueísmo existente na época, apelava
para uma contradição rígida de interesses entre os donos dos meios de
comunicação e os jornalistas, trabalhadores assalariados. Era um discurso
essencialmente político.
- O exercício de
uma contra-hegemonia passaria pela construção de uma consciência de
classe. Mas, quais os contornos dessa "consciência"? Em muitos
pontos do discurso das lideranças sindicais transparece o desejo de se
construir uma Unidade que levasse os jornalistas a luta
de classe através da greve, instrumento fundamental na dinâmica do
movimento sindical da época. Era a luta que abriria espaço na grande
imprensa para o jornalista exercer a sua "autonomia moral e interpretativa"
intervindo no debate político.
- Porém, a
pergunta que se faz é, como sustentar a Unidade resgatando
uma postura ideológica para o jornalista? Não voltaria o mesmo dilema
posto por Fúlvio Abramo, no qual o jornalista como "trabalhador
intelectual", bastante politizado, era, em virtude dessas
características, atomizado e fragmentado? Ou seja, o resgate do papel
político não levaria a fragmentação dessa mesma unidade? Havia ou não
ambigüidades entre uma identidade de classe e uma nova identidade jornalística?
- Para as
lideranças sindicais dos jornalistas de São Paulo, não. Para eles não
havia contradição entre o resgate de um papel "político", mesmo
que não possamos precisar o que seja isto e uma identidade de classe.
- A disputa
analisada em torno tipos ideais não nos permite falar que tenha havido e
que ainda haja uma única identidade jornalística compartilhada. É possível
se falar de identidades.
- Mas pode-se
pensar no conjunto de empregados das empresas jornalísticas, permeado
pelas tensões e apelos vindos de diversos lados, seja do Sindicato, das
chefias ou dos patrões.
- A mobilização
iniciada de forma mais intensiva em março de 1978, apontava para a
hegemonia de valores, que mesmo ambiguamente expressados pelos ativistas
sindicais teve como desdobramento o movimento grevista de 1979.
- Portanto, mesmo
que por um período limitado de tempo, um conjunto de jornalistas de São
Paulo se identificará como "trabalhadores" e adotarão condutas
típicas de outras categorias com uma identidade de classe mais firmada.
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WEFFORT, Francisco. Sindicato e Política. Tese
de Livre Docência, USP, São Paulo, 1975.
*Marco Antônio Roxo da Silva é Doutorando do Programa de
Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense. Este texto é uma versão
inicial da introdução da dissertação de mestrado intitulada "Companheiros
em Luta: A greve dos Jornalistas de 1979", defendida em março de 2003.
Greve dos jornalistas completa 35 anos; participantes discutem as
consequências
Jéssica Oliveira | 29/05/2014
14:15
Acesso RAS 2020-01-10
22 de maio
de 1979, Teatro da Universidade Católica de São Paulo (TUCA): "Os jornais
vão noticiar a greve".
A frase foi
dita por EMIR MACEDO NOGUEIRA (1927-1982), então editor de opinião da FOLHA
DE S.PAULO, sobre a greve dos jornalistas.
Naquela
noite, 1.692 profissionais decidiram a favor da paralisação da categoria.
Os
dias seguintes mostraram que ele estava certo.
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Parte do especial de 30 anos da greve feito
pelo jornal do sindicato, o Unidade
Crédito:Arquivo / Sindicato dos Jornalistas
de São Paulo (SJSP)
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"Era muito desagradável
chegar em casa de madrugada e a primeira coisa vista na porta era o jornal
dobradinho. Era o fracasso ali. Não conseguimos nem impedir que os jornais
saíssem. Como vamos convencer as pessoas?", lembra JUCA
KFOURI, 35 anos depois. Na época ele trabalhava na revista PLACAR, era da diretoria do sindicato
de jornalistas e membro do comitê da greve.
Assim como KFOURI, SANDRO VAIA,
então editor de esportes do extinto Jornal da Tarde, viu o movimento nas
manchetes, e entendeu o “recado”.
"Estávamos lá [no 'bar do Alemão', na
avenida Antártica] tomando nosso chope habitual quando apareceram três
dos quatro filhos de RUY MESQUITA,
diretor do JT, com uma pilha de jornais debaixo do braço.
Eles distribuíram de mesa em mesa um exemplar recém-impresso com a
manchete "Jornalistas de SP estão em greve". O recado deles, com
aquele gesto, era bastante claro: 'Vocês estão em greve, mas o jornal está
na rua; quem precisa de vocês?' Era uma ironia. Sorrimos. O que mais
podíamos fazer?", recorda.
Segundo ele, toda a redação
do JT compareceu às assembleias e a maioria decidiu votar contra a
greve, por considerá-la "inoportuna" e por achar a condução do
sindicato um tanto "imprudente", mas, no fim, a equipe do periódico
aderiu à paralisação.
