COMO O REINO UNIDO* CONSEGUIU FICAR ATÉ 2009 SEM UMA SUPREMA CORTE
[24mar2019]
(*) Nome
oficial: Reino Unido da Grã-Bretanha (Inglaterra, País de Gales, Escócia) e
Irlanda do Norte.
(**) O Reino
Unido não tem Constituição escrita, como os Estados Unidos e o Brasil. O
Direito baseia-se na tradição, na chamada jurisprudência, ou seja, nas decisões
anteriores dos tribunais e não em atos determinados pelo Legislativo ou pelo
Executivo.
Fonte: BBC News Brasil em Londres;
Fernanda Odilla; 24 março 2019
Acesso RAS 2019-04-03
|
O Reino Unido acumula séculos de história,
mas foi uma das últimas democracias estáveis a criar a mais alta corte de
Justiça separada do Legislativo e do Executivo.
|
[1. AS CORTES SUPREMAS]
A
insatisfação de muitos brasileiros com decisões recentes do STF (Supremo Tribunal Federal), entre
elas a de transferir para a Justiça Eleitoral casos de corrupção como alguns
dos crimes investigados pela Lava
Jato, levou centenas de pessoas às ruas e tem motivado postagens e
mensagens cada vez mais frequentes contra a Corte e seus integrantes.
Ministros
passaram a ser acusados nas redes sociais de favorecerem a impunidade e de
serem corruptos. O Supremo reagiu
abrindo uma investigação para punir quem está espalhando notícias falsas ou
postando mensagens de ódio contra os ministros - e mandados de busca e
apreensão foram cumpridos em São Paulo e Alagoas para recolher computadores e
retirar perfis do ar.
A iniciativa
do STF acirrou ainda mais os ânimos e passou a motivar pedidos mais extremos,
como o de extinção total da Corte Suprema, trazendo à tona a questão: é
possível uma democracia sem um tribunal constitucional superior, independente
dos poderes Legislativo e Executivo?
"Desconheço
democracias sérias que não tenham um tribunal constitucional ou uma suprema
corte", afirma o
professor NIKOLAY BISPO,
coordenador-executivo do Núcleo de Justiça e Constituição da FGV Direito SP,
explicando que há dois modelos básicos de cortes supremas e muitas variações
mundo afora.
No caso
brasileiro, a Suprema Corte acumula as funções de atestar a consitucionalidade
das leis e ser a última instância recursal, não cabendo, portanto, a aplicação
de recursos a nenhuma outra instância jurídica - além de atuar como tribunal
penal para políticos com foro privilegiado.
[2] CASO BRASILEIRO [TRIBUNAIS
SUPERIORES]
No Brasil, o
Supremo é uma instância superior
extraordinária; suas decisões finais não podem ser recorridas a nenhum outro
órgão.
Além do STF são tribunais
superiores:
I.
Superior Tribunal de Justiça
(STJ),
II.
Tribunal Superior do Trabalho
(TST),
III.
Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
e
IV.
Superior Tribunal Militar (STM).
Eles
representam a terceira e última instância do Poder Judiciário, atuando em
recursos que se iniciam no próprio tribunal ou revendo decisões tomadas nos
tribunais estaduais e TRFs (Tribunais
Regionais Federais).
Todos os juízes que atuam nos
tribunais superiores são chamados de Ministros e são nomeados pelo presidente
da República e aprovados pelo Senado.
Apesar dos
diferentes modelos adotados pelo mundo, o professor de Direito Constitucional
da PUC-SP LUIZ GUILHERME ARCARO CONCI
ressalta que as cortes supremas existem para assegurar a separação e o
equilíbrio dos poderes, controlar excessos e defender direitos fundamentais de
minorias. Por isso, diz o professor, são fundamentais em qualquer democracia
saudável.
Mas Conci
lembra que, apesar dos séculos de história, o Reino Unido foi uma das últimas
democracias estáveis a criar a mais alta corte de Justiça separada do
Legislativo e do Executivo.
[3] [REINO UNIDO] SEM SUPREMA
CORTE ATÉ 2009
|
Quando surge uma vaga no Supremo do Reino Unido, é constituída
uma comissão independente de seleção do novo juiz
|
Em toda
história da Inglaterra, o Parlamento britânico foi sempre o responsável por
colocar fim aos processos judiciais. Em 1399, a Câmara dos Comuns (a câmara
baixa do Parlamento) delegou à Câmara dos Lordes a tarefa de julgar as
principais causas do país em última instância.
E, assim,
por 610 anos os conflitos, em última instância, eram decididos pelo Comitê de
Apelações da Câmara dos Lordes. Algo como se o Senado brasileiro tivesse uma
comissão especial para julgar recursos e apelações.
