sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

[835] RESERVA EXTRATIVISTA (RESEX) TAUÁ-MIRIM. Modos de vida, territórios e uma cidade em questão: resistências políticas de comunidades rurais no município de São Luís – Maranhão, Brasil




RESERVA EXTRATIVISTA (RESEX) TAUÁ-MIRIM
MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS, ILHA DE SÃO LUÍS, MARANHÃO.

Revisão_00, 2020-01-23


Ressources locales et communautés indigènes

Modos de vida, territórios e uma cidade em questão: resistências políticas de comunidades rurais no município de São Luís – Maranhão, Brasil

Ø  Ways of Life, Territories, and the Questioning of a City: Resisting Rural Communities in the Village of São Luís – Maranhão, Brasil

Ø  Modos de vida, territorios y una ciudad en cuestión: resistências políticas de las comunidades rurales en el municipio de São Luís – Maranhão, Brasil

Ø  Modes de vie, territoires et une ville en question: résistances politiques de communautés rurales de la commune de São Luís – Maranhão, Brasil

Elio de Jesus Pantoja Alves
Fonte:
Acesso RAS 2020-01-23

Notas do autor
Este artigo é fruto da pesquisa de tese de doutoramento do autor defendida em 2014, no âmbito do Programa de Pós Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGSA/IFCS/UFRJ e de pesquisas atuais em andamento.

RESUMOS
O artigo analisa as experiências de mobilização política de comunidades rurais no município de São Luís, Estado do Maranhão, Brasil. Descreve as ações coletivas locais, tendo por base as diferentes formas de reivindicação de territórios e de garantia de seus modos de vida ameaçados por atividades portuárias e industriais. Nesse quadro apresenta uma discussão breve sobre o cenário desenvolvimentista remontando aos anos de 1980 com a instalação de grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia oriental, e especificamente, no Estado do Maranhão. Aponta o surgimento de movimentos de contestação nos anos de 1980 e sua importância para as experiências atuais. Procura mostrar como as lutas políticas das comunidades rurais se constituíram em movimentos sociais mais amplos, envolvendo atores políticos importantes. Enfatiza por fim as proposições quanto à gestão dos recursos e dos territórios, exemplificadas na criação de uma Reserva Extrativista, assim como outras modalidades de uso tradicional, incluindo territórios sagrados.

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[Mapa anexado na presente edição; fonte: ICMBio/UFMA]
[SUMÁRIO]

Texto integral

 


1)      No início do século XXI, constata-se na Amazônia brasileira [1], a retomada de ações estatais de planejamento e de execução de grandes projetos com obras de infraestrutura que colocam em questão os territórios ocupados historicamente por “populações tradicionais” [2].  Concomitantemente, a expansão do mercado e, por conseguinte, da produção de valor de troca que se impõe sobre a lógica de produção e reprodução social destes grupos sociais e seus territórios. Tal imposição tem gerado profundas alterações socioambientais, submetendo os grupos sociais em situações de vulnerabilidade social e insegurança jurídica quanto ao controle social do território. Para compreender esse processo, torna-se relevante considerar as políticas de desenvolvimento do Governo Federal para a Amazônia Oriental [3], que desde os anos de 1960 estabeleciam como meta a “integração” da região à economia nacional, assim como seus desdobramentos, sobretudo nas duas últimas décadas com a retomada de grandes investimentos em obras de infraestrutura no país.

2)      Conforme Alves, Sant`Ana Júnior e Pereira (2010, 97), no Maranhão, os desdobramentos de grandes projetos idealizados e implementados durante o regime militar (1964-1985), a exemplo do Projeto Grande Carajás [4], assim como de outras iniciativas desenvolvimentistas “levaram à instalação da infraestrutura necessária para a exploração mineral, floresta, agrícola, pecuária e industrial”, do próprio Maranhão e de estados vizinhos. Este processo de expansão capitalista conta com uma extensa rede de rodovias e de ferrovia como a Estrada de Ferro Carajás, ligando as grandes minas do sudeste do Pará, onde está localizada a Serra dos Carajás ao Complexo Portuário de São Luís [5], no município de São Luís-MA.

3)      Ao longo da Estrada de Ferro Carajás há ainda oito usinas de processamento de ferro gusa e na Ilha do Maranhão onde o município de São Luís está localizado [6], existe a fábrica de alumina e alumínio da ALUMAR [7], as bases para estocagem e processamento industrial de minério de ferro da Companhia Vale [8] e a Usina Termelétrica Porto de Itaqui da Eneva S.A [9]. Os autores supracitados indicam ainda que no continente, próximo de São Luís, encontra-se o centro de lançamento de artefatos espaciais (Centro de Lançamento de Alcântara – CLA), no município de Alcântara, entre outros projetos de monocultura agrícola (soja, sorgo, milho) no Sul e Sudeste do estado e projetos de criação de búfalos, na região da Baixada Maranhense, ampliação da pecuária bovina extensiva e projetos de carcinicultura no litoral.

4)      A discussão do artigo está circunscrita, portanto, na temática dos conflitos ambientais, quer dizer, tipos de conflito social que passam, crescentemente por processos que Leite Lopes (2004) define como “ambientalização”. Estes conflitos podem tanto se manter como “conflitos pelo acesso e uso dos recursos naturais” (em especial pelo controle do território), quanto incorporar, principalmente nos casos vinculados à industrialização ou à agricultura com uso intensivo de produtos químicos, a dimensão de “conflitos por distribuição de externalidades”. Neste caso, estes conflitos se produzem também em torno de situações em que o desenvolvimento de uma atividade compromete a possibilidade da manutenção de outras (Acselrad 2004).

