Presidente da República. 1985-1990
PRESIDENTE JOSÉ SARNEY
90 anos em 24abr2020
ACERVO FGV / CPDOC
Acesso
Edição RAS 2020-04-24
Arquivo
ARS – Arquiteto Ronald de Almeida Silva. SLZ-MA.
Nome:SARNEY, José
Nome Completo: JOSE RIBAMAR FERREIRA DE ARAUJO COSTA
Tipo: BIOGRAFICO
Texto Completo: SARNEY, José
*dep. fed.
MA 1956, 1957 e 1959-1966; gov. MA 1966-1970; sen. MA 1971-1985;
pres. Rep.
1985-1990; sen. AP
1991-
Sônia Dias/Renato
Lemos/Alan Carneiro (atualização, 2015)
NOTA RAS: EDIÇÃO ORIGINAL DA FGV/CPDOC SEM FOTOS
[1] [PRIMEIROS ANOS
1930-1958]
- José
Ribamar Ferreira de Araújo Costa nasceu em Pinheiro (MA) em 24 de abril de
1930, filho de SARNEY de Araújo Costa e de Kiola Ferreira de Araújo Costa.
- Em 1965
adotou legalmente o nome de JOSÉ SARNEY COSTA, do qual já
se utilizava para fins eleitorais desde 1958, por ser conhecido como “Zé do
SARNEY”, isto é, José, filho de SARNEY.
- Fez os
estudos secundários no Colégio Marista e no Liceu Maranhense, cursando em
seguida a Faculdade de Direito do Maranhão, pela qual se bacharelou em
1953. Por essa época [19mar1952] ingressou na Academia Maranhense de Letras.
- Segundo Maurício
Vaitsman, ao lado de Bandeira Tribuzi, Luci Teixeira, Lago Burnet,
José Bento, Ferreira Gullar e outros escritores, fez parte de um movimento
literário difundido através da revista A Ilha, que lançou
o pós-modernismo no Maranhão e da qual foi um dos fundadores.
- Iniciou
suas atividades profissionais como oficial judiciário, tornando-se depois
diretor da secretaria do Tribunal de Justiça do Maranhão.
- Ingressou
na vida política ao eleger-se, em outubro de 1954, quarto suplente de
deputado federal por seu estado na legenda do Partido Social Democrático (PSD),
com 3.271 votos. Ocupou
uma cadeira na Câmara entre agosto e setembro de 1956 e de maio a agosto
do ano seguinte, além de outros curtos períodos.
- Segundo José
Ribamar Caldeira, na história política do Maranhão o período de 1956 a
1966, que então se iniciava, caracterizou-se por um coronelismo
particular, o vitorinismo, que consistiu no domínio absoluto dos
interesses do senador VITORINO FREIRE.
- Em 1957
assumiu a cadeira de professor de noções de direito da Faculdade de
Serviço Social da Universidade Católica do Maranhão.
- Em
fevereiro de 1958 encabeçou um abaixo-assinado que recebeu a adesão dos
mais diversos partidos políticos, de líderes sindicais, advogados e
jornalistas, em apoio à resolução da assembleia geral da Associação dos
Trabalhadores Agrícolas do Maranhão (ATAM), mais tarde denominada
Federação dos Trabalhadores Rurais do Maranhão, de convocar a II
Conferência Agrária do Maranhão, a ser realizada em julho do mesmo ano.
- Rompendo
a seguir com o vitorinismo, ingressou na União Democrática Nacional (UDN),
cujo diretório regional presidiria desse ano até 1965, ao serem extintos
os partidos políticos.
- Em
outubro de 1958 concorreu novamente à Câmara, com o apoio das Oposições
Coligadas — UDN, Partido Democrata Cristão (PDC) e Partido Republicano (PR)
—, sendo eleito com 15 mil votos. Assumiu o mandato em fevereiro de 1959 e
logo depois aderiu à Frente Parlamentar Nacionalista. Em 1959 e 1960 foi
vice-líder da UDN na Câmara.
[2] Na “Bossa Nova” da UDN
- No
início da década de 1960, participou das primeiras articulações do
autointitulado movimento renovador da UDN, identificado pela estreita
vinculação com a candidatura, afinal vitoriosa, de Jânio Quadros às
eleições presidenciais de outubro de 1960. Os objetivos dessa facção
udenista — que seria denominada mais tarde “Bossa Nova”, por analogia com
o movimento da música popular — foram expostos pela primeira vez em fins
de 1960 ao presidente do diretório nacional do partido, Magalhães Pinto,
por SARNEY e pelo deputado paraense Clóvis Ferro Costa, que defenderam “a
adoção de nova tática política para corresponder aos anseios populares”.
- Empossado
Jânio em janeiro de 1961, três meses depois, numa convenção em Recife, o
grupo apareceu ostensivamente, já com a denominação “Bossa Nova”, pregando
uma linha de centro-esquerda, inspirada no programa de desenvolvimento com
justiça social, da doutrina social da Igreja. Em termos políticos, o grupo
apoiava as propostas reformistas do presidente Jânio Quadros, consideradas
nacionalistas e de interesse popular, tais como as leis antitruste e de
remessa de lucros, a defesa das riquezas minerais, o combate à inflação, a
reforma da lei de imposto de renda e a extinção das ações ao portador, entre
outras.
- Nessa
convenção, o deputado paulista Herbert Levy — do grupo denominado “Banda
de Música”, que se opunha à dissidência “Bossa Nova” — foi eleito
presidente do partido, cabendo a SARNEY a vice-presidência, que exerceria
até 1963. Segundo Maria Vitória Benevides, os udenistas “bossa nova” eram
acusados pelos “bacharéis da Banda de Música” de filocomunistas e, pelos
demais udenistas tradicionais — os radicais lacerdistas e os vinculados à
Ação Democrática Parlamentar (ADP) —, de adesistas e oportunistas. Após a
renúncia de Jânio e a posse de João Goulart, a “Bossa Nova” manteve sua
posição reformista.
- Em outubro de 1962, SARNEY foi
reeleito na legenda das Oposições Coligadas, à qual se unira o Partido
Trabalhista Nacional (PTN), com a maior votação obtida no Maranhão por um
candidato da oposição: 21.294 votos. Em abril do ano seguinte tornou-se um
dos signatários do manifesto da “Bossa Nova”, apresentado em Curitiba na
convenção nacional da UDN pelo deputado José Aparecido de Oliveira
(MG). O documento representou a ruptura decisiva da ala dissidente com
relação aos udenistas tradicionais ao defender as reformas agrária,
bancária, tributária e urbana, a política externa independente, o Plano
Trienal do governo, a consolidação de Brasília, a democratização do
ensino, o monopólio estatal do petróleo e a Eletrobrás.
- A “Bossa
Nova” defendeu ainda a reforma agrária com emenda à Constituição,
aceitando, inclusive, a tese do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) a
favor do “arrendamento compulsório”.
- No fim de
1963, SARNEY e José Aparecido não compareceram à votação da emenda
apresentada pelo deputado Bocaiúva Cunha, do PTB da Guanabara, para a
reforma constitucional.
- O ponto
polêmico da emenda se referia à indenização de terras desapropriadas
“mediante títulos da dívida pública, resgatáveis em prestações sujeitas à
correção do valor monetário em limite não excedente a 10% ao ano”. A
“Bossa Nova” discordou dos termos, considerando a indenização proposta
“injusta e espoliativa”, e apenas um udenista, José Carlos Guerra, de
Pernambuco, votou a favor da emenda, derrotada por 176 votos contra 121.
- Segundo Maria
Vitória Benevides, poucos dias antes do movimento político-militar que
depôs João Goulart, SARNEY discursou na Câmara: “O regime de opressão e de
opróbrio jamais satisfaz o povo. Foi através da democracia, da
manifestação do pensamento em praça pública e do voto que os trabalhadores
conseguiram conquistar a situação de que hoje desfrutam. Por isso mesmo,
recuso-me a acreditar que uma política popular possa, em algum momento,
conjugar-se com a supressão das liberdades políticas.”
[3] Governador do Maranhão
- Apesar
das posições que assumira em defesa das reformas de base e em apoio a
Goulart, SARNEY se tornaria um dos principais nomes políticos do regime
implantado com o movimento de março de 1964.
- Na
situação que se criou, as facções udenistas se diluíram, e o partido, de
modo geral, foi favorável ao movimento. Candidato da coligação da UDN com
o Partido Social Progressista (PSP) e ostensivamente apoiado pelo presidente
Castelo Branco, SARNEY conquistou o governo do Maranhão em outubro de
1965, recebendo uma votação inédita na história do estado: 121.062 votos,
o dobro do segundo colocado, Antônio Eusébio da Costa Rodrigues, do
PDC, apoiado pelo governador pessedista Newton Belo.
- A
eleição representou, acima de tudo, a primeira derrota política de Vitorino
Freire: seu candidato, Renato Archer, obteve uma votação
inexpressiva: cerca de 1/4 da que alcançou SARNEY. Segundo depoimento de Archer
ao Cpdoc da FGV, “mesmo que não tivesse havido a pressão do governo
federal, SARNEY ganharia a eleição”.
- A pressão
pessoal de Castelo Branco sobre o governador teria sido feita através dos
coronéis João Batista Figueiredo e Dilermando Monteiro, que lhe impuseram
o lançamento de outra candidatura e a retirada do apoio a Archer, com quem
já estava comprometido.
- Ainda
nesse depoimento, Archer afirmou que, na ocasião das eleições, SARNEY
fazia uma campanha contra o governador, acusando-o de desonestidade. Mais
tarde, teria obtido pessoalmente de Castelo Branco a cassação de Newton
Belo por força do Ato Institucional nº 2 (AI-2), em julho de 1966.
- Segundo ALFREDO
WAGNER B. DE ALMEIDA, a coligação UDN-PSP que apoiou a candidatura SARNEY
ao governo do Maranhão, consolidada na capital, voltou-se fundamentalmente
para a arregimentação do eleitorado rural. Em várias regiões, a frente
oposicionista procurou organizar os adversários do vitorinismo e, em
particular, os remanescentes das associações de lavradores e trabalhadores
agrícolas e dos sindicatos de produtores autônomos — entidades que haviam
sido fechadas e tido seus principais líderes presos em virtude do
movimento militar de março de 1964 — e com eles desmontar, em nível local,
os esquemas de controle do voto dos pessedistas. Percorrendo inúmeros
povoados, fazendo contatos e estimulando debates, a frente conseguiu o apoio
dos trabalhadores rurais à candidatura SARNEY.
- Em
comícios, no interior, o candidato prometia a reabertura das agremiações e
o seu livre funcionamento, caso lograsse êxito a coligação oposicionista.
Tal não aconteceria, entretanto. Os trabalhadores rurais que haviam
participado da campanha no vale do rio Pindaré tentariam reabrir os
sindicatos logo no início do governo SARNEY, mas seriam desencorajados
pelas autoridades municipais e estaduais.
- Entre os
objetivos definidos pelo governo Castelo Branco incluía-se o afastamento
de alguns coronéis tradicionais do PSD dos centros de decisão política de
alguns estados. Além de excluir Vitorino Freire dos mecanismos de poder, o
governo central promoveu no Maranhão a revisão do colégio eleitoral para
extinguir a corrupção.
- Descobriu-se
então a existência de 206.206 eleitores “fantasmas” (dos 497.436 eleitores
inscritos em 1962, após a revisão, em 1966, o número de eleitores passou
para 291.230). Ao lado dessas medidas de ordem política, o governo Castelo
Branco iniciou no Maranhão a implementação da infraestrutura econômica e
social, sem todavia contrariar os interesses dominantes no estado.
- Empossado
em março de 1966, SARNEY encontrou no PSD e no vitorinismo uma oposição
natural ao novo governo. Entretanto, a extinção dos partidos políticos
pelo Ato Institucional nº 2 (27/10/1965) e a posterior instauração do
bipartidarismo diluíram essa oposição formal, já que tanto SARNEY como
Vitorino ingressaram no partido do governo, a Aliança Renovadora Nacional
(Arena).
- Segundo
José Ribamar Caldeira, esse fato contribuiu para que SARNEY desenvolvesse
sua ação política com grande desembaraço, pois Vitorino manteve-se
afastado do Maranhão, evitando o constrangimento de um confronto com um
membro do mesmo partido.
- Além
disso, SARNEY não encontrou grandes obstáculos por parte do Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) maranhense — partido de pouca expressão e
pequenas dimensões — devido à popularidade do movimento de 1964 no estado.
Dessa forma iniciou-se o predomínio do “sarneísmo”.
- Durante
seu governo, SARNEY deteve, portanto, o controle efetivo da Arena
maranhense. Desenvolvendo um estilo próprio de governo — popular, dinâmico
e modernizador —, recebia em audiência diariamente dezenas de pessoas dos
mais variados setores da população e provocou, segundo Veja (11/3/70),
uma revolução na administração, chamada de “milagre maranhense”. Os
investimentos decuplicaram, aumentando em 2.000% o orçamento do estado.
- Em seu
governo foi constituída a usina hidrelétrica de Boa Esperança, na fronteira
sul do Maranhão com o Piauí, pela Companhia Hidrelétrica de Boa Esperança
(Cohebe), que passou a fornecer energia a cerca de 40 cidades do interior
dos dois estados e parte do Ceará.
- Ainda
segundo Veja (4/2/1976), nos quatro anos da administração
SARNEY o Maranhão deu um salto: pulou de zero para quinhentos quilômetros
de estradas asfaltadas e mais dois mil quilômetros de estradas de terra.
- Criou-se,
além disso, uma rede de telecomunicações cobrindo 85 municípios; elevou-se
de um para 54 o número de ginásios estaduais e ampliaram-se de cem mil
para 450 mil as matrículas escolares.
- No
início de 1970, SARNEY inaugurou, com uma assistência de cem mil pessoas,
a ponte de São Francisco, sobre a foz do rio Anil, ligando a ilha de São
Luís — onde fica a capital — ao continente. A construção da ponte já havia
passado ao domínio da lenda, pois se estendera por vários governos. A
construção do porto de Itaqui, a barragem do rio Bacanga e o planejamento
da cidade industrial foram outras iniciativas de seu governo.
- No
entanto, a transferência gradual dos moradores de cerca de sete mil
palafitas, concentradas principalmente na entrada da capital, para o outro
lado da cidade, próximo à área reservada à cidade industrial, gerou
queixas, devido ao afastamento da população de seus locais de trabalho.
- Ainda no
início de 1970, SARNEY publicou seu primeiro livro de contos: Norte
das águas, bem recebido pela crítica. Segundo Odilo Costa Filho
em Veja, ele “sabia varar a noite contando coisas,
anedotas, e nessa base fez sua campanha como orador popular capaz de
entusiasmar as massas”.
- Em
meados do mesmo ano, antes do fim do mandato, SARNEY deixou o palácio dos
Leões para candidatar-se ao Senado, sendo substituído pelo vice Antônio
Dino, vinculado à corrente política liderada pelo senador arenista e
ex-pessedista Clodomir Millet. Ao deixar o governo, recebeu uma das
maiores consagrações populares nas ruas de São Luís. Entretanto, 48 horas
depois de ter recebido o cargo, Antônio Dino rompeu com o antecessor.
Iniciaram-se então, segundo José Ribamar Caldeira, os sinais de oposição
entre o sarneísmo e o governo do estado.
- De
acordo com o Jornal do Brasil, o próprio SARNEY ajudou a
escolher o novo governador Pedro Neiva de Santana, seu ex-secretário de
Fazenda e, portanto, um sarneísta de origem. Indicado pela Arena, Pedro
Neiva foi eleito indiretamente pela Assembleia Legislativa em outubro de
1970. O relacionamento de SARNEY com Neiva acabaria, porém, esfriando no
governo Emílio Médici (1969-1974), pois a corrente liderada pelo primeiro
não recebeu nesse governo o apoio ostensivo que lhe tinha sido conferido
nos anteriores. Neiva não era desautorizado pelo governo central em seus
atos políticos, considerados prejudiciais à corrente sarneísta. Segundo
Caldeira, era difícil para a população discernir qual das duas correntes —
a de SARNEY ou a de Neiva — representaria a Revolução no estado, “visto
serem ostensivamente manifestas as suas dissensões”.