[4] [REINO UNIDO] SEM SEM
CONSTITUIÇÃO ESCRITA
Mas o Reino Unido não tem Constituição escrita,
como os Estados Unidos e o Brasil. O Direito baseia-se na tradição, na chamada
jurisprudência, ou seja, nas decisões anteriores dos tribunais e não em atos
determinados pelo Legislativo ou pelo Executivo.
"A
experiência do parlamentarismo britânico distancia-se do presidencialismo
brasileiro, que se inspirou na experiência dos EUA. No Reino Unido, a ideia de
soberania do parlamento sempre foi dominante, e o modelo de freios e
contrapesos da separação de poderes nos termos do presidencialismo
estadunidense não encontra ressonância", avalia MARCELO NEVES, professor titular de Direito Público da UnB
(Universidade de Brasília).
Durante
muito tempo, o Comitê de Apelações da Câmara dos Lordes pouco decidiu. Foram,
segundo o jornal britânico The Guardian, apenas cinco casos entre 1514 e 1589,
e mais nenhum até 1621.
Um caso
célebre de intervenção da Câmara dos Lordes como instância judiciária suprema
começou em setembro de 1998 na detenção do general chileno AUGUSTO PINOCHET em Londres.
O
ex-presidente chileno tinha ido à capital britânica para se submeter a uma
cirurgia quando foi surpreendido pelo pedido de sua prisão encaminhado pelo
juiz espanhol BALTASAR GARZON. Pinochet
era acusado de uma série de violações de direitos humanos, incluindo a
responsabilidade pela morte, tortura e desaparecimento de milhares de pessoas
durante o tempo em que permaneceu no poder no Chile, de 1972 a 1990.
A High Court
britânica indeferiu inicialmente o pedido de prisão alegando que PINOCHET gozava de foro privilegiado
por ter sido chefe de Estado. Após a decisão do tribunal superior, foi a Câmara
dos Lordes (a câmara alta do Legislativo britânico) que interveio para
contestar a decisão da High Court e acatar o pedido de prisão. PINOCHET permaneceu em prisão
domiciliar em Londres enquanto o Judiciário britânico analisava o pedido de
extradição impetrado pelo juiz espanhol.
O imbróglio
só foi resolvido no começo do ano 2000, quando o então Ministro do Interior e
da Justiça, JACK STRAW, acatou a
alegação da defesa do general com base em exames médicos que mostraram a
"deterioração acelerada de seu estado de saúde". O general pode então
retornar ao Chile, após ter ficado detido por mais de um ano.
[5] CRIAÇÃO DA SUPREMA CORTE [NO
REINO UNIDO]
Partiu de um
lorde a recomendação de se criar uma corte de apelação que fosse independente
do Parlamento. O jurista THOMAS HENRY
BINGHAM, o Barão de Bingham, instou o governo e sofreu pressões dos
colegas.
Mas, com o
apoio da mídia, prevaleceu a vontade do lorde. A SUPREMA CORTE DO REINO UNIDO, independente do Legislativo e
Executivo, foi criada em 2005, mas só foi instalada quatro anos depois num
prédio em frente ao Parlamento e ao lado da Abadia de Westminster, em Londres.
A própria
Suprema Corte informa, em seu site, que foi criada para alcançar a completa
separação dos poderes e aumentar a transparência no topo do Judiciário. Câmeras
discretas filmam as sessões e as decisões são atualizadas no site da
instituição.
Mas o
professor de direito do King's College
London, JAMES GRANT, classifica
a mudança como apenas simbólica.
"O
estabelecimento da Suprema Corte em 2009 não foi uma mudança significativa na
Constituição do Reino Unido", afirma GRANT.
"Ela
substituiu o Comitê de Apelação da Câmara dos Lordes como a mais alta corte do
país, porque os arranjos anteriores foram considerados inconsistentes com o
princípio político conhecido como separação de poderes, que exige poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário separados", explica o professor.
Segundo GRANT, o problema de independência
entre os poderes era mais aparente que real. "Não mudou muito com o
estabelecimento do Supremo Tribunal, que tem os mesmos poderes que o Comitê de
Apelação da Câmara dos Lordes", avalia.
|
O COMITÊ DE APELAÇÕES DA CÂMARA DOS LORDES fez seu último
julgamento em julho de 2009, ano em que a Suprema Corte do Reino Unido foi
instalada para separar os poderes
|
Os doze
lordes do Comitê de Apelações foram os primeiros juízes da Suprema Corte e
ficaram impedidos de votar na Câmara dos Lordes. Quando se aposentam da Suprema
Corte, podem retornar à Câmara dos Lordes como membros plenos. Já os juízes
recém-nomeados não têm assento na câmara superior do Parlamento.