5)      Em São Luís, estes conflitos remontam aos anos de 1980 quando foram instaladas a fábrica da ALUMAR, e a Estrada de Ferro da Ferrovia Carajás da Companhia Vale do Rio Doce com a ocupação de grandes extensões de áreas rurais, destruição ambiental e processos de “deslocamentos compulsórios” [10]. No bojo desse mesmo processo surgiram as primeiras experiências de contestação protagonizadas pelo Comitê de Defesa da Ilha, um movimento que durante os anos de 1980 atuou em parceria com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) [11], aliando a discussão do problema fundiário do município de São Luís ao problema ambiental (Alves 2014). A análise do artigo centra-se nas experiências de mobilização política protagonizadas por três comunidades rurais: Taim, Rio dos Cachorros e Cajueiro [12], formadas majoritariamente por famílias de pescadores-agricultores e extrativistas, localizadas na porção sul da Ilha do Maranhão. A área em questão, em grande parte, é definida legalmente como Zona Rural, conforme a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís (Lei Municipal nº 3.253 de 1992) [13]. O artigo procura analisar as estratégias de mobilização política construídas por comunidades rurais visando garantias de direito ao território e dos modos de vida. A seleção destas comunidades como unidades de análise se deu em função das mobilizações políticas iniciadas por suas lideranças em dois momentos diferentes e se reportam a duas situações de conflitos. A primeira situação, ocorrida entre 2004 e 2005, foi protagonizada pelas comunidades de Taim e Rio dos Cachorros contra a instalação de um polo siderúrgico. A segunda refere-se a um processo em curso iniciado pela comunidade do Cajueiro em 2014 contra a instalação de um Terminal Portuário. Ambos os casos, embora aqui tratados distintamente, ocorrem dentro de um processo contínuo de conflitos produzidos, em geral, pela expansão de atividades industriais e pela ampliação do Complexo Portuário de São Luís.

6)      Na perspectiva de compreender as formas de ação coletiva dos grupos sociais locais, procuro então articular dois conceitos estruturais importantes, quais sejam, mobilização política e comunidade. Este último refere-se às formas de relações primárias, como parentesco, vizinhança, reciprocidade que conferem sentido e “sentimento de pertencimento” dos indivíduos e dos grupos sociais com o território. Esta noção de comunidade está articulada com a luta política, uma vez que na situação de fragilidade política e jurídica com relação à posse da terra, tal sentido de comunidade tem sido recorrentemente convertido em mobilização política.

7)      O termo “sentimento de pertencimento” remete a um conjunto de elementos materiais e simbólicos historicamente e socialmente estruturados que tem sido acionado. Quer dizer, a organização das ações coletivas passa pela mobilização do sentimento de pertencer a uma comunidade diante das dinâmicas desenvolvimentistas nas quais os atores locais se confrontam com agentes comerciais que atuam no fluxo dos mercados globais. Nesse quadro, comunidade, não se trata de uma abstração ou nomeação genérica, mas um universo no qual os agentes sociais determinados e lideranças identificadas tomam iniciativas políticas.

8)      Conforme Meyer (1979, 16) “a configuração de uma comunidade no espaço só ganha significado quando percebida à luz de um sistema de relações sociais que articula não só os elementos internos à comunidade, mas também, àqueles que são externos”. O processo de resistência aqui analisado, se desenvolve, portanto, com referência as comunidades rurais portadoras de uma lógica sociocultural e econômica distinta, o que permite considerá-las como modos de vida com seus respectivos “meios de vida” (Candido 1975), ou ainda, “ambientes de vida” (Hébette 2004) peculiares que interagem num quadro conflitante com as lógicas e as forças modernizadoras hegemônicas. A luta política historicamente configurada informa, em grande medida, o sentimento que as lideranças e seus moradores têm ao falarem do “lugar”, remetendo às gerações passadas, onde conseguiram obter patrimônios, tais como suas casas e seus terrenos, suas plantações, e também a memória coletiva de seus ancestrais. São estes referenciais que têm sido mobilizados e que dão sentido e unificam a luta política diante dos processos decisórios do Estado e das empresas num contexto em que novas fronteiras econômicas avançam sobre territórios.

9)      Recorrendo à literatura sobre as teorias da ação coletiva, o conceito de “mobilização política” emprestado de Charles Tilly da obra “From mobilization to revolution” (Tilly 1978) ganha importância crucial neste estudo. Em um tópico desta obra denominado “The componentes of colletive action” organizado a partir de registros historiográficos do século XVIII na Europa e nas colônias inglesas da América do Norte, o autor procura mostrar as formas de ações coletivas num contexto de expansão das relações capitalistas e do surgimento do Estado Nacional sobre outras formas de organização social. Mas, a compreensão destes processos deve passar pela compreensão do contexto e dos cenários socioculturais que informam substancialmente as ações coletivas, quer dizer, ação conjunta que envolve “interesses”, “organização”, “mobilização”, “oportunidade” e capacidade organizativa na busca de interesses e aquisição de recursos e controle coletivo sobre os mesmos. A discussão sobre os cenários culturais, assim como a inserção dos repertórios de contenção na teoria de C. Tilly foram sendo incluídos ao longo da sua produção acadêmica na denominada Teoria do Processo Político – TPP, na qual se insere a produção deste teórico (Alonso 2009). No Brasil, a dimensão cultural nas análises sobre ações coletivas contemporâneas tem alargado os horizontes das pesquisas sociológicas na medida em que as formas atuais de ações coletivas passam a incorporar em suas rotinas de mobilização o caráter identitário associado à luta pelo reconhecimento de direitos. As questões étnicas e territoriais são tomadas aqui como referências elementares, por assim dizer, novas simbologias das ações coletivas destes novos sujeitos.

10)  Os componentes da ação e os repertórios aqui analisadas apresentam como referência de luta, as histórias e trajetórias de vida pessoal e coletiva e a bagagem cultural tradicional historicamente compartilhada entre as diferentes gerações. Com as experiências acumuladas de lutas políticas, acionam aliados estratégicos, tais como políticos, movimentos sociais, grupos de pesquisas, assessores jurídicos e representantes de governos e do poder público. Em geral, suas reivindicações convergem para um ponto comum que é a busca pelo reconhecimento como “populações tradicionais”, que se constitui como uma categoria de ação política, considerando também que se trata de uma categoria jurídica prevista no Sistema Nacional de Unidade de Conservação (SNUC), criada pela Lei nº. 9.985 de 2000 (Brasil 2002).

11)  Entretanto, as modalidades de uso social dos territórios reivindicadas são variadas, entre elas, uma Reserva Extrativista (RESEX), Território Pesqueiro e mais recente, a luta pela preservação do Terreiro do Egito, uma área considerada sagrada pelos praticantes de Mina, ou como é também designada Tambor de Mina, religião de matriz africana específica do Maranhão [14]. Estas diferentes formas de reivindicação, estão diretamente associadas às estratégias políticas para a garantia do território e podem ser explicadas pela situação de fragilidade jurídica quanto à posse da terra diante das contínuas ameaças de desapropriação. Estas formas de reivindicação pela permanência de modos de vida distintos ocorrem num contexto de discussão da cidade, mas chama atenção, entretanto, o fato de serem comunidades rurais diretamente afetadas por impactos socioambientais decorrentes de projetos de desenvolvimento sobre os quais procuro relatar adiante.

