Os
caminhos das Minas Gerais, todos levam ao mar.
É
o grande paradoxo de uma terra de morraria sem litoral que espia sobre o ombro
alheio as marés atlânticas. E nessa metáfora navega uma singular embarcação que
tem ao leme um singular timoneiro. Jovem ainda, esse marinheiro pescador de
cores e paisagens marinhas sentiu que na Rua
Halfeld, a principal de Juiz de Fora,
já não cabia mais a aspiração fremente de ter o mar. Partiu então.
Deu
início a sua particular navegação de
cabotagem, como fez o velho lobo do mar das letras, Jorge Amado. O mineiro ávido de mar levou sua canoa de sonhos pro
Rio de Janeiro. Com os pés mergulhados na areia macia e os olhos no horizonte
infinito, sentia-se enebriado pelo cheiro agridoce de uma maresia pura que
aspirava nas suaves madrugadas de Copacabana, na cidade maravilhosa, num Rio nem tão antigo, mas ainda pleno de paz e amor, tal e qual na bela canção
de Nonato Buzar e Chico Anísio.
Como
um nadador dos sete mares, lutou bravamente pra não se afogar na paixão pelas
artes plásticas, pelos pincéis e tintas que um dos grandes artistas plásticos
brasileiros - Ivan Serpa - lhe
ensinava a manejar, enquanto cumpria sua obrigação filial de se diplomar em
engenharia, coisa prática que todos os pais anseiam para os filhos.
A
engenharia venceu a pintura e lá veio o jovem moço – pela mão do destino -
praticar sua canoagem cultural e seu mister de engenheiro nas terras do segundo
maior e mais dadivoso litoral do país. Aqui aportou em 1977, em São Luís, de onde não mais sairia. Fincou
raízes e fez do Maranhão sua segunda pátria, da qual hoje é cidadão honorário, com todos os
méritos.
Como
funcionário da Cemar (distribuidora
de Energia Elétrica no Maranhão) passou a percorrer o interior do Estado e
bateu logo com os costados da sua canoa em Mirinzal,
onde viu um Bumba-meu-boi tão lindo, com índias tão faceiras, e um povo tão
simples e generoso que pensava até não existir mais. Encantou-se de vez.
De
retorno a São Luís, aportou sua canoa de pesquisa no Projeto Rondon e deu início ao primeiro grande cadastro sistemático
de bens culturais do Maranhão, liderando uma animada equipe de universitários e
especialistas. Daí nasceu o imprescindível livro “Monumentos Históricos do Maranhão”. A canoa do pescador mineiro
começava a carregar.
Com
a ajuda de muitos abnegados pesquisadores maranhenses, o jovem barbudo manteve contatos
com os mais diferentes profissionais para levar a cabo a condução de seu
primeiro livro.
Conheceu,
assim, o arquiteto norte-americano John
Gisiger, que solitariamente aqui desenvolvia um trabalho pioneiro e
magistral de pesquisas e proposições, buscando a integração do urbanismo e da
sociologia com a engenharia e a arquitetura, como base processo de
revitalização física e socioeconômica do Centro Histórico de São Luís.
O
pescador barbudo mineiro logo se envolveu nesse trabalho, a convite do simpático
e diligente John. Os dois e mais o
arquiteto carioca Ronald Almeida,
embarcaram na mais fabulosa pescaria do patrimônio histórico maranhense.
Assim
nasceu, em 1980, o PROJETO PRAIA GRANDE (Programa
de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís), por
decreto do Governador João Castelo e
supervisão do Secretário de Planejamento João
Rebelo Vieira.
A
essa fase primordial do Projeto Praia
Grande – que aglutinou cerca de 50 profissionais de diversas áreas durante 15
anos - deram depois o nome de Projeto
Reviver e depois o renomearam Prodetur.
Mas a base é uma só, como dizia Tom Jobim, até hoje [ano 2000] comandada por Luiz Phelipe, desde 1981.
Enquanto
pescava pedras de cantaria, frontões, coruchéus, fachadas e adros de igrejas,
na sua infatigável faina da preservação, o mineiro pescador encontrava pérolas
de imenso valor.
Num
velho sobrado em ruínas, encontrou em 1982, 166 livros da Câmara colonial de São Luís, livros irmãos dos que
pesquisou o poeta Gonçalves Dias e dos quais levou alguns para a Biblioteca
Nacional. Neles está assentada boa parte da história do Maranhão dos séculos
XVII, XVIII e XIX. Um tesouro inédito, hoje com 30 mil páginas transcritas.
Mas,
outra grande pescaria ainda realizou: por sua iniciativa, reuniu uma grande
equipe e partiu para investigar o modo de construir as embarcações de madeira
feitas pelos anônimos estaleiros artesanais do Maranhão. Outro tesouro veio à
tona, quando publicada a pesquisa.
O
Ministério da Cultura, por indicação do IPHAN, concedeu-lhe o Prêmio Rodrigo de
Mello Franco, como o melhor trabalho de pesquisa de 1996.