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A greve nas páginas do jornal Unidade; Crédito:Arquivo
/ Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (SJSP)
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DO ABC PARA AS REDAÇÕES
Os jornalistas de São Paulo
reivindicavam 25% de aumento salarial e imunidade para os representantes
sindicais nas redações. Mas, segundo KFOURI,
o movimento foi inspirado muito mais nos metalúrgicos de São Bernardo do Campo
(SP) que cruzaram os braços, sob a liderança do então líder sindical LUIS INÁCIO DA SILVA, o LULA, do que nas reivindicações dos
jornalistas.
"Queríamos fazer como os
metalúrgicos. Vimos aquilo crescer, aquelas assembleias monstruosas, com uma
voz que ia além da questão trabalhistas, que confrontava com a ditadura. Sei
que pode parecer infantil, mas era mais do que isso, era uma coisa generosa", afirma.
Contrário a esse pensamento,
estava principalmente a voz de NOGUEIRA,
que chamava a paralisação dos jornalistas de aventura. “Ele era a voz sensata, calma e
tranquila, que dizia que estávamos bancando uma aventura. E estávamos. Era
vaiado cada vez que ia falar, nunca perdia a compostura. Tentavam fazer que a
voz dele não fosse ouvida, mas não tinha uma pessoa que não o respeitasse. Uma
figura admirável, por quem eu tenho grande saudade”, diz KFOURI.
Tanto na assembleia do Tuca no
dia 22, quanto na Igreja da Consolação no dia 17 de maio e com a presença de
1500 profissionais, NOGUEIRA foi
vaiado, insultado e xingado, segundo o seu filho PAULO NOGUEIRA, à época redator da Folha da Tarde, hoje
diretor editorial do site Diário do Centro do Mundo.
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Jornalistas votam na Igreja da
Consolação; Crédito: Arquivo SJSP
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“Eu era um garoto de 22 anos e
foi complicado ouvir sentado os insultos a meu pai. Nunca me perdoei
inteiramente pelos murros que não dei, mesmo sabendo que teria sido uma
besteira monumental, uma afronta ao meu próprio pai, que compreendia o drama do
momento e ouvia os xingamentos com absoluta calma”, afirma.
O PLANO
SECRETO
Na mesma noite da constatação
fatídica de NOGUEIRA, KFOURI tentou acalmar os presentes no
Tuca e anunciou que havia um “plano secreto para parar os jornais”, história
que, segundo ele, o “constrange”.
“Havia um núcleo operações não
ortodoxas para garantir que a greve seria bem-sucedida. O responsável por esse
núcleo disse: ‘pode garantir que amanhã não haverá jornais”, explica. Mas, ao final da assembleia, soube
que o plano era jogar óleo na pista de Marginal para impedir que os caminhões
passassem. “O plano foi imediatamente abortado, claro”.
Na manhã seguinte, no Tuca
aconteceu exatamente o que previu NOGUEIRA:
a greve nos jornalistas foi noticiada. “Não me arrependo de ter participado da
greve. Sei exatamente porque fiz e me orgulho, mas é claro que hoje olho aquilo
como um equívoco", afirma KFOURI.
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Piquete em frente à Folha; Crédito:Arquivo
/ SJSP
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ENTRE O
INÍCIO E O FIM
Para garantir o sucesso da greve,
além das assembleias, houve reuniões quase diariamente no sindicato dos
jornalistas, na região Central de São Paulo, e piquetes nas portas das redações
para impedir a entrada de colegas e pressionar os que trabalhavam.
Vaia recorda o que ouviu de um
colega algo engraçado durante o piquete na porta do Estadão. Os grevistas
chamavam o jornalista LUIZ FERNANDO
EMEDIATO sob os gritos 'LUIZ FERNANDO EMEDIATO, desça daí emediatamente'.
"Era uma piada, em forma de trocadilho. Ele se orgulhava bastante da
autoria de sua sacada e do seu bom humor", conta.
A mobilização foi grande, mas
gráficos, funcionários administrativos e radialistas não pararam. Os periódicos
estavam descaracterizados, mas circularam. Um a um, os jornais, rádios e TVs
voltaram a circular com matérias "cozinhadas" ou já publicadas.
No dia 28mai1979, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) julgou a greve ilegal. Após a decisão, as
empresas demitiram pelo menos 220 grevistas, segundo o texto "Os
jornalistas e sua greve: consciência de classe e debate político", de
MARCO ANTÔNIO ROXO DA SILVA,
doutorando em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
"O clima oscilou entre a
mais delirante euforia (antes da greve) e a mais cava depressão (depois)", resume PAULO
NOGUEIRA. “As empresas aproveitaram a greve reduzir substancialmente seus
quadros, uma vez que perceberam que dava para fazer o jornal com menos gente.
Nunca mais as redações voltaram aos níveis pré-greve".
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RONALD DE
ALMEIDA SILVA
Rio de
Janeiro, RJ, 02jun1947; reside em São Luís, MA, Brasil desde 1976.
Arquiteto
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