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[INTRODUÇÃO: NOTAS LATERAIS AO TEXTO]
1 Amazônia brasileira compõe – se de 9 Estados: Acre, Rondônia, Amazonas, Pará, Mato Grosso, Roraima, (...)

2 Cunha e Almeida (2001,  92) referem – se a essa categoria destacando as seguintes características: (...)

3 A Amazônia Oriental é composta pelos Estados do Pará, Amapá, Tocantins e parte do Estado de Mato Gr (...)

4 O Projeto Grande Carajás (PGC) foi um programa de desenvolvimento econômico concebido e implementad (...)

5 O Complexo Portuário de São Luís está localizado na baía de São Marcos, a 11 km do centro de São Lu (...)

6 Ilha do Maranhão é o nome oficial da ilha onde se situa o município de São Luís. É também chamada d (...)

7 O Consórcio de Alumínio do Maranhão (ALUMAR) atua na produção de alumínio primário e alumina. Chego (...)

8 A Companhia Vale é uma empresa brasileira privada de capital aberto desde 1997 quando foi privatiza (...)

9 Usina Termoelétrica Porto do Itaqui foi instalada em 2009 e iniciou suas operações em 2012. Inicial (...)
10 Conforme Magalhães (2007, 14), “deslocamento compulsório” designa “o processo pelo qual determinado (...)

11 As Comunidades Eclesiais de Base foram criadas pelos setores progressistas da Igreja Católica entre (...)

12 Conforme levantamento realizado em estudos do Governo do Maranhão em 2004, a comunidade do Taim ocu (...)


14 Casa de Mina ou Tambor de Mina é a designação popular, no Maranhão, para o local e para o culto de (...)





12)  Entre os anos 2001 e 2005, o Governo do Estado Maranhão em parceria com a Companhia Vale pretendiam instalar uma usina siderúrgica integrada, ou seja, uma modalidade de usina que opera em três fases: redução, refino e laminação. O projeto foi concebido num cenário no qual a economia brasileira encontrava-se em alta nas operações de exportação e a Companhia Vale havia se tornado um ator comercial importante no mercado internacional de commodities. Foi nesse cenário que se abriu um canal de diálogo por iniciativa da Companhia Vale, com a maior siderúrgica chinesa, a Baosteel Shanghai Group Corporation, e com a siderúrgica francesa Arcelor (maior siderúrgica do mundo que também mantém acordos comerciais com a Companhia Vale). A projeção do projeto siderúrgico era atingir a produção de 24 milhões de toneladas anuais de placas de aço com três unidades de produção (DAMÉ 2004). Em termos comparativos, a produção de aço do Brasil, em 2003, havia sido registrada com 31 milhões de toneladas, enquanto a produção mundial foi de 965 milhões de toneladas de aço, conforme dados apresentados pelo International Iron and Steel Institute em 2003. Assim, a produção pretendida pela Companhia Vale equivaleria a 80% da produção brasileira e 2,5% da produção mundial de 2003 e se concretizada a pretensão da Vale e do Governo do Maranhão, o município de São Luís seria o 11º maior produtor mundial de aço, à frente de países como França, Inglaterra e Espanha. Havia ainda a projeção de em dez anos, atingir 30 milhões de toneladas/ano. Com esta projeção, a siderúrgica de São Luís produziria sozinha aproximadamente a mesma quantidade de produção de aço produzida no país (Zagallo 2004).

13)  As usinas seriam instaladas em uma área de 2.471,71 ha, que segundo a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís (Lei Municipal nº 3.253 de 1992), é definida como Zona Rural II de São Luís, o que criou um empecilho legal. Segundo o levantamento da Associação de Moradores do Taim em 2004, os seguintes povoados seriam deslocados: Taim, Rio dos Cachorros, Cajueiro, Parnauaçú, Porto Grande, Vila Maranhão, Ananandiba, Colier, São Benedito, Vila Madureira e Camboa dos Frades, estimando pelo menos, 14.380 pessoas. A viabilidade legal do empreendimento, entretanto, dependeria da concessão legal da área, obrigando ao governo municipal alterar a Lei de Zoneamento para transformar a Zona Rural em Zona Industrial.

14)  Em 2004, as lideranças comunitárias do Rio dos Cachorros e Taim mediante a presença de funcionários de uma empresa de consultoria que realizava entrevistas e marcavam as casas de moradores com tinta preta, sentiram-se ameaçados e convocaram um pequeno grupo de moradores para discutir a situação. Juntamente com as associações de moradores das comunidades passaram a discutir a situação de ameaça, obtendo apoio de três vereadores na Câmara Municipal de São Luís e na Assembleia Legislativa, tiveram apoio de uma Deputada Estadual do Partido dos Trabalhadores (PT) que indicou assessoria jurídica para acompanhar o caso.

15)  Com a visibilidade da situação, as comunidades passaram a ter apoio de segmentos da sociedade civil em 2004 formando um amplo movimento em redes denominado Reage São Luís. Em função da intensa mobilização nas comunidades, o movimento formou uma base social com capacidade crítica questionando as bases legais do projeto e os impactos socioambientais que seriam produzidos não somente nas comunidades, mas em toda cidade de São Luís.

16)  Iniciadas pelas comunidades rurais, as ações de contestação contra o polo siderúrgico ganharam adesão de outras organizações da sociedade civil reunindo atores políticos diversificados, envolvendo cerca de quarenta entidades tais como: a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Associação dos Geólogos do Maranhão (AGEMA), a União Nacional por Moradia Popular (UNMP) [15], a Central de Movimentos Populares (CEMOP)16, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MA), a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), o Bispo da Arquidiocese de São Luís, o Movimento Sem Terra (MST), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) [17], a Cáritas Brasileira, a Congregação Irmãs de Notre Dame, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Luís, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC-MA), além de outros coletivos importantes.

17)  Com uma coordenação qualificada com profissionais de diferentes áreas e engajados em movimentos sociais, o Reage São Luís acionou diferentes campos de ação política, como o campo de conhecimento técnico-científico e jurídico desarmando criticamente os argumentos apresentados pelo governo e pela Companhia Vale nos Estudos e Relatórios de Impactos Ambientais (EIA-RIMA). Conforme as informações obtidas nos arquivos do Reage São Luís, aproximadamente 16.000 pessoas foram mobilizadas entre dezembro de 2004 e julho de 2006, nas comunidades e nos bairros da cidade.

18)  No processo de constituição do movimento de reação, a luta política inicialmente circunscrita no âmbito da disputa de um território, foi transformada numa pauta mais ampla sobre o planejamento urbano da cidade de São Luís. Desse modo, o movimento passou a simbolizar a defesa de um “bem comum” materializado na cidade pelo sentimento de pertencimento coletivo (Alves 2014).