[4] No Senado
- SARNEY
foi eleito senador com 236.618 votos. Entrevistado pela revista Veja em
janeiro de 1971, declarou ser um anacrônico, apesar de jovem: “Tenho a
doença do político liberal, num tempo em que todos proclamam que ela está
ultrapassada.” Acrescentou que a Revolução precisava preparar
imediatamente o seu projeto político, prevendo a necessidade de uma
liderança para garantir a sua continuidade. Para SARNEY, tanto o MDB como
a Arena não podiam contestar o regime: “E seria angelismo achar que algum
regime aceitaria uma contestação que o levasse à destruição.” Com relação
à “guerra revolucionária”, afirmou: “Ela existe, está aí e interessa a todos
nós que ela acabe... A democracia tem instrumentos de defesa e acredito
que outra coisa não tem feito o presidente Médici senão procurar construir
e implantar esse sistema de defesa.”
- Em fevereiro
de 1971 SARNEY assumiu o mandato no Senado e ainda nesse ano ocupou a
presidência do Instituto de Pesquisas e Assessoria do Congresso (IPEAC).
Nessa condição, foi um dos promotores do debate sobre a necessidade de
modernização do Parlamento, tendo integrado, com Ney Braga (PR) e Franco
Montoro (SP), uma comissão constituída com esse fim, presidida por
Carvalho Pinto (SP). A comissão iniciaria os estudos para a informatização
da Casa e a criação do Prodasen, durante a gestão de Petrônio Portela na
presidência do Senado (1977-1979).
- Ainda no
primeiro ano de mandato, participou também do II Encontro de Ecologia e
População, promovido pela Tinker Foundation e o Federal Population Bureau,
e realizado em Long Island, Nova Iorque. Suplente da comissão de Educação
e Cultura e titular da Comissão de Relações Exteriores em 1972, integrou a
delegação brasileira à XXVI Assembleia Geral das Nações Unidas na
qualidade de observador parlamentar. Foi eleito titular da Comissão de
Constituição e Justiça e reconduzido às de Relações Exteriores e de
Educação e Cultura.
- Em 1974,
já no governo de Ernesto Geisel (1974-1979), Vitorino Freire retornou à
atividade. Por sua influência e indicação foram eleitos indiretamente para
governador e vice-governador do Maranhão Osvaldo da Costa Nunes Freire e
José Dualibi Murad. Segundo Veja, apoiado em sólidos suportes,
Vitorino conseguiu introduzir uma cunha entre SARNEY e o governador Pedro
Neiva, obrigando a um demorado reestudo dos candidatáveis no estado. Nunes
Freire — ex-deputado udenista e ex-secretário de Saúde de SARNEY — acabou
surgindo como a única solução possível para representar igual
distanciamento das duas lideranças, já que SARNEY tentara indicar o
senador Alexandre Costa. Ainda por influência de Vitorino, seu filho Luís
Fernando (Lula) Freire foi colocado na suplência do deputado Henrique La
Roque, partidário de SARNEY, indicado para o Senado.
- Segundo
José Ribamar Caldeira, nos dois anos iniciais do governo Geisel a política
maranhense caracterizou-se pela oposição entre o governador Nunes Freire e
o sarneísmo. Logo em seguida à posse de Nunes Freire, Vitorino passou a
apoiar, sem quaisquer reservas, as atitudes do governador contra o
sarneísmo. Sua volta à cena política estadual e sua influência
determinaram o aprofundamento das dissensões internas na Arena local,
colocando os dois grupos — sarneístas e vitorinistas — em oposição
frontal. Essa dissensão acabou aproximando o senador Clodomir Millet —
grande opositor de SARNEY no Maranhão — de Vitorino, o qual, por sua vez,
viria a integrar o diretório nacional da Arena a partir de 1975.
- Ao longo
do governo Geisel, SARNEY manifestou-se reiteradas vezes em favor da
política de distensão inaugurada pelo presidente. No início de dezembro,
ainda segundo Veja, declarou-se um “otimista no processo
de redemocratização”. Garantiu o fim da “hibernação política provocada
pelos acontecimentos de 1968”, pois “o desenvolvimento econômico é incompatível
com o subdesenvolvimento político”. Em sua opinião, a Arena amargara os
resultados de uma derrota eleitoral em novembro de 1974 porque “não soube
encarnar o espírito de um país que, ao longo dos últimos dez anos,
modificou-se estruturalmente e se modernizou”.
- Em março
de 1975, afirmou que a vocação do movimento de 1964 sempre fora a
democracia, “mas uma democracia a salvo das investidas totalitárias”. Em
maio declarou que a distensão não podia comprometer nem abrir condições de
risco ao processo de desenvolvimento econômico.
- Em
1975-1976, agravou-se a crise do poder no Maranhão, com a deflagração,
pelo sarneísmo, de incisiva campanha contra a administração Nunes
Freire, acusada de corrupta. A crise política aguçou-se durante o
período eleitoral de 1976, nas eleições para 128 prefeituras e câmaras
municipais.
- A
campanha desenvolveu-se dentro de radicalismos extremados, opondo os dois
grupos arenistas. Os resultados eleitorais não apenas demonstraram uma
supremacia da liderança de SARNEY nos centros urbanos mais importantes do
estado como também caracterizaram a fragilidade do MDB maranhense, que conseguiu
apenas 12 prefeituras, quando em 1972 conquistara 14.
- Em 1976,
SARNEY fez diversos pronunciamentos sobre os principais temas políticos em
debate. No início de julho, afirmou no Senado que “o bipartidarismo de
fato, que não significa imperiosamente a existência de apenas dois
partidos, é o caminho e a fórmula da estabilidade”.
- Alguns
dias depois, em palestra no Instituto dos Advogados Brasileiros, declarou
que “sem Parlamento não há democracia, sem democracia não há liberdade e
sem liberdade o homem é apenas uma aspiração a engordar”. Entrevistado em
meados de setembro, defendeu a liberdade de informação, dizendo que esta
não implicava “nenhum risco para o governo, para a imprensa, para a
revolução”.
- No
início de 1977, SARNEY precisou dedicar-se exclusivamente à política de
seu estado, em virtude do agravamento da crise entre sua corrente e a de
Vitorino Freire. Em 2 de abril foi fechado o jornal A Cidade de
São Luís, fundado por SARNEY. O fato foi
atribuído a pressões econômicas que teriam partido do governo estadual.
Dois dias antes, também o matutino Posição deixara de
circular sob as mesmas alegações.
- Ainda em
abril, o diretório nacional do MDB decidiu fechar questão contra o projeto
governamental de reforma do Judiciário, evidenciando sua intenção de não
aprovar as reformas políticas, elemento central na tática eleitoral do
governo. A decisão do MDB acabou por levar o presidente Geisel a decretar
o recesso do Congresso e a editar o chamado “pacote de abril”, que visava
a fortalecer o governo para enfrentar a oposição nas eleições de novembro
de 1978. O “pacote de abril” continha um conjunto de medidas que impunha
limites ao processo eleitoral, estabelecendo eleições indiretas para
governador ainda em 1978, reduzindo para apenas a maioria absoluta o quorum para
a aprovação de emendas constitucionais e aprovando a coincidência de
mandatos em 1982, as sublegendas para o Senado, as eleições indiretas de um
senador em cada estado e o voto vinculado para deputado estadual, federal
e senador.
- Em maio SARNEY
reapareceu no cenário político nacional, analisando o fracasso da
tentativa de “acordo político entre governo e oposição”. Como vice-líder
da maioria do Senado, começou a ocupar, outra vez, os espaços políticos do
Congresso, que sempre dividira dentro da Arena com Petrônio Portela,
Virgílio Távora e Jarbas Passarinho.
- Entrevistado
pelo Jornal do Brasil, preconizou um entendimento do seu
partido com o presidente Geisel para que se encontrasse uma fórmula para o
projeto político do movimento de 1964, admitindo, em princípio, a
convivência do AI-5 com uma Constituição que começasse a experimentar
instrumentos novos, como um conselho de Estado.
- Nesse
mesmo mês defendeu a situação institucional respondendo ao terceiro
discurso sucessivo do senador Paulo Brossard, do MDB gaúcho, um dos mais
veementes adversários do regime. Em junho voltou à tribuna para responder
às críticas de Brossard.
- No
discurso — anunciado como o primeiro de uma trilogia —, acusou a oposição
de acirrar posições e intensificar tensões, postergando a distensão. “As
formulações e comparações da oposição sobre o regime brasileiro pecam pelo
irrealismo. Estamos num processo de transição revolucionária, o poder
revolucionário afirma que deseja continuá-lo e, portanto, não cabe à
oposição julgar sua determinação, a não ser que o derrube pela força.
Esta, contudo, não será jamais uma atitude nem sensata nem viável.”
- Em
meados de setembro, SARNEY pediu o enquadramento do governador Nunes
Freire no Código Penal por crime de falso testemunho. O pedido foi feito à
comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investigava o sistema
fundiário. SARNEY depôs na CPI defendendo-se das acusações de Nunes Freire
— que denunciara a situação irregular das terras da FAZENDA MAGUARI,
pertencente ao senador — e, segundo o Jornal do Brasil, exibiu
documentos demonstrando não possuir título algum de propriedade de terra
no Maranhão, a não ser a propriedade da família, herdada do sogro, cuja
documentação também apresentou. Entretanto, segundo dados do
recadastramento geral do INCRA, de 1978, citados por Alfredo Wagner B. de
Almeida, a FAZENDA MAGUARI, em Santa Luzia, apareceria
registrada em nome de José SARNEY, com uma área de 4.253 hectares.
- Em
janeiro de 1978, manifestou-se contrário à legalização do Partido
Comunista em países subdesenvolvidos. Declarou também que chegara o
momento de escolher entre o voto proporcional e o distrital ou
majoritário. Com a permanência do primeiro, “não terá sentido manter o
bipartidarismo, pois esse sistema pressupõe a multiplicação de partidos”.
No segundo caso, o país teria dois partidos fortes revezando-se no poder,
“a exemplo de todas as democracias ocidentais”. Em sua opinião, seria essa
a única saída para a prática de uma democracia liberal. Nesse mesmo mês, o
nome do chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general João
Batista Figueiredo, foi anunciado como candidato do governo à presidência
da República.
- Em
abril, SARNEY teve seu nome novamente cogitado para o governo do estado.
Segundo o Jornal do Brasil, o governador NUNES FREIRE,
dizendo-se apoiado por 110 entre 130 prefeitos da Arena, tentou impedir a
indicação de SARNEY. Todavia, não foi recebido no palácio do Planalto e
teria sido o único governador não contemplado com o privilégio de anunciar
formalmente o nome de seu sucessor. Não obstante, a situação de crise
permanente na política maranhense acabaria por impedir a indicação de SARNEY.
- Nesse
mesmo mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou a representação
criminal contra SARNEY, feita por dois posseiros residentes na FAZENDA
MAGUARI. Os posseiros tentaram, inicialmente, contestar a posse da
fazenda, mas no entender do STF a propriedade “foi adquirida legitimamente
pelo sr. José SARNEY, através de escritura particular”. Segundo a opinião
pública maranhense, a reivindicação dos posseiros foi prejudicada pela
disputa entre o governador Nunes Freire e SARNEY, tornando a questão
apenas uma briga política.
- No fim
do mês, SARNEY distribuiu nota à imprensa comunicando ter atendido ao
apelo do general Figueiredo no sentido de permanecer no Senado. Sua
aquiescência foi obtida com a garantia de que poderia disputar a eleição
direta. No fim do documento, apoiou a indicação do deputado sarneísta João
Castelo para o governo do estado, bem como a escolha do senador Alexandre
Costa para concorrer à vaga de senador indireto.
- Em
meados de setembro, na qualidade de relator do projeto de reformas
políticas, entregou a Geisel o relatório, constando entre outras
alterações a limitação de 60 dias para a duração das medidas de
emergência, a eliminação da suspensão automática dos mandatos
parlamentares e a liberalização para a formação de partidos. Segundo SARNEY,
em relação à “ordem constitucional” o projeto restaurava totalmente o
estado de direito e, em relação à “ordem política”, não esgotava as
“aspirações liberalizantes, nem da sociedade, nem do próprio governo”. Por
esse motivo, achava que o MDB não podia deixar de apoiar o projeto, pois
ele consagrava todos os seus temas de campanha nos últimos anos: o fim do
AI-5, a restauração do estado de direito e a superação dos atos de
exceção.
- Em
outubro, o candidato oficial à presidência, general João Batista
Figueiredo, secundado por Aureliano Chaves, governador de Minas Gerais e
candidato à vice-presidência, derrotou por larga margem de votos as candidaturas
alternativas apoiadas pelo MDB (general Euler Bentes Monteiro e Paulo
Brossard).
- Em
novembro de 1978 SARNEY reelegeu-se — com mais de duzentos mil votos —
batendo recordes de votação: 63,7%, o maior percentual registrado por um
candidato da Arena naquelas eleições.
- José SARNEY
Filho foi eleito deputado estadual, liderando também a votação da legenda.
No último dia do ano, o governo promulgou a Emenda Constitucional nº 11
que extinguiu o AI-5, entrando em vigor a partir de 1º de janeiro de 1979
as chamadas reformas políticas contendo as “salvaguardas constitucionais”.
[5] Na presidência da Arena
- Em
meados de janeiro de 1979, o presidente eleito, João Figueiredo, indicou SARNEY
para a presidência nacional da Arena em substituição a Francelino Pereira,
indicado governador de Minas Gerais. De acordo com o Jornal do
Brasil, SARNEY voltara a ser, nos últimos anos, o parlamentar
combativo de antes, duelando no plenário com os mais talentosos senadores
da oposição.
- Eurico
Resende, Jarbas Passarinho e SARNEY, nos temas políticos, e Virgílio
Távora, nos econômicos, formavam a linha de frente do partido governista.
Contudo, para eleger SARNEY substituto de Francelino foi necessário ao
governo recorrer a um artifício, pois, não sendo membro do diretório
nacional, ele não poderia atingir aquele posto. Optou-se então por
conseguir renúncias e deixar o diretório com uma vaga aberta, a ser
preenchida pelo senador maranhense.
- No lugar
do amplo colégio da convenção partidária, o novo presidente do partido
seria indicado pelo diretório nacional em 31 de janeiro. O expediente
suscitou comentários de órgãos da imprensa, como o Jornal do
Brasil, que observou: “A Arena não terá apenas 21 senadores biônicos,
mas também um presidente indireto.”
- Pouco
depois de se tornar presidente da Arena, SARNEY concedeu uma entrevista
coletiva no escritório de Figueiredo. Prometeu envidar esforços, com os
demais líderes, para transformar a Arena num partido moderno, de
orientação socialdemocrata, lutando ainda “por criar lealdades voluntárias
que ofereçam ao governo o respaldo político de que precisa e ao partido a
força de que necessita”.
- Em 15 de
março de 1979 Figueiredo substituiu Ernesto Geisel na presidência da
República. No fim de julho, SARNEY abandonou sua luta em favor da
conservação do bipartidarismo, convencido de que seu esforço era
completamente infrutífero diante das decisões dos escalões superiores.
Numa mudança brusca de estratégia, dirigiu sua atuação no sentido de que a
reformulação partidária se processasse com o fim da Arena e do MDB,
resultando na organização de um grande partido que daria respaldo ao
governo.
- Em
meados de agosto, foi decidida pelo governo a manutenção da sublegenda em
nível municipal, “com a finalidade de assegurar a convivência de
divergências de ordem pessoal e permitir a formação de um único partido de
sustentação do governo”. A tese, ainda alvo de algumas críticas, recebeu a
orientação da Casa Civil da Presidência da República e a coordenação do
presidente da Arena no sentido de ser assimilada pelos setores arenistas
que se manifestaram contra.