Esse
trabalho foi publicado em forma de livro de rara beleza - “Embarcações do
Maranhão” – e se tornou um marco referencial do gênero, a respeito do qual um
dos maiores navegadores do mundo – o brasileiro AMYR KLINK – se pronunciou:
“Tamanha é a importância
[do trabalho sobre as Embarcações do Maranhão] para a nossa cultura e, tal a
urgência e oportunidade de sua publicação, que não cabe aos seus autores apenas
o elogio e o agradecimento. Cabe-lhes a missão de não descansar, de estender
esse estudo a todas as regiões brasileiras, da cada navegar cada centímetro do
Brasil – costa e interior – e fazer destas preciosas páginas a semente de um
contínuo descobrimento. ”
Assim falou AMYR KLINK sobre o trabalho do
pescador que nasceu sem mar.
Na
sua navegação de cabotagem, o nosso navegador mineiro aportou na ponte de
comando da Cultura do Maranhão, quando em 15 de setembro de 1992 foi nomeado Secretário de Estado da Cultura, cargo
que exerceu com muita sobriedade, equilíbrio e competente pertinácia,
qualidades que marcam sua trajetória e dignificam seu currículo.
Após
longos anos de paciência indômita, sacrifícios pessoais e muitas procelas no
mar de problemas que é a preservação de centros históricos e bens culturais no
Brasil, o nosso pescador realizou a sua maior pescaria.
Em 1996, por determinação
expressa da Governadora Roseana Sarney, o Secretário de Cultura Eliézer
Moreira Filho incumbiu Luiz Phelipe da Coordenação Geral e Ronald
Almeida da Coordenação Técnica do grupo de trabalho responsável pela elaboração
e complexa montagem da proposta (com dossiê técnico em francês) de inclusão do
Centro Histórico de São Luís na Lista dos Bens Culturais do Patrimônio Mundial
da Unesco.
Foi formada para essa missão uma
equipe técnica com valorosos companheiros arquitetos e outros especialistas de
renome: arquitetos Dora e Pedro
Alcântara, Danilo de Azevedo Rocha, Silvia Leal (superintendente do IPHAN/MA), Profa. Zelinda Lima, fotógrafo Albani Ramos e mais Jean-Pierre Halévy e Rafael Moreira
(consultores internacionais, respectivamente, de Paris e Lisboa).
Terminada a tarefa básica, a Governadora
Roseana Sarney encaminhou a proposta ao Presidente Fernando Henrique
Cardoso (via IPHAN/MinC). Após aprovação formal no Conselho Nacional de
Cultura, homologação pelo Ministro da Cultura Francisco Weffort e chancela da Presidência da República, a
Governadora autorizou o envio da Proposta à Unesco.
O trabalho de preservação de São
Luís foi analisado preliminarmente pelo órgão consultivo ICOMOS em junho 1997 e
foi depois submetido ao debate no plenário anual da XXI Sessão do Comitê do
Patrimônio Mundial da Unesco, na cidade de Nápoles, Itália.
Em 04dez1997, em coletiva de
imprensa, a Unesco anuncia a aprovação da proposta do Centro Histórico de São
Luís do Maranhão e no dia 06dez1997 formaliza na Ata do evento sua a
inscrição na Lista dos Bens Culturais do Patrimônio da Humanidade. Missão
cumprida.
Apesar de todas essas conquistas, de
ser membro do Conselho Nacional de Cultura e de dirigir o maior projeto de
preservação do país, o pescador de sonhos aqui presente tem projetos maiores,
duas realizações insuperáveis: chamam-se Luiz
Francisco e Cristiane, filhos
que o zeloso pai adora e não os esquece um só momento.
Assim é, em poucas palavras, o nosso
colega homenageado, Luiz Phelipe, ao qual, além de engenheiro, poderíamos
conferir os títulos “honoris causa” de arquiteto – como sempre é honrosamente
confundido -, e também de pintor, desenhista, ilustrador e chargista
bem-humorado, capaz de captar as mais sutis filigranas da face humana.
Por tudo isso, neste dia 02 dezembro
2000, o IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento do Maranhão, ao
inaugurar a última exposição de arquitetura no Maranhão no século XX, decidiu
prestar uma singela homenagem ao pescador barbudo, pesquisador, estivador de
sonhos do patrimônio histórico e engenheiro Luiz Phelipe de Carvalho Castro
Andrès.
Com os agradecimentos de todos que
amam a cultura maranhense e o Brasil, só podemos dizer:
Muito
obrigado, Mestre Luiz Phelipe. !
Ronald de Almeida Silva, 53, é carioca e reside em São Luís desde 1976. Por concessão da Câmara
Municipal é Cidadão Honorário de São Luís desde 1987. Foi o 1º Coordenador
Geral [1980-81] do Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico
de São Luís – Projeto Praia Grande; Coordenador Técnico do Projeto Reviver
[1988-89] e atua como consultor “ad hoc” do Projeto Prodetur desde 1995.
Nota: O presente texto
foi elaborado como Saudação ao Eng. LPA
e lido pela Arq. MARIA LAIS PEREIRA por ocasião da entrega do prêmio especial
na abertura da Semana de Arquitetura
promovida pelo IAB-MA e Escola de Arquitetura/UEMA, em 02 dezembro 2000.
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