19)  De acordo com os argumentos apresentados pelas lideranças do Movimento Reage São Luís, a estratégia da Prefeitura era aprovar a alteração da Lei de Zoneamento, sem uma discussão previa e sem a participação popular sobre o Plano Diretor da cidade de São Luís tendo vista a transformação legal da Zona Rural II em Zona Industrial, possibilitando atender aos interesses dos empresários para instalação do empreendimento siderúrgico. O movimento, entretanto, passou a questionar as ilegalidades encontradas nos processos de licenciamento ambiental e na concessão do terreno, o que resultou na realização de treze audiências públicas. Com o atraso no cronograma de execução do projeto e com a queda do preço do aço no mercado internacional, além do cenário político estadual desfavorável em função das disputas entre os grupos políticos locais, os investidores desistiram do consórcio, inviabilizando politicamente a instalação do projeto do polo siderúrgico (Alves 2014).

[CAP. I:: NOTAS LATERAIS AO TEXTO]

15 A UNMP foi criada em 1989 e consolidou-se a partir do processo de coletas de assinaturas para o pri (...)

16 A Central de Movimentos Populares é uma organização nacional que surgiu em 1993. Resultou de Encont (...)

17 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) é uma entidade ligada a Igreja Católica criada em 1975, durante (...)




20)  Vila Cajueiro é uma comunidade localizada às margens da baía de São Marcos, constituída de cinco núcleos de povoamentos, sendo eles: Parnauaçú, Andirobal, Guarimanduba, Morro do Egito e Cajueiro. Embora estes núcleos apresentem distinções em seu processo histórico de ocupação, no geral, os moradores denominam toda a localidade como Cajueiro, politicamente representada pela União de Moradores Proteção de Jesus do Cajueiro.

21)  Em 1998 o Governo do Maranhão, por meio do Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA), órgão que trata da regularização fundiária no âmbito estadual, declarou com Decreto Governamental que a área do Cajueiro possui “Escritura Pública de Condomínio” com um total de seiscentos e dez hectares hum ares e setenta e dois centiares, dentro da Gleba “A” Tibiri-Pedrinhas, margeando a baía de São Marcos18. Com esse documento, as lideranças comunitárias têm reivindicado o território legalmente definido como um assentamento rural do ITERMA.

22)  Em 2014, a comunidade passou a ser ameaçada em função do projeto de construção de um porto da empresa WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda, do grupo WTorre. A reação dos moradores iniciou com a visita de funcionários de uma empresa de consultoria aplicando questionários e com a presença de seguranças privados vigiando os terrenos adquiridos pela empresa. Conforme relatos dos moradores, os seguranças passaram a intimidá-los, impedindo de circularem na comunidade. Diante de tal situação, realizaram uma série de reuniões, mobilizando também as comunidades vizinhas, entre os meses de junho e outubro de 2014.

23)  No processo de mobilização os moradores tiveram assessoria de pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) que realizam atividades de pesquisa e extensão universitária na área, obtendo a produção de um laudo que subsidiou as ações judiciais da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Por duas vezes paralisaram o trânsito da BR-135, próxima da comunidade, ganhando adesão das comunidades vizinhas. A Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal estiveram presentes para negociar a liberação da estrada e em uma dessas paralisações exigiram que a área fosse fiscalizada pela Polícia Rodoviária Federal, resultando na retirada temporária dos seguranças.

24)  No dia 16 de outubro de 2014, houve tentativa de realização de uma audiência pública para discutir o licenciamento da instalação do Terminal Portuário de São Luís, pela referida empresa WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda., mas esta audiência foi impedida pelos moradores que alegaram que a empresa se utilizou de milícia armada e que foram intimidados e coagidos a vender suas posses. Os moradores questionaram também o descumprimento de prazos legais para convocação da Audiência Pública e à indisponibilidade do EIA-RIMA (Estudo e Relatório de Impactos Ambientais) elaborados pela empresa para consulta pública (Gedmma 2014).

25)  Em 18 de dezembro de 2014, a WPR demoliu 19 casas, alegando possuir ordem judicial para a ação. Conforme advogados da Comissão Pastoral da Terra, na ação, a empresa não apresentou intimação ou cópia da decisão. “A advogada da União de Moradores do Cajueiro e a CPT denunciaram ao Conselho Nacional de Justiça que a referida liminar fora exarada por juiz que era incompetente judicialmente para o caso e que este estava afastado da Vara. A referida decisão proibia que os moradores do Cajueiro realizassem futuras construções na área, mas não autorizava a demolição de obras” [19]. Conforme notas da CPT, “Alertou-se ao governo sobre o grave risco de um confronto direto e violento envolvendo os moradores e a empresa WPR. Foram reunidos todos os Boletins de Ocorrência com as queixas crime contra a empresa e iniciou-se uma investigação criminal na Delegacia de Polícia da Capital” [20].

26)  Em dezembro de 2014, a Secretaria de Estado e do Meio Ambiente e Recursos Naturais - SEMA, concedeu Licença Prévia (LP) à WPR Gestão de Portos e Terminais, LTDA., para instalação do terminal portuário privado, atestando a viabilidade locacional do projeto (Processo 108.205/2014) e em seguida, o governador interino do Maranhão, Arnaldo Melo, assinou um Decreto de desapropriação de uma área de 322.977, 60m² no Parnauaçú, em favor da WPR Gestão de Portos e Terminais, LTDA, determinando “o caráter de urgência para fins de imissão provisória dos bens” [21.]

27)  Em 2015, com a posse do novo Governador do Maranhão, Flávio Dino, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o movimento abriu novos canais de interlocução. Foi realizada uma audiência popular na comunidade que contou com a presença de representantes Secretário de Estado e Segurança Pública do Maranhão, o Secretário de Estado e Igualdade Racial (SEIR) e de representantes da Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular (SDHPP).

28)  A mobilização deu visibilidade à situação da comunidade e o novo governador revogou o Decreto de desapropriação em favor da WPR, suspendendo temporariamente a Licença Prévia (LP) para a instalação do empreendimento. No entanto, o Terminal de Uso Privado (TUP) da WPR foi anunciado como sendo autorizado pelo Ministério dos Transportes em janeiro de 2016, com apoio do novo Governo do Maranhão e da Prefeitura de São Luís, com previsão de investimentos governamentais de R$ 1,782 bilhão [22].