- O
senador maranhense considerou a anistia, concedida em 28 de agosto de
1979, como um primeiro passo no processo de reformulação partidária. No
início de setembro, propôs a dirigentes e líderes arenistas e oposicionistas
que iniciassem entendimentos visando à reformulação partidária. Disse
ainda que as posições assumidas publicamente pelo deputado paulista Ulysses
Guimarães, presidente do MDB, condicionando a reorganização partidária ao
restabelecimento da plenitude democrática, não conduziam a nenhum caminho
e também não ajudavam a evolução do processo de abertura democrática com o
qual estavam comprometidos o governo e a Arena.
- Afirmou
que o debate em torno da reformulação partidária poderia estabelecer no
Parlamento um sistema de aproximações sucessivas que poderiam desembocar
num programa muito mais amplo, identificado com a conciliação nacional, já
que para isso o presidente Figueiredo dera o primeiro passo quando dissera
que estava de “mão estendida”. Segundo SARNEY, “ninguém no Brasil nega que
estamos caminhando em um processo de liberalização política, cuja evolução
já se torna flagrante com o retorno ao país dos exilados, graças à Lei de
Anistia”.
- Alguns
dias depois, defendeu sua antiga tese de que o país necessitava de
partidos não ideológicos fortes para contrabalançar o ressurgimento de
partidos populares. A esses partidos não ideológicos estaria destinado o
papel de unir as forças sociais de centro democrático, a fim de conferir
estabilidade às instituições políticas. A discussão em torno da criação de
um ou dois partidos de sustentação do governo continuou dividindo os
arenistas durante o mês de setembro. SARNEY liderou a corrente que
defendia a tese de criação de um único partido governista.
- No fim
de setembro, justificou a necessidade da reformulação partidária em
palestra intitulada “Análise dos partidos políticos” na Escola Superior de
Guerra (ESG), afirmando que ela “é necessária para dar maior autenticidade
ao sistema partidário e evitar que grupos que não obtenham canal próprio
para participar busquem outros meios, que prejudicariam a consolidação democrática”.
Enfatizou ainda que os partidos não tinham promovido integralmente nos
últimos anos a missão de filtrar aspirações da sociedade e transformá-las
em decisões do governo. Por isso, os grupos de pressão tradicionais, como
Igreja, federações, associações, sindicatos e outros, extrapolaram de suas
órbitas para ditar políticas e sobre elas firmar posições e exercer
militância.
- Ainda em
setembro, apoiou as manifestações do ministro da Aeronáutica, brigadeiro
Délio Jardim de Matos, a favor das eleições diretas em todos os níveis,
inclusive para a presidência da República. No dia 27, anunciou na presença
de Ulysses a disposição do governo de extinguir os dois partidos,
acrescentando: “Ninguém irá extinguir o MDB para acabar com a oposição. O
fato é que estão ocorrendo divisões no interior dos dois partidos. E o
futuro vai dizer se o nosso desejo era a extinção do MDB ou a criação de
uma estrutura partidária democrática, que permita a alternância do poder.
A oposição é inextinguível. A oposição sempre existirá.” Ulysses contestou
essa afirmação dizendo que “a oposição se institucionaliza apenas através
de um partido de oposição”, aduzindo: “Em política, a receita certa para
um partido perder voto é mudar de nome.”
- O
projeto governamental, que recebeu críticas de setores da própria Arena,
foi defendido por SARNEY, que afirmou ser legítima a extinção dos
partidos, pois a Arena e o MDB haviam sido criados por uma legislação de
exceção já revogada pela Emenda Constitucional nº 11. Em sua opinião, o
projeto da reformulação partidária estaria acabando com o remanescente do
regime de exceção ao propor a extinção do seu partido e do MDB.
- O
projeto estabelecia um ritual para a fundação, organização e funcionamento
dos partidos, obrigando-os a se estruturarem desde a base municipal, sem o
que não obteriam o registro definitivo do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). Manteve-se a proibição de os partidos terem vínculos “de qualquer
natureza com governos, entidades ou partidos estrangeiros”, segundo
o Jornal do Brasil, numa alusão direta aos partidos
comunistas e ao PTB, “pelas ligações do sr. Leonel Brizola com a
socialdemocracia alemã”. Para justificar o desaparecimento da Arena e do
MDB, o projeto estabeleceu que a agremiação teria de se denominar,
obrigatoriamente, partido. Manteve-se a fidelidade partidária, de forma que
o deputado ou senador que ingressasse num bloco — depois partido — nele
seria obrigado a permanecer pelo menos durante todo o quadriênio. E dele
só poderia sair para fundar outro partido, depois daquele prazo.
- Em
meados de novembro, o governo descobriu a existência de um pacto secreto
entre dissidentes da Arena — cerca de 35 — e o MDB, pelo qual aqueles se comprometeriam
a apoiar emenda da oposição, contrária à extinção dos partidos. Com os
líderes da maioria no Senado e na Câmara, Jarbas Passarinho (PA) e Nélson
Marchezan (RS), SARNEY participou de uma reunião com o ministro da
Justiça, Petrônio Portela, que considerou viável a aprovação da reforma
por decurso de prazo, por considerar reduzidas as chances de um acordo
entre arenistas fiéis a Figueiredo e os dissidentes. Estes reivindicavam a
supressão da sublegenda. Durante todo o mês foram mantidos entendimentos
entre o presidente da Arena e os líderes do partido na Câmara e no Senado
com os chamados independentes, para garantir a aprovação do projeto de reforma
partidária tal como desejado pelo governo. Extinto afinal o bipartidarismo
em 29 de novembro de 1979, começou a reformulação partidária propriamente
dita.
- Em
dezembro, numa palestra na ESG, SARNEY expôs sua proposta de estrutura do
novo Partido Democrático, que deveria ser o sucessor da Arena. No início
do ano seguinte, na qualidade de último presidente da extinta Arena e um
dos fundadores e coordenador do novo Partido Democrático Social, criado para
substituir a Arena na sustentação político-parlamentar do governo, deu
entrevista ao Jornal do Brasil afirmando entender que “o
Brasil não pode ser uma potência econômica e nem uma democracia da justiça
social se não tiver um sistema político que opere esses dois outros
setores, de maneira a que seja também uma grande potência política”.
- Em
meados de janeiro foi ratificado o nome de Partido Democrático Social
(PDS) e divulgado o projeto de manifesto do partido, de autoria de SARNEY.
Nele, o PDS defendia o estado social de direito autoproclamando-se “o partido
da reforma e da transformação”, cuja ação se realizaria “dentro da paz, da
não-violência, da liberdade e da socialdemocracia”.
- De
acordo com o manifesto, o partido propunha-se a apoiar, entre outros
pontos, a participação dos trabalhadores não apenas nos lucros das
empresas, mas também na sua administração, defendendo assim a implantação
do sistema da co-gestão.
- Outro
ponto, considerado revolucionário, pregava a participação dos
trabalhadores na gestão dos fundos sociais, como o PIS-Pasep, o que atenderia
a uma antiga reivindicação das classes trabalhadoras. A exemplo da extinta
Arena, o PDS defendia o direito de greve, a liberdade sindical e a
autonomia das assembleias de trabalhadores.
- Alguns
dias depois, SARNEY classificou o programa do Partido Popular (PP), criado
pela oposição moderada, divulgado em 12 de fevereiro, de “extremamente
demagógico”, acrescentando tratar-se de “um tipo de ação política que já
vai ficando ultrapassado no país”. Depois do PDS, do PP e do sucessor do
MDB, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), os primeiros a
obter seu registro provisório, os demais partidos políticos viriam a
estruturar-se em maio de 1980. Em meados desse mês, seria concedida pelo
TSE a posse da sigla PTB ao grupo liderado pela ex-deputada Ivete Vargas.
O grupo chefiado por Leonel Brizola — que também disputava a sigla —
formaria então o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Também no fim de
maio, o Partido dos Trabalhadores (PT), fundado em meados de fevereiro,
lançaria seu programa definitivo.
[6] Na presidência do PDS
- Em 28 de
fevereiro de 1980, a comissão nacional provisória do PDS elegeu, para
presidente e secretário-geral, José SARNEY e Prisco Viana, deputado pela
Bahia, designando ainda os integrantes das comissões regionais provisórias
em 11 estados. No decorrer de 1980, o novo partido governista viria a
enfrentar sérias dificuldades internas, que colocariam em xeque a
liderança de SARNEY.
- A
questão da sublegenda voltaria a dividir os pedessistas. Além disso, as
lideranças estaduais pressionariam a direção do partido em virtude da
marginalização que lhes era imposta pelo governo federal. Finalmente,
havia ainda o problema do restabelecimento das prerrogativas do
Legislativo, tese que era defendida pela ala liberal do partido e que
reforçaria as dissensões.
- Por
outro lado, a escalada de atentados terroristas de direita contra setores
oposicionistas provocaria uma reação mais intensa destes, que passaram a
exigir a rápida apuração e punição dos culpados. Novamente a oposição
ensaiaria a tese da convocação imediata de uma assembleia nacional constituinte.
- No fim
de maio, SARNEY negou categoricamente que a extensão da sublegenda à
eleição de governadores estivesse sendo objeto de qualquer apreciação pelo
governo, desautorizando assim as declarações de pedessistas, inclusive do
líder da bancada na Câmara, Nélson Marchezan. Segundo SARNEY, a posição do
PDS pela limitação da sublegenda ao pleito municipal já fora decidida pelo
presidente da República.
- No
início de junho foi firmado um acordo entre as lideranças do governo e da
oposição no Congresso no sentido de conceder prioridade à tramitação da
emenda denominada Flávio Marcílio — que restabelecia as prerrogativas do
Legislativo suprimidas pela junta militar através da Emenda Constitucional
nº 1, de 1969 —, sem, no entanto, antecipar a apreciação do projeto do governo,
de realização de eleições diretas para governadores e a totalidade do
Senado.
- No fim
de julho, SARNEY manifestou-se a favor da total inviolabilidade
parlamentar, concordando com a posição assumida pelo deputado Flávio
Marcílio (PDS-CE), presidente da Câmara. Devido à pressão governamental, a
emenda Flávio Marcílio seria, entretanto, arquivada naquele ano.
- No
início de julho, SARNEY afirmou que só o caos institucional justificaria a
instalação de uma assembleia constituinte, “o que não ocorre no Brasil,
que vive pleno estado de direito, com suas instituições funcionando
livremente”. No dia 17, foi eleito para a cadeira nº 38 da Academia
Brasileira de Letras, tomando posse em novembro.
- No fim
de agosto, SARNEY anunciou que procuraria Ulysses e o senador Tancredo
Neves, presidente do PP, para estabelecer o que chamou de “mecanismos de
consulta”, através dos quais os partidos teriam respeitadas as suas
posições, mas buscariam encontrar “um terreno comum de interesse público”.
- Na
ocasião, sucediam-se atentados terroristas de direita que, segundo o
senador pedessista Luís Viana Filho, partiam “de elementos que querem
perturbar a marcha do país para a democracia”. No mais grave desses
atentados, explodiu uma bomba na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
no Rio de Janeiro, causando a morte de Lida Monteiro da Silva, diretora da
secretaria. Ao enterro, transformado em manifestação de protesto contra a
escalada do terror, compareceram cerca de dez mil pessoas, entre as quais
representantes de todos os partidos, à exceção do PDS.
- No
início de setembro, SARNEY declarou que, como resultado do trabalho de
mobilização já executado, tinham sido instaladas 2.545 comissões
municipais, com 24.400 lideranças atuantes, tendo sido filiados ao
partido, até aquele momento, cerca de dois milhões e quinhentos mil
eleitores. No decorrer da primeira quinzena de setembro reiniciou os
contatos com representantes da oposição, ainda com o propósito de
estabelecer canais de comunicação interpartidária.
- O
deputado pernambucano Tales Ramalho, secretário-geral do PMDB, o terceiro
representante da oposição a ser procurado, definiu esse trabalho como uma
“quebra do radicalismo político”. No encontro, foi feita uma análise dos
atentados terroristas e debatido o documento do PP apoiando o governo para
a adoção das medidas necessárias ao combate ao terror. SARNEY reiterou sua
intenção de não excluir qualquer partido desse entendimento político,
anunciando que deveria encontrar-se ainda com os presidentes do PDT,
Leonel Brizola, e do PT, Luís Inácio da Silva, o Lula. Seriam também
procurados os líderes dos partidos na Câmara.
- No fim
de novembro, entretanto, SARNEY advertiu que, se seu partido perdesse a
maioria no Congresso, “seria ruim para o PDS, mas pior para o país...
porque o Brasil ainda não tem as instituições políticas para viver um
sistema no qual um governo tenha minoria no Congresso”.
- Acrescentou
que ainda estávamos “saindo de uma área de turbulência”. Justificou sua iniciativa
de procurar os líderes oposicionistas afirmando que “tínhamos realmente
uma fase difícil, em que alguns setores dentro do Congresso davam a
impressão de cobrar da área militar sua participação na Revolução de
1964”. Em sua opinião, seria impossível o processo de abertura política
“se as forças armadas não estivessem conscientizadas e garantindo essa
mesma abertura”.
- O ano de
1981 seria particularmente difícil para o governo Figueiredo, que teria
várias vezes ameaçada sua política de abertura. Os principais obstáculos
foram a intensificação das atividades terroristas e a perspectiva de um
revés do situacionismo nas eleições marcadas para novembro de 1982. Em 20
de janeiro, SARNEY recusou apoio à proposta de um grupo de parlamentares
do PP e do PMDB visando à adoção de um compromisso entre governo e
oposição para a superação dos problemas econômicos, sociais e políticos,
defendendo como alternativa o estabelecimento de um entendimento
interpartidário.
[7] O PDS e as eleições de 1982
- Em 21 de
janeiro de 1981, SARNEY deu início à missão de que foi incumbido pelo presidente
Figueiredo, de percorrer o país para fazer um balanço da situação do
partido do governo nos estados. Além do objetivo político — conter as
dissidências que então ameaçavam a precária maioria do governo no
Congresso —, a Missão SARNEY tinha o objetivo estratégico de levantar a
correlação de forças nos estados que formaria o quadro de fundo da reforma
eleitoral.
- Os dois
objetivos completavam-se com o estímulo que a passagem da missão pelos estados
representaria para o PDS, mobilizando o partido para a campanha eleitoral
de 1982, tendo em vista garantir a maioria no Colégio Eleitoral que
elegeria o sucessor de Figueiredo.
- Segundo
o Jornal do Brasil, a Missão SARNEY era praticamente a
mesma que o falecido senador Petrônio Portela executara sete anos antes
para escolher, na antiga Arena, os governadores da safra de 1974. Havia,
porém, inequívocas diferenças: os governadores seriam eleitos pelo voto
direto e faltavam apenas 21 meses para as eleições.
- Em
meados de fevereiro, SARNEY cumpriu a décima-primeira etapa de sua missão,
entrando em contato com os líderes de seu partido no estado do Rio. O
senador constatou a desagregação do PDS fluminense, com três comandos
diferentes: o senador Ernâni Amaral Peixoto, presidente do diretório
regional, o médico Guilherme Romano, amigo do general Golbery do Couto e
Silva, chefe da Casa Civil da Presidência da República, e o deputado Léo
Simões, amigo do presidente da República.
- SARNEY
definiu a posição do partido ante a questão constitucional, afirmando que
“o atual Congresso tem poderes para uma ampla reforma da Carta, sem a
convocação de uma constituinte”, o que descartava a proposta do jurista
Afonso Arinos nesse sentido.
- Ao
término da missão, O Estado de S. Paulo (22/2/1981)
analisou seus primeiros resultados. “A Missão SARNEY tornou clara ao
governo e à opinião pública a divisão do PDS, irreconciliável em certos
estados, e as dificuldades que o partido enfrentará, por causa disso, nas
eleições de 1982. As viagens do senador também provocaram um acirramento
da discussão sucessória.”
- Finalmente,
em 27 de abril, SARNEY entregou a Figueiredo, na reunião do Conselho de
Desenvolvimento Político do governo, o relatório da missão. Entre as
reivindicações que lhe foram apresentadas — quase todas relacionadas com a
situação do partido nas diversas regiões —, duas foram mais recorrentes,
particularmente no Nordeste: a de que as sublegendas fossem estendidas às
eleições para governador e a de que as coligações partidárias fossem
dificultadas, a fim de afastar o fantasma da eleição de caráter
plebiscitário que atormentara a antiga Arena em 1974 e 1978. Houve até
quem reivindicasse a vinculação total de votos como um recurso adicional
“contra o fermento oposicionista que ameaça o governo nos grandes centros
urbanos com o crescimento do bolo eleitoral da oposição”. Segundo o Jornal
do Brasil, praticamente todos os governadores do Nordeste pediram
a SARNEY a vinculação de votos.