Quando surge
uma vaga, é constituída uma comissão independente de seleção, composta por
representantes das diferentes jurisdições jurídicas do Reino Unido (Inglaterra,
País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte).
Os
postulantes precisam ter sido juiz de algum tribunal superior por dois anos ou
advogado com pelo menos 15 anos de experiência. Uma vez escolhido um novo juiz,
eles são formalmente nomeados pela rainha, por indicação do primeiro-ministro.
[6] SEM PODERES SUPREMOS
O professor
britânico JAMES GRANT explica que a
Suprema Corte do Reino Unido não tem amplos poderes. Não pode, por exemplo,
invalidar leis que são consideradas incompatíveis com a Constituição ou
derrubar decisões do Parlamento, como acontece no Brasil e nos EUA.
Para GRANT, o que todos os países precisam é
de uma corte final para avaliar recursos e, segundo o professor, isso deve ser
feito por um Judiciário independente.
"Isso é
muito diferente da afirmação, que é mais polêmica, de que todos os países
precisam de um tribunal com o poder de invalidar estatutos e tomar decisões
sobre a Constituição que não podem ser anuladas pelo processo legislativo
ordinário", afirma GRANT.
|
O
professor britânico JAMES GRANT defende
que todos os países tenham uma corte final para recursos
|
Diferentemente
do Reino Unido, o Supremo [STF] brasileiro acumula três funções. Além de lidar com
questões constitucionais (ou seja, determinar se leis, normas, atos e decisões
das diversas instituições estão em acordo com a Constituição) e de ser última
instância da Justiça (fazer análise de recursos), também tem atuado como um tribunal
penal para políticos com foro privilegiado - competência que a Corte americana,
por exemplo, não tem.
Para a ADRIANA ROCHA COUTINHO, professora de
direito constitucional da UNICAP, o Supremo brasileiro "talvez carregue
nas costas funções demais".
O professor LUIZ GUILHERME ARCARO CONCI lembra que
foi a Constituição de 1988 que "empoderou" o STF e também o
Ministério Público. Ele assinala que cada país, incluindo o Brasil, encontrou
uma fórmula distinta para o funcionamento de sua corte superior, que segue não
apenas a Constituição mas também suas normas sociais e arranjos políticos.
"É
comum fazer transplantes. A Espanha copiou a Alemanha, o Brasil segue o modelo
americano. Mas os sistemas vão se adequando a cada Estado, os países customizam
seus sistemas de acordo com a própria realidade", observa ARCARO CONCI.
[7] [MOVIMENTO] 'FORA, SUPREMO'
Apesar de
serem categóricos em dizer que um país como o Brasil não conseguiria viver sem
uma corte suprema, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o STF
não está imune a críticas nem a mudanças.
Os
professores ADRIANA ROCHA COUTINHO, LUIZ GUILHERME ARCARO CONCI e NIKOLAY BISPO assinalam que muitas das
críticas ao STF são legítimas. Destacam como problemas o poder individual dos
ministros de segurar por anos julgamentos, certas decisões monocráticas que
deveriam ser colegiadas, a grande quantidade de processos em tramitação e
manifestações controversas dos membros da corte na mídia.
"A
instituição tem gargalos, pode melhorar", diz BISPO. "Mas nada disso justifica a implosão do STF como alguns
defendem", completa ADRIANA COUTINHO,
dizendo que é possível pensar em mudanças para separar as competências
recursais da competência de ser um tribunal que faz o controle das leis.
|
WILSON DIAS / AGÊNCIA
BRASIL Protestos pró-Lava Jato e contra o Supremo se repetem desde 2015
|
Autor de um
estudo em que compara como funcionam as indicações para as cortes supremas em
diferentes países do mundo, o consultor do Senado ROBERTO DA SILVA RIBEIRO salienta que, além de repensar a forma de
escolher os membros do STF, é preciso aprimorar o controle das atividades dos
ministros.
"Vejo a
necessidade de fazer ajustes para evitar abusos", diz RIBEIRO. Ele sugere estabelecer critérios como experiência em
cortes ou longa carreira na advocacia, definir a temporariedade do mandato -
hoje, a indicação para o STF é feita pelo presidente da República,
tradicionalmente a partir de nomes sugeridos por um grupo de juízes; o cargo é
vitalício até a aposentadoria compulsória aos 75 anos - e estabelecer
mecanismos de accountability uma vez que são os ministros que se
autocontrolam.
"As
funções do Supremo são necessárias para o regime democrático. Se for extinto
hoje, teria que criar outro órgão para exercer as mesmas funções. Vai colocar o
que no lugar?", questiona ROBERTO RIBEIRO,
emendando que o modelo inglês é muito peculiar por causa da força do Parlamento
e da ausência de uma Constituição escrita. Mesmo assim, diz RIBEIRO, o Reino Unido precisou se
adequar a uma tendência de separar os poderes e lhes garantir independência
para evitar abusos aoi criar a Suprema Corte em 2005.