29)  Em junho de 2016, o Ministério Público do Maranhão em ação conjunta com a Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE), ingressou com uma Ação Civil Pública [23] contra o Estado do Maranhão, contra o Município de São Luís, e contra o Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (ITERMA) e a empresa WPR Gestão de Portos e Terminais, LTDA. A ação questiona o licenciamento prévio pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais (SEMA) de uma área que, em 1998 o ITERMA concedeu a cessão de domínio útil, decretando como área de “assentamento”. Na ação um dos argumentos é que o governo desconsidera o direito à terra que ele mesmo garante juridicamente.

[CAP. II: NOTAS LATERAIS AO TEXTO]

18 Escritura Pública de Condomínio de 1998 – fotocópia de documento registrado no Cartório Alvimar Br (...)

19 Notas da assessoria jurídica da Comissão Pastoral da Terra – CPT 2014.

20 Ibdem.

21 Decreto nº 30.610, de 30.12.2014.







30)  O Morro do Egito é um dos núcleos de povoamento que constitui o território do Cajueiro. Trata-se de uma elevação de terra localizada às margens da baía de São Marcos onde está situado o Terreiro do Egito, considerado um lugar sagrado pelos praticantes do Tambor de Mina. Conforme os relatos orais de seus praticantes, o surgimento do Terreiro remonta ao século XIX, quando para aquele lugar se deslocaram escravos fugidos que alí formaram um quilombo (Gedmma 2014).

31)  O Terreiro do Egito, segundo os relatos, deixou de funcionar regularmente desde os anos de 1970 (Ferretti 2015). Esporadicamente seus descendentes continuam a frequentar o local para prestarem homenagem aos guias espirituais e realizar obrigações e oferendas. Conforme entrevista de Pai Euclides da Casa Fanti-Ashanti, que foi iniciado no Terreiro do Egito, a origem deste terreiro remonta aos anos de 1860 e 1870. Também denominado de Ilê Nyame, foi fundado por Basília Sofia, uma negra, cujo nome privado era Massinoko Alapong, que veio de Cumassi, Costa do Ouro, hoje, Gana. Basília Sofia teria chegado ao Maranhão em 1864 e faleceu em 1911. A partir de 1912, o Terreiro ficou sob a responsabilidade de Mãe Pia, por cinquenta e cinco anos (Gedmma 2014).

32)  Percebido como um espaço sagrado a ser preservado, as lideranças da comunidade do Cajueiro procuraram os membros do GEDMMA (Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente) e do GPMINA (Grupo de Pesquisa “Religião e Cultura Popular), ambos coordenados por professores da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), solicitando reuniões para discutir a situação daquele território sagrado juntamente com os seus descendentes. Em 22 novembro de 2015 foi organizado um ato simbólico com leitura de uma Carta Aberta [24] exigindo a preservação do “território sagrado” e do Cajueiro como comunidade tradicional. Na ocasião, foi realizada uma caminhada da União de Moradores até o Terreiro do Egito culminando com o levantamento do mastro demarcando o território.

33)  A defesa dos espaços sagrados é um processo mais recente e alia-se às discussões ambientais. Em trechos da Carta Aberta “Pelo Terreiro do Egito e Território do Cajueiro”, elaborada em novembro de 2015, nota-se a junção da pauta ambiental e religiosa que se coloca como um novo componente na reivindicação territorial, pois, “A defesa [...] como lugar sagrado do Terreiro do Egito [...] associa-se a [...] luta pelo território do Cajueiro [...] que vêm sofrendo ameaças [...] de indústrias e empreendimentos portuários, ameaças pela poluição ambiental”.

34)  Tal reivindicação, entretanto, se desenvolve numa situação desafiadora considerando a presença de líderes de Igrejas evangélicas que mantém um relativo distanciamento para com as manifestações religiosas de matriz africana. Nas discussões sobre essa questão, as lideranças têm procurado buscar o que há de comum, na perspectiva de superar as diferenças internas em nome da uma unidade política em defesa do território.


35)  Em 2015 foi realizado um levantamento por pesquisadores do GEDMMA, do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Questões Agrárias – NERA (UFMA) e por lideranças das comunidades na área do entorno da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, partindo da solicitação feita pelos Promotores de Meio Ambiente do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público Estadual (MPE) no Maranhão. Como resultado, foi elaborado um Relatório apresentando aspectos relevantes sobre a existência de “assentamentos” de Terreiros de Mina, dentre estes os que se originaram do Terreiro do Egito [25]. O Relatório e a Carta Aberta suscitaram para as comunidades a discussão sobre a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que dispõe sobre o direito dos povos em decidir suas prioridades [26], bem como o Decreto presidencial 6.040 de 07 de fevereiro de 2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT.

36)  Na ação conjunta, os descendentes do Terreiro do Egito e as lideranças elaboraram a proposta de criação de uma Zona Religiosa (ZR) delimitada nos limites do espaço sagrado do Terreiro do Egito, e no Entorno da Resex Tauá Mirim, a Zona de Povos e Comunidades Tradicionais (ZPCT). Os desdobramentos dessa solicitação e da pressão exercida sobre o governo local têm sido de extrema importância para o debate sobre a cidade, entretanto, têm em contrapartida, a ação dos agentes econômicos e de seus interesses que articulados aos agentes de governos acabam por influenciar na tomada de decisão das agências do Estado.


37)  Reserva Extrativista (RESEX) é uma modalidade de unidade de conservação ambiental prevista no Sistema Nacional de Unidade de Unidade de Conservação (SNUC), conforme está instituído pela Lei nº. 9.985, de 18 de julho de 2000 (Brasil 2002).

38)  Em 2003 os moradores dos povoados de Taim, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Limoeiro e Porto Grande, por meio de um abaixo assinado, solicitaram ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) a criação da Resex na Zona Rural II de São Luís. Foi instaurado o processo de constituição da Resex (nº 02012.001265/2003-73, de 22 de agosto de 2003) e em 2006 foi realizada a audiência consultando os moradores da área. Em 2007 foram concluídos os laudos, constando que a área seria de 16.663,55 hectares, com perímetro aproximadamente de 71,21 km, na porção sudoeste da Ilha do Maranhão, incluindo as seguintes comunidades: Cajueiro, Limoeiro, Taim, Rio dos Cachorros, Porto Grande, parte da Vila Maranhão, Amapá, Embaubal, Portinho, Jacamim, Ilha Pequena, Tauá-Mirim (Ibama 2007).

39)  As lideranças do Taim recorreram a esta modalidade de unidade de conservação diretamente com o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sócio-biodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT) [27] e nesse processo de interlocução com este órgão, passaram a acionar a expressão “populações tradicionais” aparecendo como categoria de atribuição às famílias residentes na área da Resex de Tauá-Mirim (Gaspar 2009, 117). Posteriormente a esse processo da tramitação foram feitas algumas visitas técnicas do órgão visando novos ajustes do mapa da área.