- Ainda
antes da entrega do relatório da Missão SARNEY, em 26 de março, Nélson
Marchezan fora eleito presidente da Câmara por apenas 37 votos de
diferença para seu opositor, também do PDS, Djalma Marinho (RN), que
representava a dissidência e era apoiado pelos partidos da oposição. O
Planalto mobilizara-se para garantir a eleição de Marchezan. No dia 24, o
Senado elegera Jarbas Passarinho, do PDS, como seu presidente.
- Na
instalação da comissão partidária incumbida de examinar a reforma da
legislação eleitoral, para espanto e protesto de alguns correligionários,
como o deputado Ernâni Sátiro, da Paraíba, SARNEY desaconselhou o exame da
proposta de implantação do voto distrital — de sua autoria —, sob o
argumento de que se tratava de assunto tão polêmico que polarizaria as
atividades da comissão em prejuízo da grande tarefa que lhe cabia.
- Segundo O
Estado de S. Paulo (29/3/1981), o presidente do PDS sabia que 2/3
da bancada eram ostensivamente contrários à inovação. Em 6 de abril, SARNEY
revelou ser candidato à reeleição, porque, segundo ele, contava com o
apoio das bases do partido, como também de “figuras relevantes”, a exemplo
do presidente Figueiredo.
- Ainda em
abril de 1981, a comissão executiva nacional do PDS reuniu-se, num
primeiro esforço para colocar no mesmo campo de ação o ministro da
Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, e SARNEY. Segundo a Folha de S. Paulo, o
desentendimento entre os dois era antigo, datando da época em que
Abi-Ackel fora escolhido substituto de Petrônio Portela, contrariando as
pretensões de SARNEY.
- Reunida
durante duas horas, a comissão decidiu apoiar o diálogo do ministro com
líderes e dirigentes dos partidos oposicionistas para alterar o Estatuto
dos Estrangeiros. O projeto do estatuto, de autoria do governo, fora
aprovado em agosto de 1980 por decurso de prazo, e tornara passíveis de
expulsão sumária os missionários de nacionalidade estrangeira, criando
assim um ponto de atrito com a Igreja e com os setores oposicionistas.
- Por
iniciativa de Abi-Ackel, que convencera a cúpula governista da necessidade
de manter o diálogo com a Igreja diante do ano eleitoral, foram, então,
iniciados entendimentos visando a uma futura modificação do estatuto. O
novo projeto de lei dos estrangeiros, após passar pelo crivo da Igreja e
das oposições, que tiveram incluídas suas reivindicações mínimas, foi
afinal aprovado em meados de abril, por consenso interpartidário. No dia
13, os partidos de oposição decidiram, após reunião com o ministro da
Justiça, que aprovariam sem emendas as alterações propostas pelo governo.
- A
decisão mais importante da executiva nacional do PDS, entretanto, foi a de
constituir uma comissão de 11 membros para estudar a elaboração de uma nova
proposta de emenda constitucional que devolvessse as prerrogativas do
Legislativo. Dessa comissão fariam parte os deputados Célio Borja, Djalma
Marinho e Flávio Marcílio, autores da primeira emenda das prerrogativas,
quando o último ainda era presidente da Câmara. Segundo o Jornal
do Brasil, a decisão foi fruto da reclamação do presidente da
Câmara, Nélson Marchezan, de que tanto ele quanto o presidente do Senado,
Jarbas Passarinho, haviam defendido o reexame da questão.
- SARNEY
começou a constituir a comissão em 29 de abril, nomeando o deputado
mineiro Homero Santos, primeiro-vice-presidente do PDS, para a
presidência. Nesse mesmo dia, o PMDB anunciou também a formação de sua
comissão encarregada de elaborar um projeto de restauração das
prerrogativas.
- Na noite
de 30 de abril de 1981, no RIOCENTRO, no Rio de Janeiro, onde se
realizava um show musical comemorativo do Dia do Trabalho
com a presença de cerca de 20 mil pessoas, ocorreu o maior atentado
terrorista do ano: uma bomba explodiu num automóvel matando um de seus
ocupantes, o sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário, e ferindo
gravemente o outro, o capitão do Exército Wilson Luís Chaves Machado.
- O
espectro do terrorismo, que vinha ameaçando desde o ano anterior o projeto
de abertura de Figueiredo, ao reaparecer na cena política, suscitou um
clamor geral de condenação por parte de amplos setores da sociedade. Os
atentados de 1980 não tinham sido esclarecidos, e novos atentados tinham
ocorrido em março e abril. O episódio do Riocentro viria a se transformar
no mais grave fato político de 1981.
- Em 10 de
maio, em São Paulo, SARNEY assegurou que o governo envidaria todos os
esforços para encontrar e punir os responsáveis pelo atentado terrorista.
Os líderes dos partidos se reuniram para oferecer a Figueiredo
solidariedade na investigação. Em nota divulgada em 11 de junho, a
Presidência da República acentuou que a melhor forma de responder a essa
solidariedade era reiterar seu compromisso de garantir a paz, com o apoio
das forças armadas, “mantenedoras da ordem e guardiãs das instituições”.
- Enquanto
se difundia a hipótese de um “acidente de trabalho”, ou seja, de que a
bomba teria sido trazida pelos militares e acionada por descuido, o
inquérito policial-militar (IPM) instaurado sob a jurisdição do Exército
para investigar a ocorrência concluiu, no dia 30 de junho, que os dois
militares teriam sido “vítimas de uma armadilha ardilosamente colocada no
carro do capitão”. Instado pela imprensa a pronunciar-se sob o resultado
do IPM, SARNEY preferiu nada comentar.
- Em 17 de
julho seria pedido o arquivamento do inquérito, por não haver indícios de
autoria do atentado. Finalmente, em 10 de outubro, por dez votos contra
quatro, o Superior Tribunal Militar (STM) decidiria arquivar o inquérito.
- Ainda em
30 de junho, SARNEY entregou a Figueiredo um conjunto de documentos
contendo subsídios oferecidos por seu partido ao projeto de reforma
eleitoral que o governo pretendia enviar ao Congresso em agosto. Os
documentos tratavam da utilização da sublegenda em todos os níveis das
eleições majoritárias (de senadores, prefeitos e governadores), da
vinculação de votos (para o PDS, restrita às eleições proporcionais, de
vereadores, deputados estaduais e deputados federais), das coligações (o
PDS não propunha a proibição direta ou indireta do recurso às coligações
partidárias) e da inelegibilidade (eram mantidos os prazos de um ano de
domicílio eleitoral para as eleições estaduais e federais, tornando
inelegíveis todos os beneficiados pela Lei da Anistia). No fim de julho,
segundo o Jornal do Brasil, o palácio do Planalto
já estava convencido da impossibilidade de qualquer acordo com a oposição
em torno do projeto de reforma eleitoral.
- No
início de setembro, a antiga rixa entre o ministro da Justiça e o presidente
do PDS voltou a se manifestar. Perante a comissão executiva nacional, SARNEY
criticou a atitude de Abi-Ackel, acusando-o de desprestigiar os dirigentes
do partido. O ministro convocara em primeiro lugar o presidente do PP,
Tancredo Neves, para informá-lo dos projetos de reforma eleitoral do
governo, e só depois o chamara, como presidente do PDS, para tomar
conhecimento dos textos “submetidos privilegiadamente” a um partido de
oposição. Ainda na reunião, o PDS decidiu dirigir um apelo ao governo para
incluir no projeto de reforma da Lei das Inelegibilidades um dispositivo
que tornasse elegíveis os processados pela Lei de Segurança Nacional e por
crimes comuns.
- Ao longo
do ano, episódios como o atentado do Riocentro, em abril, a renúncia de
Golbery à Casa Civil, em agosto, e o impedimento, por doença, do
presidente da República, em setembro, pareceram comportar sérias ameaças
ao processo de abertura, mas foram afinal absorvidos num clima de
normalidade constitucional.
- A crise
política maior seria desencadeada por uma decisão do Congresso, em 22 de
outubro, quando foi rejeitado o projeto do governo que estendia a
sublegenda à eleição para governador em 1982. O quorum pretendido
pela oposição foi alcançado com o apoio de dez votos de dissidentes do PDS
e de seis parlamentares sem partido. O governo recebeu com extremo
desagrado essa derrota infligida não propriamente por seus adversários,
mas pela quebra de coesão de seu partido.
- Alguns
dias depois, em 27 de outubro, as oposições obtiveram nova vitória no
Congresso ao aprovar o projeto de reforma da Previdência, com emendas que,
entre outras coisas, rejeitavam os artigos que tiravam dos aposentados que
recebiam até três salários mínimos mais 10% do Índice Nacional de Preços
ao Consumidor (INPC) nos reajustamentos semestrais e 75% dos proventos dos
que voltassem a trabalhar.
- Em 25 de
novembro, Figueiredo decidiu romper inesperadamente o diálogo com as
oposições e enviou ao Congresso um projeto de reforma eleitoral, logo
conhecido como “o pacote de novembro”.
- Grande
parte das medidas propostas estava no relatório da Missão SARNEY. Havia
quatro pontos principais. O primeiro era a vinculação de votos, que
obrigava o eleitor a votar em candidatos do mesmo partido. O segundo
consistia na proibição de coligações, que reforçava a vinculação — pois os
partidos ficavam obrigados a apresentar chapas completas, não podendo um
partido apoiar, por exemplo, o candidato a governador de outro.
- O terceiro
se referia à sublegenda municipal, existente na legislação, e que
permitiria ao partido apresentar até três candidatos a prefeito. O quarto
era o que proibia que o candidato a governador desistisse da campanha
“expressa ou tacitamente”. A proposição visava a impedir que os partidos
menores de oposição mantivessem candidatos fictícios e, na última hora, despejassem
votos no candidato do PMDB.
- A
oposição reagiu ensaiando formas de resistência. A mais importante foi a
proposta de incorporação do PP ao PMDB. Em 10 de dezembro, SARNEY anunciou
que seu partido pretendia apresentar um pedido de impugnação tão logo o PP
entrasse com o pedido no TSE. SARNEY considerou ilegal, injurídico e
inconstitucional o ato preconizado pelas duas legendas oposicionistas.
Posteriormente, entretanto, modificou inteiramente sua argumentação,
confirmando estar prevista na legislação — desde os tempos da Carta de
1946 — a incorporação de partidos.
- O
empenho do dirigente do PDS no sentido da disciplina e obediência às
ordens do comando, encarnado na figura do presidente da República,
acabaria dando os resultados desejados. Reunindo toda a bancada, já agora
sem uma única defecção, o partido governista fez aprovar o projeto que
alterava a Lei das Inelegibilidades — e que reabilitava todos os
ex-cassados para a vida pública — e a criação do estado de Rondônia. O
projeto de reforma eleitoral seria aprovado por decurso de prazo, em 11 de
janeiro de 1982.
- Em
meados de janeiro de 1982, SARNEY e Prisco Viana declararam que o governo
resolvera absorver normalmente a decisão tomada em 20 de dezembro pela
maioria da convenção nacional extraordinária do PP em favor da
incorporação ao PMDB. A mudança de tática do governo — que de início
temera o crescimento do PMDB — decorria de sua pretensão de absorver os
descontentes com a incorporação dos dois partidos. No fim do mês, SARNEY
reiterou a disposição de apoiar projeto que permitisse aos militantes do
PP e do PMDB insatisfeitos com a incorporação, como o deputado Magalhães
Pinto, a mudança para nova agremiação partidária, assegurada a sua
elegibilidade para as eleições de 1982.
- No fim
de janeiro, SARNEY declarou considerar a Lei Falcão, que regulamentava a
propaganda eleitoral pelo rádio e televisão, “superada pelos fatos” e
defendeu o fim da tutela do governo sobre a forma
de divulgação da propaganda dos partidos. Em meados de fevereiro foi
efetivada a incorporação PP-PMDB, celebrada como uma resposta ao pacote
eleitoral do presidente Figueiredo, transformado em lei sem os votos do
Congresso. No ato, foi eleito o novo diretório nacional do PMDB, com a
inclusão de egressos do PP.
- No
início de março, SARNEY justificou a decisão governamental de propor a
reabertura do prazo para filiação partidária afirmando que os descontentes
com a incorporação do PP ao PMDB não haviam tido tempo suficiente para
amadurecer uma decisão. O prazo expirara em 2 de março de 1982, 48 horas
após a decisão do TSE, que manteve a incorporação por quatro votos a dois.
O novo prazo proposto encerrar-se-ia a 16 de março.
- No
início de abril, SARNEY admitiu que aceitaria ser o candidato do PDS ao
governo do Maranhão nas eleições de novembro, se fosse liberado pelo
presidente Figueiredo de permanecer à frente do partido. Tal candidatura,
porém, não se concretizou.
- Em maio
de 1982 foi enviada ao Congresso proposta de emenda constitucional
alterando a composição do Colégio Eleitoral encarregado de eleger o
presidente da República, instituindo o voto distrital misto para 1985,
suprimindo exigências relacionadas com a formação de partidos e restituindo
ao Legislativo algumas das prerrogativas que havia perdido depois de abril
de 1964. Esse conjunto de medidas passou a ser chamado pelo
noticiário político de “emendão”.
- Em 25 de
junho, o “emendão” foi aprovado pelo Congresso, ficando estabelecido que:
1) o
Colégio Eleitoral passaria a ser constituído de todos os membros do Congresso,
mais seis deputados estaduais de cada Assembleia Legislativa indicados pelo
partido majoritário;
2) as
emendas constitucionais, para serem aprovadas, deveriam contar com 2/3 da
Câmara e outros tantos do Senado;
3) o
sistema distrital misto seria aplicado nas eleições de 1986 para a Câmara e as
assembleias legislativas;
4) os
prazos para desincompatibilização seriam reduzidos para quatro e seis meses;
5) os
prefeitos e vereadores eleitos em novembro de 1982 teriam mandatos de seis
anos;
6) as
câmaras municipais das cidades com mais de um milhão de habitantes passariam a
ser compostas de 33 vereadores, em vez de 21;
7) a
eleição do próximo presidente da República seria realizada em 15 de janeiro de
1985; e
8) os
partidos estariam desobrigados, para se constituírem, do alcance de
5% do eleitorado, com 3% distribuídos pelo menos em nove estados. Esses
percentuais, no entanto, seriam restabelecidos depois de 1986.
- Algumas
das prerrogativas do Legislativo foram restauradas. Por 2/3 dos votos dos
senadores e deputados, o Congresso poderia assumir a iniciativa de
autoconvocar-se. Da inviolabilidade do mandato parlamentar ficaram
excluídos apenas os delitos contra a honra, aplicando-se a Lei de
Segurança Nacional somente para os crimes cometidos fora da tribuna
parlamentar. Foi aumentado o número de deputados federais de 420 para 479,
estabelecendo-se que nenhum estado poderia ter mais de 55
representantes, e elevando-se os dos territórios de dois para quatro.
- O
decurso de prazo foi igualmente aliviado. O projeto de interesse do Executivo
que não fosse aprovado em 45 dias ingressaria em pauta preferencial nas
cinco sessões seguintes, ao fim das quais, se nada fosse deliberado sobre
ele, seria aprovado por decurso de prazo. O “emendão” indicou ainda que as
sessões da Câmara e do Senado não seriam limitadas. Todo pedido de
informação por parlamentares seria imediatamente respondido pelo
Executivo. As CPIs poderiam viajar pelo país se desejassem estender o
objeto de suas investigações, e os deputados e senadores que viajassem
para o exterior em missão diplomática ou cultural não dependeriam de
autorização prévia do presidente da República.