O professor MARCELO NEVES, da UnB, é categórico em
dizer que "não tem sentido a extinção do STF, pois isso significaria a
imposição de um regime autoritário".
"E,
embora os ministros do STF não estejam imunes a investigações de suas eventuais
condutas ilícitas, isso não pode ocorrer em um modelo de 'caça às bruxas', como
propõe setores de extrema direita, com apoio até de filho do presidente da
República. Eu critico as práticas dos ministros do STF, mas defendo a
instituição", afirma, lembrando a frase dita pelo deputado federal EDUARDO BOLSONARO que afirmou serem
necessários apenas "um cabo e um soldado para fechar o STF".
EDUARDO BOLSONARO deu a declaração durante uma
palestra, gravada em vídeo, em julho de 2018 para concurseiros no Paraná. Em
nota, o deputado disse que a fala foi brincadeira e negou a intenção de fechar
o Supremo.
[fim da matéria]
*********************************
AVISO AOS NAVEGANTES! Internet civilizada:
NOTAS DO EDITOR do Blog Ronald.Arquiteto e do Facebook
Ronald Almeida Silva:
[1] As palavras e
números entre [colchetes]; os destaques sublinhados, em negrito e
amarelo
bem como nomes próprios em CAIXA ALTA
e a numeração de parágrafos – se
presentes nos textos ora publicados - NÃO CONSTAM da edição original
deste documento (mensagem, artigo; pesquisa; monografia; dissertação; tese ou
reportagem). Os
mencionados adendos ortográficos foram acrescidos meramente com intuito
pedagógico de facilitar a leitura, a compreensão e a captação mnemônica dos
fatos mais relevantes da mensagem por um espectro mais amplo de leitores de
diferentes formações, sem prejuízo do conteúdo cujo texto está transcrito na
íntegra, conforme a versão original.
[2] O Blog Ronald Arquiteto e o Facebook RAS são mídias independentes e 100% sem fins
lucrativos pecuniários. Não tem anunciantes, apoiadores, patrocinadores e
nem intermediários. Todas as
publicações de textos e imagens são feitas de boa-fé, respeitando-se as
autorias e respectivos direitos autorais, sempre com base no espírito e nexo
inerentes à legislação brasileira, em especial à LEI-LAI – Lei de Acesso à Informação nº 12.257, de 18nov2011. O gestor das mídias RAS nunca teve e não tem filiação
partidária e nem exerce qualquer tipo de militância político-partidária.
[3] A eventual republicação de
matérias de sites e blogs que vedam a retransmissão de suas publicações deve
ser considerada como ato proativo não doloso de desobediência civil (tipo Soft
Wikileak) em favor da Transparência Total e da Melhor Democracia na comunicação
privada e pública, no espírito e com base na LEI-LAI, visando apenas ampliar o
universo de internautas que buscam informações gratuitas na rede mundial.
[4]
Para usuários de correio eletrônico - e-mail, Facebook e blog: O Emitente desta mensagem é
responsável pelas opiniões de sua autoria, mas não se responsabiliza pelo
conteúdo elaborado por terceiros, embora tenha agido com zelo e descortino na
seleção de textos e imagens que reproduz nas mídias citadas, evitando propagar
fakes e informações injuriosas ou ilegais. Cabe ao Destinatário cuidar quanto
ao tratamento e destino adequados da mensagem recebida, respeitando sempre as normas
do marco regulatório brasileiro da internet. Caso a pessoa que recebeu esta
mensagem não seja o Destinatário de fato da mesma, solicitamos devolvê-la ao
Remetente e apagá-la posteriormente. Agradecemos a compreensão e a colaboração
de todos quanto ao uso correto, ético e civilizado das mensagens e documentos
tramitados por meios eletrônicos.
RONALD DE ALMEIDA SILVA
Rio
de Janeiro, RJ, 02jun1947; reside em São Luís, MA, Brasil desde 1976.
Arquiteto
Urbanista FAU-UFRJ 1969-1972.
Especialização
em Desenho Urbano e Planejamento Regional (Universidade de Edimburgo, Escócia,
1981-83).
Registro
profissional (1972-2012 = 40 anos) CREA-RJ 21.900-D
Registro
profissional (2013 em diante) CAU-BR A.107.150-5
e-mail: ronald.arquiteto@gmail.com
Blog Ronald.Arquiteto (ronalddealmeidasilva.blogspot.com)
Facebook ronaldealmeida.silva.1
Nenhum comentário:
Postar um comentário