40)  No dia 17 de maio de 2015, as lideranças apoiadas por movimentos sociais, realizaram uma assembleia popular na comunidade do Taim, declarando criada a Resex. Tal decisão foi também estimulada por discussões entre lideranças indígenas, quilombolas, pescadores e agricultores reunidos nos dois dias anteriores. Na mesma ocasião, foi constituído o Conselho Gestor da Resex composto por representantes das comunidades e de movimentos sociais.

41)  O ato de criação da Resex se constituiu num marco político importante pelo fato de que foi resultado de um longo processo de mobilização das organizações e lideranças locais que iniciou nos anos de 1990, retomado em 2004 com a ameaça de deslocamento pela instalação do polo siderúrgico e, posteriormente, com a mobilização do Cajueiro em 2015. A luta pela garantia do território, entretanto, tem sido diversificada considerando as mudanças do cenário desenvolvimentista. Além da pauta da Resex, o Conselho Gestor tem discutido novos elementos da identidade local, como é o caso de alguns grupos que se reivindicam remanescentes de quilombos, sem, no entanto, mudar o foco da luta política pela instalação da unidade de conservação na modalidade de Reserva Extrativista.

42)  Paralelo ao ato de criação da Resex, as lideranças têm discutido um Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre Território Pesqueiro para a área das comunidades. Para o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais, as Unidades de Conservação da Natureza são importantes para impedir que áreas sejam destruídas, a exemplo da proposta da Resex, entretanto, “[...] nem sempre assegura corretamente o respeito à natureza e a manutenção dos modos de ser e de viver dos povos e de comunidades tradicionais que habitam os ambientes onde esta forma de gestão é implementada” [28]

43)  A diversificação nas formas de reivindicação, como tem sido discutida no âmbito do movimento de resistência, reflete as diferentes estratégias de enfrentamento não somente das comunidades às forças de agentes econômicos politicamente mais fortes, mas também, pelo interesse de se discutir qual o projeto de cidade que está em questão, ou seja, quais os agentes e interesses que representam os diferentes projetos de cidade, a qualidade de vida, a saúde pública, a questão da água e de seu racionamento, a mobilidade urbana, o problema da poluição e destruição de áreas verdes e a expansão do mercado imobiliário, etc.


44)  A resistência do Cajueiro em 2014 e 2015, inclusive a reivindicação do território sagrado Terreiro do Egito e, posteriormente, a retomada da pauta da Resex de Tauá-Mirim em maio de 2015 desaguaram na formação de um novo movimento entre 2015 e 2016, o Movimento em Defesa da Ilha. Esta denominação, conforme seus integrantes, remonta à memória da luta de resistência dos anos de 1980 do Comitê de Defesa da Ilha contra a instalação de indústrias poluentes na ilha, na época, apelidadas de “Besta Fera” (Alves 2014).

45)  Em reuniões e audiências, os membros do movimento têm alertado para os interesses de grupos econômicos internacionais articulados com empresários regionais e órgãos dos governos em “transformar São Luís em uma cidade portuária”. O MDI surgiu no processo de discussão sobre a situação das comunidades rurais, especificamente, a partir de coletivos que se formaram na resistência do Cajueiro articulada com o debate mais amplo sobre o Plano Diretor de São Luís e as políticas de planejamento e zoneamento urbano da cidade previsto no Estatuto da Cidade29. Este movimento, tal como o Movimento Reage São Luís, distinguindo-se dos movimentos ligados à organização racional da classe trabalhadora que prevaleceu até os anos de 1960 (Doimo 1995), pode ser caracterizado muito mais pelo caráter transclassista de sua base social, permitindo maior aproximação com os “novos movimentos sociais” (Alonso 2009). Suas pautas reivindicativas estão conectadas aos conflitos socioambientais produzidos pela expansão do capital sobre os espaços públicos urbanos e suas repercussões sobre a política de zoneamento da cidade de São Luís e sobre os territórios tradicionais (Alves 014).

46)  Considerando os diferentes agentes e seus respectivos interesses no âmbito da política de zoneamento urbano, o MDI questiona a atual proposta de zoneamento urbano, uma vez que teria como uma das prioridades a permissão para aumentar a altura dos prédios e, consequentemente, o número de andares em detrimento de outras questões de interese coletivo, tais como, a mobilidade urbana. O MDI tem denunciado também a atuação empresarial no Conselho da Cidade, o CONCID, quanto às pressões que este setor faz para alterar a Lei Municipal em favor de seus interesses privados. Recorrentemente o MDI aponta que a discussão sobre a cidade e o destino das áreas rurais que têm sido objeto de disputa, não pode ser isolada da discussão sobre o processo de expansão dos grandes projetos de desenvolvimento.

47)  A expansão da atividade de mineração da Companhia Vale na Amazônia Oriental com a abertura de uma nova mina e de uma nova planta de beneficiamento na Floresta Nacional de Carajás (Flona) têm produzido sérios riscos aos grupos sociais e seus territórios que são atravessados pela Estrada de Ferro Carajás-Itaqui. A EFC da Companhia Vale, em processo de duplicação, atualmente atinge 27 municípios, 28 unidades de conservação e abrange 86 comunidades quilombolas. De um lado, se contabiliza um enorme crescimento e incremento na capacidade de produção e de escoamento de ferro e de outras cadeias vinculadas, pois, a mineração é um dos carros-chefe em termos do Produto Interno Bruto (PIB) do país, por outro, os conflitos são potencializados, bem como os direitos destes grupos sociais têm sido continuamente violados (Dhesca 2013). Nesse quadro, os conflitos deflagrados na cidade de São Luís, onde está localizado o Complexo Portuário, assim como os problemas das comunidades de seu entorno, são, portanto, percebidos como reflexos de um projeto maior de grandes interesses econômicos, cujo objetivo é transformar São Luís em uma cidade portuária. Este projeto mais amplo, entretanto, tem em contrapartida a resistência de movimentos, entidades e diversos coletivos que hoje agregam o MDI.