- No fim
de julho, SARNEY afirmou que os problemas econômicos que o país
enfrentava, como as altas taxas de inflação, “não levam o partido ao
desespero e nem comprometem o projeto político do governo, que tem o
respaldo da nação inteira” e, em nome da comissão executiva do PDS,
prestou solidariedade ao ministro do Planejamento, Delfim Neto. No início
de agosto, contestou as críticas ao “voto domiciliar”, por ele
preconizado. Sua posição — contraditória com a da antiga UDN, o partido
que mais lutou contra esse sistema de votação — foi por ele assim defendida:
“Hoje a situação é outra e o método não poderia mais servir como uma forma
de manipular o eleitor.”
- Em
novembro de 1982 realizaram-se eleições gerais, exceto para presidente da
República. Pela primeira vez, desde 1965, os governadores foram escolhidos
pelo voto direto. O candidato do PDS no Maranhão, Luís Alves Coelho Rocha,
vinculado à corrente sarneísta, foi eleito. Mas em todo o país o PDS
sofreu importante derrota, com a chegada do PMDB e do PDT ao governo em
dez dos estados mais desenvolvidos. No Legislativo, outra derrota: o
governo militar perdeu a maioria absoluta de que desfrutava na Câmara.
[8] Na sucessão de Figueiredo: do PDS ao
PMDB
- A
ofensiva oposicionista procuraria, a partir das eleições de 1982, alterar
o método de escolha do presidente da República. Em março de 1983, o
deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou proposta de emenda constitucional
que restabelecia as eleições diretas para a escolha do sucessor do
presidente Figueiredo em 1984. A proposta foi acolhida por importantes
líderes da Igreja, demais partidos de oposição, entidades da sociedade e
artistas. Em junho, o PMDB promoveu em Goiânia seu primeiro comício
popular pelas eleições diretas.
- Também
no PDS o ambiente era de inquietação. Em julho de 1983, a eleição para o
diretório nacional apontou o avanço do movimento dissidente Participação,
que conquistou 42 das 121 vagas. No mês seguinte, a maioria parlamentar
que dava estabilidade ao governo, formada pela aliança PDS-PTB, rompeu-se,
quando o Executivo enviou ao Congresso decreto que alterava os reajustes
salariais. A aliança foi restabelecida, mas o episódio chamou a atenção para
a fragilidade do esquema governista num momento em que começava a
acirrar-se a disputa entre os que postulavam, dentro do PDS, candidatura
às eleições presidenciais.
- SARNEY
foi encarregado por Figueiredo de coordenar a sucessão dentro do PDS e
apoiou a postulação do vice-presidente Aureliano Chaves. Também pleiteavam
a indicação Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo; Mário Andreazza,
ministro do Interior; Costa Cavalcanti, presidente da Itaipu Binacional;
Marco Maciel, senador e ex-governador de Pernambuco; e Hélio Beltrão,
ministro da Previdência e da Desburocratização.
- No PMDB,
a despeito de seu programa contrário à participação no processo indireto,
um grupo começava a sustentar que Tancredo Neves, governador de Minas e
político dotado de perfil moderado e conciliador, reunia condições para
aglutinar a maioria dos oposicionistas, obter a vitória, mesmo no Colégio
Eleitoral, e comandar a última fase da transição política em curso.
Simultaneamente, crescia a campanha pelas eleições diretas. Depois de um
comício em Curitiba, que teve a presença de cerca de 40 mil pessoas, mais
de cem mil manifestantes reuniram-se em São Paulo, em 25 de janeiro de
1984, para exigir a aprovação da emenda Dante de Oliveira.
- Preocupadas
com a amplitude do movimento pelas Diretas Já, inédita na história
política do país, autoridades militares alertaram o presidente para os
riscos que o processo sucessório estaria correndo. Em março, porém, o
ministro da Marinha, almirante Maximiano da Fonseca, que vinha defendendo
uma atitude tolerante em face da campanha, renunciou, alegando razões
pessoais.
- Em 10 de
abril, o Rio de Janeiro foi palco de um comício multipartidário que atraiu
cerca de um milhão de pessoas e contou com a presença de representantes de
uma dissidência do PDS favorável às diretas. Seis dias depois, outro comício,
em São Paulo, reuniu um milhão e meio de pessoas — a maior manifestação
política jamais realizada no país — para pedir a aprovação da emenda.
Seguiram-se comícios em outras cidades.
- No dia
25 de abril de 1984, data da votação da emenda das diretas na Câmara dos
Deputados, foram montados painéis em vários locais, com os nomes dos
deputados e espaço para registrar publicamente seus votos. A ausência de
113 deputados à votação contribuiu para a derrota da emenda, que ainda
assim obteve 298 votos favoráveis, 55 dos quais dados por deputados do
PDS. Esse resultado, e a convicção de que a campanha das diretas mudara o
eixo da política nacional, indicavam a possibilidade de vitória da
oposição no pleito indireto. O PMDB decidiu então, conforme palavra de ordem
lançada por Ulysses Guimarães, “ir ao Colégio para destruir o Colégio”. Em
junho, os governadores peemedebistas oficializaram a candidatura de
Tancredo Neves.
- A
campanha popular pelas diretas ainda marcava o clima político quando, em
11 de junho de 1984, a executiva nacional do PDS, cuja maioria simpatizava
com a candidatura de Paulo Maluf, que fazia intensa campanha de
aliciamento dos delegados, vetou a proposta de realização de uma consulta
prévia às bases sobre os candidatos à eleição presidencial, apresentada
por SARNEY e pelo grupo anti-Maluf. Diante disso, SARNEY renunciou
imediatamente à presidência do PDS. Alguns dias depois, seu sucessor,
senador Jorge Bornhausen (SC), também renunciou, sendo substituído pelo
senador Ernâni Amaral Peixoto (RJ).
- O
fortalecimento da posição de Maluf levou seus adversários a unirem-se numa
frente contra ele. Em 3 de julho, Marco Maciel anunciou que, com Aureliano
Chaves, se retirava da disputa. Dois dias depois, em reunião de que os
dois se ausentaram, o senador Augusto Franco (SE) foi escolhido para
presidir o PDS. Em 13 de julho, Aureliano se pronunciou publicamente em
apoio à candidatura de Tancredo. Em seguida, os dissidentes pedessistas se
organizaram na Frente Liberal, que, em 18 daquele mês, indicou SARNEY para
vice de Tancredo. Cinco dias depois, SARNEY desligou-se do diretório
nacional do PDS. Nesse mesmo dia, o PMDB e a Frente Liberal fecharam um
acordo para a candidatura de Tancredo. Entre os nove pontos acertados, destacavam-se
a realização de eleições diretas para o seu sucessor, a fixação do mandato
presidencial em quatro anos, a garantia de que a Frente Liberal indicaria
o companheiro de chapa de Tancredo e a opção por uma campanha apoiada
preferencialmente no uso dos meios de comunicação, deixando os comícios em
segundo plano.
- Ratificada
a candidatura de SARNEY pela Frente Liberal em 1º de agosto, data em que
deixaram o PDS os governadores Gonzaga Mota (CE) e Roberto Magalhães (PE),
seis dias depois formalizou-se em Brasília a Aliança Democrática, que uniu
os dissidentes pedessistas ao PMDB. Na ocasião, foi firmado um documento
intitulado Compromisso com a nação, em que eram propostas uma
reforma institucional como meio para alcançar a democracia plena,
profundas modificações na economia, uma reprogramação global da
administração da dívida externa, a reformulação da política salarial e o
estabelecimento de um novo pacto social, em meio ao debate sobre uma nova
Constituição.
- SARNEY
não participou da convenção do PDS realizada em 11 de agosto para escolher
o candidato à eleição presidencial. Ausentaram-se, também, outros
dissidentes, entre eles seis senadores e 27 deputados federais que,
liderados por Marco Maciel e Aureliano, haviam aderido à Aliança
Democrática. Afinal, Maluf derrotou Andreazza, que contou com o apoio de
Figueiredo.
- Apesar
do distanciamento do PDS, SARNEY teve seu ingresso na chapa da Aliança
Democrática seriamente discutido por elementos do PMDB, dada sua ligação
com o regime militar. Como permanecia filiado ao partido situacionista,
questionou-se também a base jurídica da candidatura de um membro do PDS na
legenda de outro partido. Prevaleceu, contudo, a tese de que se tratava de
uma questão política, e não jurídica.
- A
hostilidade de setores do PMDB foi neutralizada pela ação de destacados
dirigentes do partido, como Ulysses Guimarães, a favor da aliança. A
convenção do PMDB, no dia 12, homologou a chapa Tancredo-SARNEY, num
momento em que rumores de golpe militar, alimentados pela participação
popular na campanha pelas eleições diretas, ameaçavam interromper o
processo sucessório. No dia seguinte, SARNEY contornou a questão legal,
filiando-se ao PMDB.
- O
primeiro comício da Aliança Democrática realizou-se em Goiânia em 14 de
setembro, reunindo cerca de trezentas mil pessoas. No mês seguinte, os
governadores pedessistas José Agripino Maia (Rio Grande do Norte), Hugo
Napoleão (Piauí), Divaldo Suruagy (Alagoas), João Durval (Bahia) e João
Alves Filho (Sergipe) aderiram à Aliança, consolidando as perspectivas de
vitória oposicionista no Colégio Eleitoral. A linha francamente
ascensional da campanha, incrementada pelo apoio maciço dos meios de
comunicação, provocou a reação de Figueiredo, que, por meio de cadeia de
rádio e televisão, acusou a oposição de pretender coagir o Colégio
Eleitoral, mas reafirmou seu propósito de manter-se fiel ao projeto de
abertura política.
- Em 11 de
dezembro — mês em que a Frente Liberal anunciou que se transformaria no
Partido da Frente Liberal —, a Aliança Democrática divulgou os pontos
básicos do seu programa de governo: prioridade para o Nordeste; apoio à
agricultura; fortalecimento da Fderação e reconhecimento, no processo de desenvolvimento,
do papel da iniciativa privada e da contribuição do capital estrangeiro,
sempre que este não ameaçasse a segurança nacional.
- Realizada
a eleição em 15 de janeiro de 1985, a chapa da Aliança Democrática recebeu
480 votos, contra 180 dados a Maluf e a seu companheiro de chapa, Flávio
Marcílio. Houve ainda 17 abstenções e nove ausências. Entre os partidos de
oposição, apenas o PT não a apoiou, por considerar ilegítima a eleição
indireta. Ainda em janeiro, a Frente Liberal transformou-se no Partido da
Frente Liberal (PFL), presidido por Marco Maciel.
- Tancredo,
que vinha adiando uma cirurgia para depois da posse, marcada para 15 de
março, internou-se na véspera, às pressas, para operar o intestino. O fato
provocou grande comoção popular, que, explorada intensivamente pelos meios
de comunicação, atingiria dimensões inéditas na história do país.
- SARNEY,
segundo declararia alguns anos mais tarde à Folha de S. Paulo (22/8/1993),
foi informado pelos dirigentes da Aliança Democrática de que seria empossado
e, como o presidente eleito se recuperaria em uma semana, o governo
deveria ser organizado de acordo com compromissos assumidos anteriormente
por Tancredo. Avaliando os fatos, contudo, admitiu que os documentos que
tratavam das nomeações poderiam trazer a assinatura de Tancredo
falsificada.
- Entretanto,
o presidente eleito, ao contrário do que divulgavam parentes, médicos e
dirigentes da Aliança Democrática, não se recuperou. SARNEY se queixaria
mais tarde: “A mim, diziam que estava tudo bem (...). Só quem soube do
câncer foram o Ulysses, o Tancredo Augusto (filho de Tancredo), outras
pessoas íntimas da família e os médicos, coagidos sob o pretexto de
preservar a segurança nacional. Fui um dos brasileiros que foram
manipulados pela informação falsa.”
- A solução
para o problema criado pelo impedimento de Tancredo foi objeto também de
considerações jurídico-políticas. Circularam notícias de que o chefe da
Casa Civil do governo, Leitão de Abreu, emitira um parecer sustentando a
tese de que o presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, deveria assumir como
presidente da República em exercício. Essa tese seria apoiada por setores
do PMDB, mas não pelo PFL. Na entrevista citada, contudo, SARNEY diz que
isso não passou de lenda, já que, diante da informação oficial de que
Tancredo tomaria posse, preferira esperar para assumir com ele; nesse
caso, a Constituição indicava que o presidente da Câmara deveria ser
investido interinamente no cargo. Na véspera da posse, contudo, uma
reunião de Leitão de Abreu e líderes políticos teria deliberado que SARNEY
assumiria interinamente a presidência da República.
[9] Na presidência da República
- Considerando
SARNEY traidor do PDS e de seu governo, Figueiredo se recusou a participar
da cerimônia de transmissão do cargo em 15 de março de 1985. SARNEY foi
empossado em condições muito peculiares. Como ele mesmo explicaria dez
anos depois em artigo na Folha de S. Paulo (28/4/1995),
Tancredo surgiu como candidato “numa engenharia política que só ele sabia
e levou para o túmulo, compôs um governo que juntava as correntes mais
heterogêneas e inconciliáveis. (...) Mantive os seus objetivos básicos e
enfrentei obstáculos que ele jamais enfrentaria. O ministério e o governo
não eram meus, não me tinham fidelidade e compromisso. Por outro lado, as
forças que formavam a Aliança Democrática não me aceitavam, porque fui
vice-presidente para viabilizar a vitória de Tancredo no Colégio
Eleitoral, mas tinha a marca de um egresso do PDS”.
- O
ministério, organizado por Tancredo de maneira a garantir a transição
pacífica, tinha feição fortemente conservadora, incluindo cinco políticos
que até meses antes haviam apoiado o governo militar — Aureliano Chaves
(Minas e Energia), Olavo Setúbal (Relações Exteriores), Marco Maciel
(Educação) e Paulo Lustosa (Desburocratização), do PFL, e Antônio Carlos
Magalhães (Comunicações), do PDS. Os demais, a maioria ligada ao PMDB,
eram Afonso Camargo (Transportes), Almir Pazzianotto (Trabalho), Aluísio
Alves (Administração), Carlos Santana (Saúde), Fernando Lyra (Justiça),
Flávio Peixoto (Desenvolvimento Urbano), Francisco Dornelles (Fazenda),
João Sayad (Planejamento), José Aparecido de Oliveira (Cultura), Nélson
Ribeiro (Reforma e Desenvolvimento Agrário), Pedro Simon (Agricultura),
Renato Archer (Ciência e Tecnologia), Roberto Gusmão (Indústria e
Comércio), Ronaldo Costa Couto (Interior), Valdir Pires (Previdência),
José Hugo Castelo Branco (Casa Civil), general Rubens Bayma Denis (Casa
Militar), general Leônidas Pires Gonçalves (Exército), brigadeiro Otávio
Júlio Moreira Lima (Aeronáutica), almirante Henrique Sabóia (Marinha),
general Ivan de Sousa Mendes (Serviço Nacional de Informações) e general
José Maria do Amaral (Estado-Maior das Forças Armadas). No dia 17, SARNEY
presidiu a primeira reunião ministerial, quando leu um discurso preparado
por Tancredo que indicava as duas linhas de força do governo da Nova
República, expressão criada por Ulysses para designar o plano de governo
da Aliança Democrática: austeridade nos gastos públicos e combate à
inflação.
- Iniciando
o governo sob suspeitas geradas por suas ligações com os governos
militares e em meio à expectativa geral em torno do restabelecimento de
Tancredo, que se submeteria a uma série de cirurgias, uma das primeiras
medidas que SARNEY tomou, em 19 de março, foi a suspensão de mais de cem
concessões e permissões de emissoras de rádio e televisão assinadas por
Figueiredo a partir de outubro de 1984.
- Em
seguida, iniciou o processo de desmontagem dos dispositivos de exceção
herdados do regime militar — o “entulho autoritário”. Em abril, anunciou
que não assinaria mais decretos-leis e que todos os atos que precisassem
de lei para entrar em vigor seriam remetidos ao Congresso em regime de
urgência, medida que, ainda que não viesse a ser observada estritamente,
teve o mérito de chamar a atenção para a necessidade de rever os
instrumentos de ação do Executivo. No dia 19, o governo aprovou um
programa de emergência, com a definição das seguintes áreas prioritárias:
merenda escolar; alimentação de gestantes, de jovens mães e de crianças;
oferta de cesta básica de alimentos; saneamento e construção de habitações
populares, presídios e delegacias.
- Após
submeter-se a sete cirurgias, Tancredo morreu em 21 de abril. No dia
seguinte, SARNEY assumiu efetivamente a presidência, anunciando que seu
governo seria “o governo de Tancredo”. Em seu primeiro discurso na nova
condição, tratou das duas maiores prioridades nacionais — a
redemocratização e a crise econômica herdada do último governo militar —,
prometendo que convocaria a Assembleia Constituinte “o mais cedo possível”
e que o país cumpriria seus compromissos com os credores internacionais, mas
não ao preço do sacrifício do povo.
[10]
A redemocratização
- SARNEY
sancionou em 10 de maio várias medidas aprovadas pelo Congresso com o
objetivo de redemocratizar o país: restabelecimento das eleições diretas
para presidente, em dois turnos, e para prefeito das capitais, estâncias
hidrominerais e municípios até então considerados áreas de segurança
nacional; concessão do direito de voto para os analfabetos; representação
política para o Distrito Federal, e fim da sublegenda e da fidelidade
partidária, bem como liberdade de criação de partidos e formação de
coligações partidárias. Os partidos clandestinos — Partido Comunista
Brasileiro (PCB) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB) — foram
legalizados, e com a liberalização das regras criaram-se várias legendas.
- O
prosseguimento do processo de redemocratização era, contudo, limitado pela
sobrevivência da Constituição imposta pelo regime militar em 1969, bem
como de dispositivos como a Lei de Segurança Nacional e o decreto que
estabelecera a censura prévia. A iniciativa de convocação da Assembleia
Constituinte cabia ao presidente, e SARNEY deveria optar entre as duas
propostas de encaminhamento apresentadas. Uma — defendida por setores do
PMDB, pelo PT, maioria do PDT e demais partidos de esquerda — preconizava
que se elegesse, ainda em 1985, uma assembleia constituinte especialmente
para fazer a nova Constituição, independentemente do Congresso, a qual se
dissolveria em seguida. A outra, defendida pelas forças do centro
político, pelos setores conservadores do PMDB, pelo PFL e pelo PDS,
propunha que se fizesse a eleição em 1986.
- Anunciando
que cumpria “o mais grave compromisso da Nova República”, SARNEY
encaminhou ao Congresso, em 28 de junho, proposta de emenda convocando a
Assembleia Nacional Constituinte, composta pelo Congresso a ser eleito em
novembro de 1986 e pelos senadores no exercício do mandato, que se
reuniriam a partir de 1º de fevereiro de 1987 para elaborar uma nova
Constituição. Em seguida, nomeou a Comissão Provisória de Estudos
Constitucionais, articulada por Tancredo. Integrada por 50 membros sob a
presidência de Afonso Arinos de Melo Franco, e incumbida de, no prazo de
dez meses, elaborar um anteprojeto de constituição, a comissão foi
instalada em 3 de setembro.
- Procurando
um canal de comunicação direta com o eleitorado de maneira a fortalecer
suas posições em relação aos temas políticos que entrariam em discussão, SARNEY,
embora anunciasse que se manteria em posição de neutralidade, estreou em
outubro de 1985 o programa Conversa ao pé do rádio. Usaria o
programa durante os trabalhos da Constituinte para criticar os
congressistas que divergiam de seus pontos de vista e o manteria até 1989,
com índices nacionais de audiência baixos. No fim de seu mandato, pesquisa
feita em Curitiba revelaria que 91,2% dos entrevistados nunca tinham
ouvido o programa.
- Eleições
para prefeitos e vereadores realizadas em 15 de novembro de 1985 em 201
cidades, inclusive as capitais, deram a vitória ao PMDB, embora o partido
perdesse em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife. A Aliança
Democrática saiu enfraquecida da disputa, que em várias cidades opôs o
PMDB e o PFL. À esquerda, a oposição também obteve trunfos importantes,
como a vitória do PDT no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, e do PT em
Fortaleza. Em 1º de dezembro, os dois partidos fizeram um acordo para
iniciar uma campanha por eleições diretas imediatas para a presidência.
- Para
substituir os ministros que precisavam se desincompatibilizar porque
pretendiam candidatar-se em novembro de 1986, e montar uma equipe de sua
confiança, livre dos compromissos políticos herdados de Tancredo, SARNEY
procedeu, em 14 de fevereiro de 1986, a uma reforma ministerial, empossando
os novos titulares: Celso Furtado (Cultura), Deni Schwartz
(Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente), Íris Resende (Agricultura),
Jorge Bornhausen (Educação), José Hugo Castelo Branco (Indústria e
Comércio), Sepúlveda Pertence (Procuradoria Geral da República), José
Reinaldo Tavares (Transportes), Marco Maciel (Casa Civil), Paulo Brossard
(Justiça), Rafael de Almeida Magalhães (Previdência), Abreu Sodré (Relações
Exteriores), Roberto Santos (Saúde), Saulo Ramos (Consultoria Geral da
República) e Vicente Cavalcanti Fialho (Irrigação, pasta extraordinária
criada em 7 de fevereiro).
- O
presidente se preparava, porém, para outras batalhas, sobre assuntos de
seu interesse que seriam discutidos na Constituinte. Tendo recebido em 18
de setembro de 1986 o anteprojeto de constituição elaborado pela Comissão
Provisória para Estudos Constitucionais, deu a entender que, embora
gostasse do trabalho, só o enviaria à Constituinte se fosse solicitado.
Dessa maneira, evitava comprometer-se com as teses defendidas no projeto,
que incluíam a adoção do parlamentarismo, contrária à sua opção
presidencialista.
- Sob o
impacto positivo de êxitos na luta contra a inflação, as eleições para
deputados federais e senadores que comporiam o Congresso constituinte, bem
como para governadores e deputados estaduais, realizadas em 15 de novembro
de 1986, deram uma vitória esmagadora ao partido de SARNEY. O PMDB elegeu
os governadores em 22 dos 23 estados, 46 dos 72 senadores e 260 dos 487
deputados federais.
- Fortalecido
pelo resultado eleitoral, interpretado como uma vitória política pessoal, SARNEY
decretou, no dia 20 de novembro, aumento de 60% nos preços dos
combustíveis e, no dia seguinte, um conjunto de medidas de restrição
econômica. A insatisfação generalizada com as medidas, que atingiu até
mesmo setores do PMDB e motivou manifestações populares, traduziu-se no
declínio da popularidade do presidente. Com a inflação voltando a
manifestar-se e desgastado politicamente, SARNEY lançou a proposta de
construção de um pacto social, já defendido por Tancredo. Para isso,
encarregou o ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto, de conseguir o apoio
de líderes sindicais. Durante o mês de janeiro, o governo fez várias
reuniões com empresários e representantes dos trabalhadores, mas o pacto
não foi alcançado.
- Instalada
a Assembleia Nacional Constituinte em 1º de fevereiro de 1987, SARNEY
anunciou que se manteria neutro em face das disputas políticas, solicitando
apenas que os partidos se definissem em relação aos temas que diziam
respeito diretamente ao seu governo — regime de governo e tempo de
mandato. Em 18 de maio, porém, fez um pronunciamento em rede nacional de
rádio e televisão informando que, embora, de acordo com a Constituição em
vigor, seu mandato estivesse fixado em seis anos, estaria disposto a abrir
mão de um ano, de forma a evitar uma discussão que poderia imobilizar a
nação. Defendeu, também, a manutenção do regime presidencialista.
- Ao
articular politicamente a manutenção do presidencialismo e a fixação de
seu mandato em cinco anos, SARNEY seria objeto de graves acusações de
utilização de recursos públicos na conquista do voto de parlamentares. A
principal moeda de troca teria sido a concessão de canais de rádio e
televisão. Segundo a Folha de S. Paulo (28/11/1993), os
registros do Ministério das Comunicações revelam que, durante sua gestão, SARNEY
beneficiou amigos com concessões, procedimento justificado por um de seus
filhos, Fernando: “É natural que se dê preferência aos amigos.”
Levantamento feito pela Federação Nacional dos Jornalistas e citado
pela Folha de S. Paulo (3/9/1995) demonstra que até março
de 1979, data da posse de Figueiredo, havia 1.483 emissoras de rádio e TV
no Brasil. Durante o governo de SARNEY, foram distribuídas 1.091
concessões, 257 no mês que antecedeu a promulgação da Constituição.
Daquele total, 165 beneficiaram 91 parlamentares, 90% dos quais votariam a
favor do mandato de cinco anos. Também ganhariam concessões do governo
ministros, governadores, jornalistas e funcionários da administração
pública.
- A
oposição ao governo motivou manifestações de rua. A mais séria aconteceu
em 25 de junho de 1987, no Rio de Janeiro, quando o ônibus que conduzia SARNEY
ao Paço Imperial, onde participaria de uma cerimônia, foi cercado por um
grupo de cerca de mil pessoas e apedrejado. No tumulto, ficaram feridos o
presidente da Legião Brasileira de Assistência (LBA), Marcos Vilaça, e o
porta-voz da presidência, Frota Neto.
- Nesse
ínterim, a Comissão de Sistematização da Constituinte aprovou a proposta
de implantação do parlamentarismo. Presidencialista, SARNEY, informou em
agosto ao relator da comissão, senador Bernardo Cabral (PMDB-AM), que
reagiria se a proposta fosse mantida. No mês seguinte, defendeu uma
proposta conciliatória, na forma de um presidencialismo em que o Congresso
tivesse poder para destituir ministros mediante voto de censura. Não
conseguindo mudar a tendência predominante na comissão, passou a admitir a
adoção do parlamentarismo, contanto que fosse aprovado por maioria
absoluta da Constituinte e incluísse o voto distrital e a possibilidade de
dissolução do Congresso em caso de impasse na nomeação do
primeiro-ministro.
- Em meio
à luta por um mandato longo e pela plenitude dos poderes presidenciais,
precisou administrar séria crise em sua base, que já se vinha desgastando
desde as eleições municipais do ano anterior e se agravava pelas pressões
que um setor do PMDB, de orientação social-democrata, fazia para que o
partido se desligasse do governo. Em fins de setembro, discutiu com Maciel
e Aureliano, dirigentes nacionais do PFL, a situação da Aliança
Democrática, e os três optaram por dissolvê-la. No mesmo dia, o ministro
da Educação, Jorge Bornhausen, demitiu-se. Para recompor sua base, SARNEY
fez contatos com o PTB e o PDS e, em início de outubro, lançou à
sociedade, por meio de cadeia de rádio e televisão, uma proposta de
formação de um governo de união nacional. Ainda nessa direção, recebeu
alguns dias depois o apoio de 22 governadores do PMDB, que redigiram
a Declaração do Rio de Janeiro, defendendo, entre outros
pontos, o prazo de cinco anos para o mandato de SARNEY — o governador
peemedebista de Alagoas, Fernando Collor, era favorável ao prazo de quatro
anos — e a manutenção do presidencialismo. SARNEY encontraria precioso
apoio também no Centro Democrático, formado em agosto de 1987 por
constituintes identificados com teses conservadoras e que ficaria
conhecido como Centrão.
- Nova
reforma ministerial, agora acompanhada de mudanças na estrutura
administrativa, foi outro recurso tentado por SARNEY para debelar a crise
política. As mudanças no organograma do governo, anunciadas em 21 de
outubro de 1987, foram as seguintes: o Ministério do Desenvolvimento
Urbano e Meio Ambiente passou a chamar-se Ministério da Habitação,
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente; o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) foi extinto e suas funções
transferidas para o recém-criado Instituto Jurídico das Terras Rurais
(Inter). Deixaram suas pastas Rafael de Almeida Magalhães, substituído na
Previdência por Renato Archer, que passou o Ministério da Ciência e
Tecnologia para o deputado Luís Henrique (PMDB-SC); Roberto Santos, substituído
no Ministério da Saúde pelo deputado Luís Carlos Borges da Silveira
(PMDB-PR); Deni Schwartz, substituído no Ministério da Habitação,
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente pelo deputado Prisco Viana
(PMDB-BA).
- Em 18 de
novembro de 1987, três dias depois de a Comissão de Sistematização ter
aprovado a adoção do parlamentarismo e a fixação do seu mandato em quatro
anos, anunciou que envidaria todos os esforços para viabilizar a
realização de eleições diretas no ano seguinte. Essa fora a reivindicação
feita em dezembro por partidos de oposição em comícios que reuniram
milhares de pessoas no Rio de Janeiro e em São Paulo.
- A crise
da base agravou-se em 9 de janeiro de 1988, quando o grupo histórico do
PMDB — liderado pelos senadores paulistas Mário Covas e Fernando Henrique
Cardoso e pelo deputado mineiro Pimenta da Veiga — exigiu do diretório
nacional que rompesse definitivamente com o governo SARNEY em um mês.
- Ainda em
janeiro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), motivada por
informações sobre atos ilícitos do ministro do Planejamento, Aníbal
Teixeira, lançou uma nota em que anunciava a corrupção no governo,
afirmando que o Brasil vivia uma “crise moral”. No mês seguinte, a Folha
de S. Paulo publicou material que relacionava SARNEY e seu
círculo pessoal com irregularidades administrativas. No centro dos fatos
estava Jorge Murad, ex-genro e secretário particular do presidente,
acusado de intermediar verbas federais para o Maranhão.
- As
denúncias contra Murad foram apuradas pela CPI instalada no Senado em 10
de fevereiro de 1988 — presidente, José Inácio Ferreira; vice, Itamar
Franco; relator, Carlos Chiarelli —, com o objetivo inicial de apurar
denúncias de corrupção contra o ministro do Planejamento, Aníbal Teixeira,
demitido em janeiro de 1988. As investigações logo atingiram vários
setores do governo, inclusive o presidente, que, inquirido pela CPI em
junho de 1988, se recusou a responder às 40 perguntas que lhe foram
feitas, alegando que o ofício não lhe fora entregue por meios adequados.
Nos primeiros seis meses de trabalho a CPI não conseguiu provas da
conivência de SARNEY com as irregularidades. Nas conclusões da CPI, SARNEY
não chegou a ser acusado de receber propinas pela intermediação, mas
aparece como um presidente que distribuía o dinheiro dos fundos especiais,
controlados diretamente pela Presidência e destinados aos municípios, sem
qualquer critério técnico, movido apenas por interesses políticos. Como
consequência desse procedimento, os recursos nunca eram suficientes e o
presidente acabava apelando para a reserva de contingência, tendo no
ministro do Planejamento um prestimoso colaborador.
- Em 23 de
março de 1988, a Assembleia Nacional Constituinte, num dos momentos mais
tensos dos seus trabalhos, aprovou a manutenção do regime presidencialista
e fixou o mandato dos futuros presidentes em cinco anos. A decisão teve
repercussões imediatas no PMDB: no dia seguinte, oito deputados constituintes
mineiros, entre os quais o ex-líder do governo Pimenta da Veiga, e os
pernambucanos Fernando Lyra e Cristina Tavares desligaram-se do partido.
Em 8 de abril, surgiu o Bloco Independente do PMDB, anunciado em manifesto
assinado por 93 dos 280 constituintes peemedebistas, entre os quais os
senadores paulistas Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, e também José
Richa (PR). O grupo convocava os ministros a romper imediatamente com o
governo e a lutar por eleições diretas para presidente ainda em 1988.
- Em 2 de
junho, o plenário da Constituinte determinou que o mandato de SARNEY
duraria cinco anos e marcou para 15 de novembro de 1989 a escolha do
sucessor. Alguns anos mais tarde, SARNEY revelaria, em entrevista à Folha
de S. Paulo (22/8/1993), que, na expectativa da resolução da
Assembleia, informara ao ministro da Justiça, Paulo Brossard, que, caso a
Constituinte optasse por reduzir seu mandato para quatro anos, entenderia
o fato como uma “moção de desconfiança do Congresso” e renunciaria. A
decisão da Constituinte fez com que os membros do Bloco Independente do
PMDB, partidários do prazo de quatro anos, abandonassem a legenda para
fundar, em 24 de junho, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
- A
aprovação em 26 de julho, em primeiro turno, do texto da futura
Constituição levou SARNEY a novo pronunciamento em rede nacional de rádio
e televisão. Advertiu que se o texto prevalecesse, após a votação em
segundo turno, o país se tornaria ingovernável, haveria aumento de
impostos e do déficit público, recessão e desemprego. O discurso provocou
crise no governo, resultando na demissão dos ministros Renato Archer, Luís
Henrique e Celso Furtado. Em 5 de outubro foi promulgada a nova
Constituição.