48)  Como sugere Olivier de Sardan (1997, 173) em seus estudos em contextos rurais na África, [...] le développement est clairement um lieu d`affrontement “politique” [...]. […] confrontation de logiques sociales variées […]. Nesta abordagem acerca dos projetos de desenvolvimento vale assinalar a dimensão do confronto. Nas experiências aqui tratadas é, sobretudo, a partir dos processos conflitivos que os grupos sociais e os indivíduos passam a se identificar pelo “sentimento de pertencimento” na luta política. Quer dizer, a confrontação produzida é geradora de mobilização política. De certa forma, as experiências de resistência irrompem com a tradição oligárquica e patrimonialista (Gohn 1995) e se constituem como forças políticas que não somente questionam a forma de atuação do Estado, mas também produzem respostas institucionais do Estado. Dizer que os grupos sociais não são apenas “correias de transmissão” para usar a metáfora de Olivier de Sardan (1997), significa dizer que, no confronto são produzidas percepções críticas que problematizam publicamente as políticas de desenvolvimento e a ação de seus agentes - públicos e privados.


[CAP. III: NOTAS LATERAIS AO TEXTO]

24 Carta Aberta Intitulada “Pelo Terreiro do Egito e Território do Cajueiro”, elaborada por descendent (...)

25 Relatório Sucinto de Levantamento de Comunidades Tradicionais no Entorno da Reserva Extrativista de (...)


27 O Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sócio-biodiversidade Associada a Povos e Comunidades (...)

28 Cartilha: Projeto de Lei de Iniciativa Popular Sobre Território Pesqueiro. Movimento dos Pescadores (...)

29 LEI 10.257/2001 - “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público mun (...)



49) A compreensão sociológica das experiências dos movimentos de resistência analisadas é desafiadora. Os formatos organizativos dos movimentos sociais despertam para novos olhares da pesquisa sociológica contemporânea, considerando suas agendas e pautas, suas identidades, suas motivações e suas dinâmicas. A problematização das lógicas hegemônicas e a desnaturalização do modelo de desenvolvimento pautado exclusivamente no mercado, inclui repertórios, atores e estratégias diversificados. A concepção e a percepção de “tradição” constitutivas dos movimentos de resistência, não se referem, portanto, a uma visão essencializada e/ou romantizada de “Povos Tradicionais”. Mas como sujeitos históricos que lutam pelo seu reconhecimento e por direitos, formando alianças e coalizões com redes de movimentos sociais e com coletivos de identidades políticas e socioculturais variadas.

50) Alguns aspectos são comuns entre as lutas de resistências dos anos de 1980, de 2004 e 2005 e a continuidade entre 2014 e 2016. Todas foram protagonizadas inicialmente por comunidades rurais da grande ilha. Respectivamente, Igaraú (década de 1980), Taim e Rio dos Cachorros (2004 e 2005) e Cajueiro (2014 e 2016). Da mesma forma, as lutas se constituem comumente nos enfrentamentos aos projetos de desenvolvimento, representados por grandes corporações internacionais e nacionais. Estes atores e suas formas de ação coletiva em várias regiões do Brasil, resguardando-se suas singularidades regionais e históricas de suas lutas, têm buscado por meio da política outros sentidos da vida, da produção e reprodução social e mesmo de um novo sentido, por assim dizer de “comunidade” e de territorialidade. Revelam a importância do “lugar”, saberes, práticas e memórias coletivas que ao serem acionados indicam possibilidades de rupturas aos projetos hegemônicos e de construção de novas experiências sociais.