- Em 2 de
novembro foram anunciadas no Senado as conclusões do relator da CPI da
corrupção no governo. De acordo com o relatório, que seria aprovado pela
comissão em fins de novembro por nove votos a um, SARNEY teria tido pleno
conhecimento das irregularidades. Em seguida, o documento foi enviado ao
Ministério Público, à Polícia Federal e ao Tribunal de Contas da União. Em
13 de dezembro, o presidente da CPI requereu ao presidente da Câmara,
Ulysses Guimarães, o impeachment de SARNEY e seu
enquadramento, com cinco ministros — José Reinaldo Tavares, João Batista
de Abreu, Maílson da Nóbrega, Antônio Carlos Magalhães e Saulo Ramos —,
por crimes de responsabilidade, pelos quais deveriam responder
criminalmente, de acordo com o estabelecido na Constituição. O pedido
seria arquivado pelo novo presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira
(PFL-PE), em 22 de fevereiro de 1989, por falta de “provas conclusivas”.
Quatro dias depois, os senadores que haviam integrado a CPI entrariam com
mandado de segurança no STF contra a decisão do presidente da Câmara. Os
advogados Raymundo Faoro e José Carlos Bruzzi Castelo entraram com mandado
de segurança no STF contra o arquivamento e perderam por cinco votos a
quatro.
- Uma
última reforma administrativa e ministerial foi anunciada por SARNEY em 15
de janeiro de 1989. Entre as várias medidas tomadas, destacaram-se a
extinção de órgãos federais e autarquias, além dos ministérios da
Habitação e Bem-Estar Social, da Reforma e Desenvolvimento Agrário, da
Irrigação, da Ciência e Tecnologia e da Administração, e a nomeação de
Carlos Santana para o Ministério da Educação, de Vicente Fialho para o de
Minas e Energia, de Seigo Tsuzuki para o da Saúde e de Oscar Dias Correia
para o da Justiça.
[11]
Dívida externa
- A Nova
República herdou do último governo militar muitos problemas econômicos.
Entre os mais graves destacavam-se o volume da dívida externa, que em fins
de 1984 somava cerca de cem bilhões de dólares, e a espiral inflacionária,
que atingiu o índice de 12,7% mensais em março de 1985.
- Reproduzindo
a retórica de Tancredo, SARNEY anunciou que honraria os compromissos
financeiros do país, mas não ao preço da miséria do povo ou da soberania
nacional. O problema do endividamento externo tinha, contudo, dimensões
continentais e opunha interesses dos países do Terceiro Mundo aos dos
agentes financeiros internacionais, em especial americanos. No Peru, por
exemplo, o recém-empossado presidente Alan García anunciou, em 28 de
julho, que restringiria a 10% de suas exportações os recursos que o país
destinaria nos 12 meses seguintes ao pagamento da dívida externa. Dois
dias depois, o governo americano suspendeu toda a ajuda militar e
econômica ao Peru.
- Respaldado
politicamente pelos governadores peemedebistas — que em julho de 1985
divulgaram um documento com o objetivo de fortalecê-lo nas negociações com
o Fundo Monetário Internacional (FMI) —, SARNEY procurou apoio externo
para suas posições. Durante viagem ao Uruguai, em agosto, acusou o FMI de
tentar impor condições contrárias aos interesses brasileiros e assinou com
o presidente Julio Sanguinetti um comunicado, defendendo o pagamento das
dívidas externas dos dois países sem prejuízo do crescimento sustentado e
sem rebaixamento do nível de vida de suas populações. No mês seguinte,
viajou a Nova Iorque e aí advertiu, em discurso na Organização das Nações
Unidas (ONU), que o Brasil não pagaria a dívida externa “nem com a
recessão, nem com o desemprego, nem com a fome”, porque o povo brasileiro
chegara “ao limite do suportável”.
- Temendo
que se estabelecesse uma situação de inadimplência geral entre os países
latino-americanos, o FMI e o Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD), mais conhecido como Banco Mundial, aprovaram
oficialmente, em 2 de dezembro de 1985, o Plano Baker, de ajuda aos países
devedores empenhados em realizar o reajuste de suas economias em paralelo
com políticas de desenvolvimento econômico. Em 17 de janeiro do ano
seguinte, o governo brasileiro anunciou a prorrogação, por um ano, da
suspensão dos pagamentos do principal da dívida externa.
- Depois
que uma missão do FMI permaneceu no Brasil de 18 de agosto a 5 de setembro
examinando as contas brasileiras, em dezembro de 1986, o país fechou um
acordo com o Clube de Paris considerado um avanço importante no processo
de renegociação da dívida externa e de regularização das relações financeiras
internacionais. O acordo incluía a reabertura dos financiamentos oficiais
às importações de máquinas e equipamentos e o reescalonamento dos
pagamentos de 1985 e 1986 e parte dos vencimentos de 1987. Contudo,
orientado pelo então ministro da Fazenda Dílson Funaro, SARNEY, em 20 de
fevereiro de 1987, anunciou, por cadeia de rádio e televisão, a suspensão
do pagamento dos juros da dívida externa até que ficasse acertada com os
credores uma forma de amortização que permitisse a recomposição das
reservas cambiais. Mais tarde, na já citada entrevista à Folha de
S. Paulo, rebateria a acusação de ter decretado a moratória como
recurso político para angariar popularidade, garantindo que a decisão fora
uma “imposição técnica”: “Simplesmente não tínhamos mais reservas
internacionais. Só tive conhecimento do nível de nossas reservas quando
elas já se encontravam abaixo do limite crítico.”
- No
primeiro dia de maio, metade da dívida externa foi agravada pela decisão,
tomada pelos principais bancos americanos, de elevar a taxa preferencial
de juros (prime rate) em 0,25%. Ainda nesse mês, os bancos
americanos Citicorp, então o maior credor do Brasil, e Chase Manhattan
Bank ampliaram significativamente suas reservas contra a inadimplência de
países devedores, sendo seguidos, em junho, por mais três grandes
instituições bancárias.
- Em
setembro, o então ministro da Fazenda, Luís Carlos Bresser-Pereira — que
dois meses antes anunciara que o Brasil suspenderia o pagamento de mais de
um bilhão de dólares às agências governamentais integrantes do Clube de
Paris — participou em Nova Iorque, com os ministros da Argentina e do México,
da criação do Grupo dos Três (G-3), num esforço de elaboração de uma saída
comum para os problemas de endividamento externo. O documento divulgado na
ocasião enfatizava que era necessário promover ajustes na economia mundial
e tornar mais rápido o desembolso dos empréstimos acertados com os países
credores. Alguns dias depois, no México, aos presidentes dos três países
juntaram-se os da Colômbia, Peru, Panamá, Venezuela e Uruguai para firmar
uma base comum de negociação da dívida externa com os EUA. Foram
defendidas três propostas: que os juros pagos fossem financiados pelos
credores; que parte da dívida fosse substituída por bônus resgatáveis a
longo prazo; que as negociações com os bancos privados fossem
desvinculadas do FMI.
- Finalmente,
em 6 de novembro o governo decretou o fim da moratória e, num ato de valor
quase que apenas simbólico, efetuou o pagamento de quinhentos milhões de
dólares da dívida. Em janeiro de 1988, contudo, as relações com os
credores voltaram a agravar-se. Enquanto os bancos exigiam que o governo
pagasse os juros da dívida vencidos nesse mês, o Citicorp anunciava ter
tido grande prejuízo em 1987, atribuindo-o à moratória brasileira. Outros
bancos americanos também registraram perdas atribuídas às dificuldades dos
países da América Latina.
- O
governo, tentando regularizar as relações com as entidades financeiras
internacionais, aceitou, em 1º de fevereiro, pagar parte dos juros relativos
a janeiro e, um mês depois, fechou um acordo preliminar de refinanciamento
da dívida externa. Assinado em 1º de julho, foi o primeiro acordo com o
FMI desde o fim do governo Figueiredo. No mês seguinte, a instituição
liberou um empréstimo de 1,4 bilhão de dólares para o Brasil. A
regularização geral da situação se completaria em setembro, quando foi assinado
com o FMI o novo acordo de reescalonamento da dívida por 20 anos.
- A
questão da administração da dívida externa a longo prazo não estava,
contudo, resolvida. A dimensão continental da crise foi enfatizada por SARNEY
alguns dias depois. Discursando em 25 de setembro na 44ª Assembleia Geral
da ONU, acusou os países ricos de explorar a vulnerabilidade dos países
pobres, “oprimidos por uma conjuntura internacional perversa”. No mês
seguinte, reforçou a acusação em duas reuniões do Grupo dos Oito, formado
por Argentina, Brasil, Colômbia, México, Peru, Uruguai e Venezuela, em
Ica, no Peru, e Punta del Leste, no Uruguai.
- Em março
de 1989, o governo dos EUA anunciou um plano para redução ou cancelamento
de parte da dívida dos países latino-americanos. O plano, apresentado pelo
secretário do Tesouro, Nicholas Brady, condicionava a concessão do
benefício à implementação de ajustes nas economias de acordo com a orientação
do FMI e do Banco Mundial. A gravidade da situação, para os credores,
ficou patenteada em julho, quando o Banco Mundial, em seu relatório anual,
previu uma crise na América Latina em decorrência da redução dos níveis de
crescimento econômico e do vulto da dívida externa. Ainda nesse mês, os
presidentes dos países integrantes do Grupo dos Sete (G-7) — EUA, Japão,
Canadá, Alemanha Ocidental, Itália, França e Reino Unido —, reunidos em
Paris, anunciaram, entre outras deliberações, a exclusão de Brasil e
Argentina da lista de beneficiários em potencial do Plano Brady.
- Depois
de, em 15 de setembro de 1989, Maílson da Nóbrega – então ministro da
Fazenda – ter anunciado que o Brasil não disporia de recursos para o
pagamento dos juros da dívida que venceriam em três dias, SARNEY, ao abrir
no dia 23 a 45ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, acusou os países ricos
de adiar uma solução para o problema da dívida externa do Terceiro Mundo,
em benefício dos bancos credores. No mês seguinte, participou no Peru de
reunião do Grupo dos Oito — constituído, depois da exclusão do Panamá, por
Argentina, Brasil, Colômbia, México, Peru, Uruguai e Venezuela —, na qual
a questão da dívida externa foi o principal ponto. A essa altura, porém,
as autoridades da área econômica já entendiam que a dívida externa era
impagável, devendo o seu equacionamento subordinar-se a ajustes econômicos
internos.
[12] Combate
à Inflação
- No
início do governo SARNEY, houve uma relativa queda da inflação. O índice
de abril de 1985 — 7,2% — foi o menor apurado desde 1983. Em julho,
ressalvando que estava consolidada a abertura política e chegara o momento
da “abertura econômica e social”, o governo anunciou as metas gerais para
a área econômica: crescimento a taxas anuais de 5% e 6%, redução do
déficit público para conter a inflação, implantação do orçamento único,
saneamento financeiro das empresas estatais e combate à miséria.
- Em 26 de
agosto, contudo, sob intensa pressão por causa de seu programa
anti-inflacionário de orientação liberal, cujas metas principais — a
reversão do processo inflacionário, o saneamento do setor público e o
equilíbrio das contas externas — colidiam com a prioridade dada por SARNEY
ao crescimento econômico, Francisco Dornelles demitiu-se do Ministério da
Fazenda. Seu substituto, o empresário Dílson Funaro, assumiu o cargo
anunciando a intenção de conciliar o combate à inflação com a retomada do
crescimento. Já no mês seguinte, em reunião do FMI, o novo ministro
pronunciou-se contra a política recessionista do órgão, defendendo a recuperação
econômica pela via do desenvolvimento. O governo estabeleceu, então, a
meta de 6% para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em função da
qual deveria ser equacionada a administração da dívida externa, cujo
pagamento não poderia trazer recessão. Ao fim do primeiro ano de governo,
porém, a inflação chegou a 255,16%, tendo registrado em janeiro de 1986 um
novo recorde mensal, de 16,2%.
- Em 28 de
fevereiro de 1986, SARNEY anunciou o Plano de Estabilização Econômica.
Desde meados do ano anterior, técnicos vinham sendo enviados a Israel para
estudar a experiência de combate à inflação por métodos heterodoxos, que
vinha obtendo êxito no país. Recolhidos os subsídios, organizou-se um
grupo, integrado pelos economistas João Sayad, Pérsio Arida, André Lara
Resende e Francisco Lopes, com o objetivo de formular um programa para o
Brasil. O Plano Cruzado, como ficou conhecido, visava basicamente a reverter
o processo inflacionário, estabelecendo, entre outras medidas, uma reforma
monetária, com o corte de três zeros no cruzeiro e sua substituição por
uma nova moeda, o cruzado; o congelamento dos preços por um ano e também
dos salários, pelo valor médio dos últimos seis meses, acrescido de um
abono de 8%; a criação do “gatilho salarial”, pelo qual, toda vez que a
inflação atingisse ou ultrapassasse o patamar de 20%, os salários
receberiam um reajuste automático no mesmo valor, sendo as diferenças
negociadas nos dissídios das categorias; a extinção da correção monetária;
a instituição do seguro-desemprego e a criação do Índice de Preços ao
Consumidor (IPC) para a correção das poupanças e aplicações financeiras
superiores a um ano.
- Pronunciando-se
por meio de cadeia de rádio e televisão, SARNEY convocou a população para
fiscalizar o respeito às tabelas de preços. Em resposta, estabelecimentos
comerciais foram denunciados, e muitos gerentes, detidos. O plano recebeu
uma adesão quase consensual, registrando-se a oposição feita pelo
governador do estado do Rio, Leonel Brizola, pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) e pelas direções sindicais ligadas à Central Única dos
Trabalhadores (CUT). Em 14 de abril, SARNEY anunciou que o custo de vida
caíra em março, configurando-se, portanto, uma conjuntura de deflação.
Três dias depois o plano foi aprovado pelo Congresso.
- Em meados
de 1986, contudo, a situação econômica já se tornara crítica novamente. O
fornecimento começou a ser boicotado, e as mercadorias passaram a ser
vendidas com ágio. Diante do recrudescimento da inflação, em 23 de julho o
governo adotou um novo conjunto de medidas econômicas, destinadas a criar
condições para que o Brasil ocupasse “seu grande espaço no século XXI”. O
plano previa o crescimento do PIB a taxas superiores a 7% ao ano, e os
recursos para financiá-lo viriam de mecanismos basicamente fiscais que
comporiam o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), entre os quais um
empréstimo compulsório de 10% a 30% na compra de automóveis e de
combustíveis, uma taxa de 25% sobre as vendas de dólares e passagens
aéreas internacionais e isenção do imposto de renda para aplicações de
capitais estrangeiros nas bolsas de valores.
- O
governo manteve o congelamento até as eleições de novembro, tentando obter
maiores dividendos políticos. A popularidade de SARNEY era alta, o que
estimulou o ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, a propor
que se criasse em torno dele um partido político. A estratégia eleitoral
deu certo, e o PMDB venceu nos principais estados.
- Ainda se
apuravam votos quando o governo decretou, em 21 de novembro, o Plano
Cruzado II, que descongelou os preços de produtos e serviços, liberou os
preços dos aluguéis para serem negociados entre proprietários e inquilinos
e alterou o cálculo da inflação, que passou a ser medida com base nos
gastos das famílias com renda de até cinco salários mínimos. O resultado
imediato foi um aumento generalizado de preços, levando a população a
perder a confiança no governo.