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NOTAS
1 Amazônia brasileira compõe – se de 9 Estados: Acre, Rondônia, Amazonas, Pará, Mato Grosso, Roraima, Amapá, Tocantins e parte do Oeste do Maranhão.
2 Cunha e Almeida (2001,  92) referem – se a essa categoria destacando as seguintes características: “grupos que fazem uso de técnicas ambientais de baixo impacto; formas equitativas de organização social; presença de instituições com legitimidade para fazer cumprir suas leis; e, por fim, traços culturais que são seletivamente reafirmados e reelaborados”. Estes grupos sociais podem ser identificados pela distinção de seus modos de vida, incluindo populações que se ocupam de extrativismo, pesca artesanal, comunidades de fundo de pasto, assim como outras categorias como pomeranos, ciganos, geraizeiros, vazanteiros, piaçabeiros e pantaneiros. A expressão “populações tradicionais” surgiu no seio dos movimentos sociais e de debates acadêmicos, ganhado relevância política a partir dos anos de 1990 e atribuída àqueles segmentos sociais acima mencionados em função de sua apropriação dos recursos naturais sem grandes impactos ao ambiente. O termo tem sido recorrentemente apropriado pelos movimentos sociais e, especificamente, os grupos sociais que lutam pelo direito ao território, acionando os saberes locais e a memória coletiva.
3 A Amazônia Oriental é composta pelos Estados do Pará, Amapá, Tocantins e parte do Estado de Mato Grosso e parte do Oeste do Maranhão.
4 O Projeto Grande Carajás (PGC) foi um programa de desenvolvimento econômico concebido e implementado no decorrer da década de 1970 que se estendeu em toda a Amazônia oriental, com importantes investimentos para extração de minerais para exportação e para as atividades industriais correlatas, incluindo também atividades agropecuárias e florestais. Foi institucionalizado pelo Presidente da República, João Figueiredo, através Decreto Lei 1813, de 24 de novembro de 1980 (Hall 1989).
5 O Complexo Portuário de São Luís está localizado na baía de São Marcos, a 11 km do centro de São Luís, capital do Maranhão. É formado por três portos: Porto de Itaqui (administrado pela estatal estadual Empresa Maranhense de Administração Portuária – EMAP), Ponta da Madeira (pertencente à Cia. Vale) e Porto da Alumar (pertencente ao Consórcio de Alumínio do Maranhão, formado pelas empresas Alcoa, BHP Billiton e Rio Tinto Alcan) (Alves 2014).
6 Ilha do Maranhão é o nome oficial da ilha onde se situa o município de São Luís. É também chamada de Upaon-Açú (Ilha Grande), nome que foi designado pelos povos indígenas antes do período colonial. A Ilha do Maranhão é constituída por um arquipélago com mais de cinquenta ilhas com variadas origens e dimensões. A maior delas é a Ilha de São Luís, onde se localiza a capital do Maranhão. Na Ilha do Maranhão estão localizados os municípios de São Luís, Raposa, Paço do Lumiar e São José de Ribamar (Maranhão 2004).
7 O Consórcio de Alumínio do Maranhão (ALUMAR) atua na produção de alumínio primário e alumina. Chegou ao Maranhão em 1980, denominada inicialmente de Alcoa Alumínio S.A. (Aluminum Company of America). A fábrica foi inaugurada em Julho de 1984 e atualmente o consórcio é formado pela Alcoa, BHP Billiton e Rio Tinto Alcan. Disponível em: <http://www.alumar.com.br
8 A Companhia Vale é uma empresa brasileira privada de capital aberto desde 1997 quando foi privatizada. É a maior produtora de minério de ferro do mundo e a segunda maior de níquel, produzindo também cobre, carvão, manganês, ferro-ligas, fertilizantes, cobalto e metais do grupo da platina. Atua também no setor de Logística, Siderurgia, Energia e Fertilizantes. Está presente em 37 países, possui acionistas distribuídos em todos os continentes e tem ações nas bolsas de São Paulo, Nova  York, Hong Kong, Paris e Madrid. Até 2008 era denominada Companhia Vale do Rio Doce quando passou a usar o nome Vale; é a maior empresa do Brasil em volume de exportações. Foi criada em 1942, no governo Getúlio Vargas. Disponível em: <http://www.alumar.com.br>
9 Usina Termoelétrica Porto do Itaqui foi instalada em 2009 e iniciou suas operações em 2012. Inicialmente pertenceu à empresa MPX Mineração e Energia Ltda e em 2013, a Termelétrica foi comprada pela Companhia ENEVA S.A que atua nas áreas de geração e comercialização de energia elétrica, com negócios complementares em exploração e produção de gás natural. Disponível em: <http://www.eneva.com.br/>
10 Conforme Magalhães (2007, 14), “deslocamento compulsório” designa “o processo pelo qual determinados grupos sociais, em circunstâncias sobre as quais não dispõem de poder de deliberação, são obrigados a deixar ou a transferir-se de suas casas e/ou de suas terras. Há, portanto, um conteúdo de cerceamento do poder decisório no interior do próprio grupo social, advindo de uma intervenção externa”. Almeida (1996, 30), também define “deslocamento compulsório” como “o conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos, segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter os efeitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos”.
11 As Comunidades Eclesiais de Base foram criadas pelos setores progressistas da Igreja Católica entre os anos de 1960 e 1970. Impulsionaram decididamente a participação de “leigos” e de pessoas de setores marginalizados da sociedade brasileira na vida política. A atuação das CEBs, comungando com as orientações da Teologia da Libertação e com o método do educador Paulo Freire, considera “o povo como sujeito de sua própria história” e constitui um sentido de comunidade protagonizado pela organização de base por meio da educação popular (Doimo 1995).
12 Conforme levantamento realizado em estudos do Governo do Maranhão em 2004, a comunidade do Taim ocupava uma área de 86,01 ha, estimando-se a existência de cerca de 100 imóveis, 72 famílias e 302 habitantes; a comunidade do Rio dos Cachorros ocupava uma área aproximada de 393,60 ha e cerca de 150 domicílios; a comunidade de Cajueiro apresentava cerca de 610 ha, sendo identificados 565 domicílios (Maranhão 2004).
13 Disponível em:
14 Casa de Mina ou Tambor de Mina é a designação popular, no Maranhão, para o local e para o culto de origem africana que em outras regiões do país recebe denominações como candomblé, xangô, batuque, macumba, etc. É o nome de uma das religiões afro-brasileiras desenvolvida por antigos escravos africanos e seus descendentes. Entre outros aspectos, pode ser caracterizada como religião de transe ou possessão, em que entidades sobrenaturais são cultuadas e invocadas, incorporando-se em participantes, principalmente mulheres, sobretudo por ocasião de festas, com cânticos e danças, executados ao som de tambores e outros instrumentos. Daí o termo tambor, pelo qual também são designados tais cultos (Ferretti 1996, 11).
15 A UNMP foi criada em 1989 e consolidou-se a partir do processo de coletas de assinaturas para o primeiro Projeto de Lei de Iniciativa Popular que criou o Sistema, o Fundo e o Conselho Nacional por Moradia Popular no Brasil (Lei 11.124/05). Sua forma de organização tem uma forte influência da metodologia das Comunidades Eclesiais de Base. Atua nas regiões metropolitanas e se articula regionalmente nos principais polos dos estados. Disponível em:
16 A Central de Movimentos Populares é uma organização nacional que surgiu em 1993. Resultou de Encontros, Congressos e Fóruns organizados desde 1989, reunindo militantes do Partido dos Trabalhadores e líderes sindicais ligados a Central Única dos Trabalhadores – CUT (Gohn 1995).
17 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) é uma entidade ligada a Igreja Católica criada em 1975, durante o Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Surgiu como resposta à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas ao trabalho escravo e expulsos das terras que ocupavam. Disponível em: <http://www.cptnacional.org.br/index.php/sobre-nos/historico>
18 Escritura Pública de Condomínio de 1998 – fotocópia de documento registrado no Cartório Alvimar Braúna, 4º Ofício de Notas – R. Aracajú, 103, João Paulo – São Luís – MA.
19 Notas da assessoria jurídica da Comissão Pastoral da Terra – CPT 2014.
20 Ibdem.
21 Decreto nº 30.610, de 30.12.2014.
24 Carta Aberta Intitulada “Pelo Terreiro do Egito e Território do Cajueiro”, elaborada por descendentes do Terreiro do Egito, por moradores do Cajueiro e por pesquisadores dos Grupos de Estudos da UFMA – GEDMMA e GPMINA em 22 de novembro de 2015.
25 Relatório Sucinto de Levantamento de Comunidades Tradicionais no Entorno da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, elaborado em 2015 pelo GEDMMA e pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa em Questões Agrárias – NERA, ambos da UFMA.
27 O Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sócio-biodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT) é um órgão ligado ao Instituto Chico Mendes, que tem como objetivos: promover pesquisa científica em manejo e conservação de ambientes e territórios utilizados por povos e comunidades tradicionais, seus conhecimentos, modos de vida e de organização social, além de formas de gestão dos recursos naturais, em apoio ao manejo das Unidades de Conservação federais. Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br/cnpt>
28 Cartilha: Projeto de Lei de Iniciativa Popular Sobre Território Pesqueiro. Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, s/d.
29 LEI 10.257/2001 - “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>

PARA CITAR ESTE ARTIGO
Referência eletrónica
Elio de Jesus Pantoja Alves, « Modos de vida, territórios e uma cidade em questão: resistências políticas de comunidades rurais no município de São Luís – Maranhão, Brasil », L'Ordinaire des Amériques [Online], 221 | 2016, posto online no dia 18 novembro 2016, consultado o 24 janeiro 2020. URL : http://journals.openedition.org/orda/3178 ; DOI : 10.4000/orda.3178

Autor
Universidade Federal do Maranhão, Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente UFMA/GEDMMA.

Direitos de autor
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