- A
situação tornou-se crítica também na equipe governamental. Em fevereiro de
1987, Aureliano Chaves, ministro da Minas e Energia, declarou à imprensa
que o Plano Cruzado falhara por ter sido usado com fins eleitorais. Em
seguida, o ministro do Planejamento, João Sayad, que tivera recusado um
conjunto de propostas de estabilização econômica, que previam um aumento e
um novo congelamento de preços, demitiu-se em 17 de março, sendo
substituído por Aníbal Teixeira, titular da Secretaria Especial de
Assuntos Comunitários (SEAC). Ainda em março, SARNEY participou em São
Paulo de reunião com um grupo de empresários que o pressionaram a definir
um novo programa econômico que liberasse os preços, extinguisse o “gatilho
salarial” e reduzisse os custos financeiros. Também os governadores do
PMDB agiam no sentido de obter do governo novas definições para a
economia, exigindo ainda reformas ministeriais.
- Em 26 de
abril, Funaro anunciou publicamente seu pedido de demissão, apresentado ao
presidente dois dias antes, e criticou “a impunidade generalizada” no
governo, que teria provocado o fracasso do Plano Cruzado. Três dias
depois, assumiu seu substituto, Bresser-Pereira, secretário de Ciência e
Tecnologia de São Paulo.
- Com a
inflação de maio chegando a 23,26%, SARNEY adotou, em 12 de junho, o Plano
Bresser: novo congelamento, por três meses, de preços, aluguéis e
salários; extinção do subsídio ao trigo e adiamento de obras públicas já
planejadas, a fim de conter o déficit público, considerado responsável pela
inflação. Em 9 de julho, Bresser apresentou a SARNEY seu Plano de
Consistência Macroeconômica, que propunha cortes nos gastos do governo em
projetos e no custeio da máquina governamental e a redução da meta de
crescimento do PIB nos três anos seguintes, estimada em 6% ao ano; tais
medidas foram adotadas pelo governo duas semanas depois. Em 18 de
dezembro, porém, o ministro se demitiu, por não ter conseguido apoio de SARNEY
para o novo conjunto de medidas com que pretendia resolver os problemas do
déficit público e da inflação. Foi substituído por Maílson da Nóbrega,
secretário-geral do Ministério da Fazenda, que assumiu interinamente. No
fim do ano, a inflação atingiu o índice de 366% e, em 6 de janeiro de
1988, Maílson foi efetivado.
- O novo
ministro apelidou sua estratégia de luta contra a inflação de
“feijão-com-arroz”. Tratava-se de conviver com a inflação sem medidas
drásticas, apenas fazendo ajustes parciais com o objetivo de evitar a
hiperinflação. Na gestão de Maílson, SARNEY assinou, em maio, três decretos-leis
e um decreto introduzindo alterações na política industrial: facilidades
para a importação — redução do imposto de 105 para 70% — e exportação —
suspensão do controle prévio pelo governo — e reformulação do Conselho de
Desenvolvimento Industrial (CDI). A nova orientação rompeu com a política
de substituição de importações e de protecionismo tarifário em vigor
durante quase meio século, iniciando um movimento de adequação da economia
ao mercado mundial que se concretizaria em governos posteriores.
- Como a
inflação acumulada tivesse passado dos 366% em 1987 para 933% no fim de
1988, Maílson apresentou, em 15 de janeiro de 1989, um novo conjunto de
medidas, o Plano Verão: congelamento de preços, salários e tarifas;
substituição do cruzado pelo cruzado novo, com três zeros a menos e
desvalorizado em 18,32% em relação ao dólar; extinção da correção
monetária; política de gastos do governo subordinados à arrecadação;
privatização de estatais; demissão de servidores; extinção dos ministérios
da Habitação e Bem-Estar Social, da Reforma e Desenvolvimento Agrário, da
Irrigação, da Ciência e Tecnologia e da Administração; remanejamento de
atribuições e fechamento de grande número de órgãos federais e autarquias.
- O plano
não obteve êxito. Em setembro, SARNEY e seus ministros da área econômica
atribuíram à proximidade das eleições a aceleração inflacionária do mês em
curso. Ao fim do mandato de SARNEY, os números mostrariam uma inflação de
2.751% acumulada de fevereiro de 1989 a fevereiro de 1990.
[13] Política
externa
- A
política externa da Nova República foi inaugurada em 14 de junho de 1986,
com um lance de alta significação simbólica do ponto de vista do processo
de desmontagem do regime militar. Nesse dia, foram reatadas as relações
diplomáticas com Cuba, rompidas pelo governo militar em 1964. A medida,
justificada como um passo no processo de integração latino-americana,
seria complementada em janeiro do ano seguinte, com a inauguração do
sistema de discagem telefônica direta entre os dois países.
- Em 30 de
julho de 1986, SARNEY assinou em Buenos Aires, com Raúl Alfonsín,
presidente da Argentina, a Ata para a Integração Argentino-Brasileira,
conjunto de acordos econômicos e políticos bilaterais, mas abertos à
adesão de outros países da região, voltados para a formação de um futuro
mercado comum latino-americano. Alfonsín retribuiria a visita em dezembro,
incrementando o processo de integração, que obedeceu, num primeiro
momento, a motivações mais políticas do que econômicas. Tratava-se de, por
meio da criação de interesses econômicos comuns, lançar bases para a
superação da tradicional rivalidade que desde a época colonial
antagonizava os dois países. O Programa de Integração e Cooperação
Econômica, instituído na ocasião, anunciou, pela primeira vez
explicitamente, o propósito de instituir um “espaço econômico comum” em
que setores da economia dos dois países se complementariam. Com o fim da
guerra fria, simbolizada pela queda do Muro de Berlim em novembro de 1989,
e a consequente abertura dos países ex-comunistas aos investimentos
capitalistas, iria acirrar-se a concorrência entre as áreas periféricas
por capitais, e as alternativas de integração regional assumiriam importância
estratégica. Nesse quadro, a aproximação com a Argentina, iniciada no
governo SARNEY, resultaria, em 1991, na criação do Mercado Comum do Sul
(Mercosul), reunindo também o Paraguai e o Uruguai, cujo início do
funcionamento foi marcado para 1995.
- Outra
questão importante no relacionamento externo foram os conflitos com os EUA
sobre a política de reserva de mercado da informática, em vigor desde
1984. Alegando prejuízos de cerca de meio bilhão de dólares com o
desrespeito aos direitos de propriedade sobre softwares praticado
no Brasil, o presidente americano, Ronald Reagan, para forçar o governo a
alterar a legislação, ameaçou, em fevereiro de 1986, rever as concessões
tarifárias para as exportações brasileiras.
- Embora
resistisse a mudar a Lei de Informática, SARNEY enviou ao Congresso, em
abril de 1986, projeto regulamentando a venda e os direitos de propriedade
dos softwares, que mantinha a reserva de mercado mas
facilitava a entrada de programas estrangeiros. Insatisfeito com a posição
do Brasil, o governo dos EUA extinguiu em janeiro de 1987 o sistema preferencial
de tarifas que beneficiava vários produtos brasileiros, como autopeças,
álcool e artigos de couro, passando a gravá-los com taxas que variavam de
5% a 10%. Em dezembro, o Congresso brasileiro aprovou a Lei de
Comercialização de Softwares, regulamentada em abril do ano
seguinte. Os EUA suspenderam as pressões sobre o Brasil em 1989, mas a
reserva de mercado só seria extinta em outubro de 1992, em decorrência do
fim da validade da lei que a criara em 1984.
[14] As
lutas sociais no campo e na cidade
- Refletindo
o processo de concentração da propriedade rural, incrementado durante o
regime militar, a partir de 1985 as reivindicações dos trabalhadores do
campo se intensificaram. A radicalização dos conflitos com fazendeiros e
seus empregados pela posse da terra elevaria o número de assassinatos de
posseiros por grileiros de terras.
- Em maio
de 1985, SARNEY anunciou o Plano Nacional de Reforma Agrária, cuja meta
era assentar, em 15 anos, cerca de sete milhões de trabalhadores rurais,
dos quais 1,4 milhão até 1989. Depois de difíceis negociações, o plano
entrou em vigor por decreto de 10 de outubro.
- No
campo, contudo, a questão agrária assumia contornos cada vez mais
violentos, e trabalhadores e proprietários rurais começavam a
organizar-se, respectivamente, no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) e na União Democrática Ruralista (UDR). Em maio de 1986 o
padre Josimo Morais Tavares, de São Sebastião do Tocantins (PA),
coordenador da Pastoral da Terra da CNBB e aliado dos posseiros da região
em conflito com grandes proprietários, foi assassinado em Imperatriz, no
Maranhão. Um pistoleiro confessou o crime e foi condenado a 18 anos de
prisão. Conflitos semelhantes reproduziam-se nas áreas de fronteira
agrícola, especialmente na Amazônia e no Centro-Oeste. Em vista das
circunstâncias, SARNEY, ainda em maio, delegou ao ministro da Justiça,
Paulo Brossard, a coordenação do equacionamento da violência no campo, com
poderes até para mobilizar as forças armadas.
- A intervenção
na raiz do problema — a propriedade da terra — mostrou-se, contudo,
difícil, e em 23 de junho de 1987 o governo reduziu em 70% a meta de
assentamentos para 1987-1988. Em dezembro de 1988, o seringueiro Francisco
(Chico) Mendes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Xapuri, no Acre, foi assassinado. Sua morte tornou-se símbolo da luta
contra a violência no campo, motivando amplos atos de protesto no país e
no exterior.
- Em
outubro de 1989, a Anistia Internacional denunciou que em 1988 haviam sido
registrados no Brasil 50 assassinatos em que as vítimas eram camponeses, religiosos
e sindicalistas, e os assassinos, pistoleiros a serviço de proprietários
rurais. No fim do mandato, SARNEY assentara apenas 80 mil famílias,
ficando muito aquém da meta anunciada em 1985.
[15] A
eleição de 1989
- A
sucessão de SARNEY abriu caminho para a primeira eleição direta para
presidente após 29 anos e foi a mais disputada do período republicano. Dos
24 candidatos participantes, os mais expressivos, do ponto de vista
político, eram Aureliano Chaves (PFL), Fernando Collor (Partido da
Reconstrução Nacional — PRN), Guilherme Afif Domingos (Partido Liberal —
PL), Leonel Brizola (PDT), Luís Inácio Lula da Silva (PT), Mário Covas
(PSDB), Paulo Maluf (PDS), Roberto Freire (PCB), Ronaldo Caiado (Partido
Social Democrático — PSD) e Ulysses Guimarães (PMDB).
- A
disputa, marcada por grandes comícios, iniciou-se sob a liderança de
Brizola e Lula, mas logo Collor assumiu a dianteira nas pesquisas de
intenção de voto. Sua campanha girava em torno do combate à corrupçã,o e SARNEY
foi transformado em emblema de séculos de irregularidades administrativas.
- Apenas a
candidatura do empresário e animador de televisão Sílvio Santos, lançada
15 dias antes do primeiro turno pelo pequeno Partido Municipalista
Brasileiro (PMB), surgiu como ameaça à trajetória fulminante de Collor.
Pesquisas de opinião apontavam o apresentador como preferido de cerca de
30% das intenções de voto, a maior parte nas classes mais pobres, nas
quais o candidato do PRN vinha obtendo grande apoio. SARNEY, embora
aparentasse neutralidade em face do processo sucessório, seria beneficiado
com essa candidatura, que o livraria do risco de que Collor fizesse, como
vinha ameaçando, uma devassa em sua administração, caso vencesse o pleito.
Em junho de 1989, SARNEY vetara alguns artigos da lei de regulamentação eleitoral
aprovada no Congresso, entre os quais o que limitava o prazo de filiação
partidária. Graças a isso, Sílvio Santos pudera filiar-se ao PMB e ameaçar
a posição de Collor. Imediatamente, pedidos de impugnação da candidatura
do empresário foram apresentados ao TSE, denunciando, principalmente, sua
condição de proprietário de uma rede de televisão. A campanha do PRN
capitalizaria o episódio, explicando-o como uma manobra de SARNEY contra
seu candidato.
- Durante
o horário eleitoral gratuito, em 4 de novembro, SARNEY foi classificado
por Collor de “corrupto, incompetente e safado”. No exercício do direito
de resposta, o presidente, que abriu um processo por calúnia e difamação
contra o candidato do PRN, compareceu ao seu programa eleitoral de 7 de
novembro. Acusando Collor de estar “profundamente transtornado”, evocou o
país como testemunha da brutalidade com que estaria sendo agredido por ele
e deixou no ar a indagação: “O que não faria no poder quem não respeita,
simples candidato, o presidente da República?”
- Em 14 de
novembro, véspera da data do centenário da República e da eleição, SARNEY
convocou rede nacional de rádio e televisão para reivindicar para si o
mérito das conquistas democráticas registradas desde o fim do regime
militar. Exaltado, listou seus feitos: estabelecimento da liberdade
sindical, convocação da Assembleia Nacional Constituinte, conclusão da
anistia política etc. A obra da transição democrática seria consumada com
a eleição presidencial do dia seguinte, certamente “a mais livre, a mais
limpa e a mais democrática de toda a nossa história”.
- O
primeiro turno das eleições contou com a participação de 82.074 milhões de
eleitores, 88% do eleitorado. Passaram para o segundo turno Collor, com
28,52% dos votos, e Lula, com 16,08%. No dia seguinte, frisando que falava
como cidadão e não como presidente, SARNEY revelou ter votado em
Aureliano, “porque é um homem de bem”. Em seguida, declarou que exerceria
o mandato até o último dia e não negociaria uma posse antecipada de seu
sucessor.
- Com o
apoio de candidatos derrotados no primeiro turno, a candidatura de Lula
cresceu rapidamente. Para derrotá-la, Collor lançou mão de inúmeros
recursos, entre os quais a radicalização do discurso de oposição a SARNEY,
que passou a personalizar todos os males do país: privilégios,
irresponsabilidade, baixa qualidade dos políticos, negociatas etc.
- Os
ataques talvez tenham atingido SARNEY no plano pessoal. O fato é que este,
em 30 de novembro, desfrutando de índices de popularidade muito baixos e
com sintomas de hipertensão arterial, cancelou sua agenda e recorreu a
serviços médicos. No dia seguinte, após nova crise, circularam notícias de
que estaria deprimido com injustiças de que vinha sendo vítima da parte do
candidato do PRN. Posteriormente, contudo, seriam divulgadas informações
sobre a verdadeira intenção das diatribes lançadas por Collor contra SARNEY.
Segundo o Jornal do Brasil, (22/7/1990), tratava-se de uma
tática destinada a consolidar a imagem de oposicionista radical e evitar a
vitória de Lula. O presidente teria sido informado da situação no início
de dezembro por um emissário de Collor, que lhe pediu para assimilar os
golpes em nome de um interesse comum.
- Segundo
o livro A história real, o presidente e os dez ministros mais
importantes de sua equipe reuniram-se em 7 de dezembro de 1989 para
discutir a possibilidade de renúncia de SARNEY e a consequente antecipação
da posse do novo presidente, prevista para 15 de março de 1990. A proposta
surgira no governo, tendo partido do receio que a equipe econômica nutria
de que em dezembro a inflação chegasse a 150%, deixando para o futuro
presidente uma situação explosiva. SARNEY, diante da falta de consenso
entre os ministros, teria descartado a ideia de renúncia e, no dia
seguinte, afirmou que a transição para a democracia fora “totalmente
realizada” no seu governo e que seu sucessor iria “governar com o país
estruturado e com um povo treinado e habituado à democracia”.
- Realizado
o segundo turno, Collor venceu com 35,08 milhões de votos (42,75%) contra
31,07 milhões (37,86%) dados a Lula. Iniciou-se, então, um conturbado
processo de transição administrativa. Ainda sob efeito de ameaças de
Collor, SARNEY anunciou, em 21 de dezembro, que não temia uma devassa em
seu governo e que ordenara ao chefe da Casa Civil, Luís Roberto Ponte, que
liberasse todas as informações para a assessoria do presidente eleito.
Logo em seguida, porém, começaram a circular rumores de que Collor pretendia
ter com ele um encontro formal antes da posse. SARNEY fez o último gesto
de colaboração com Collor em 12 de março de 1990, quando, a pedido deste,
encaminhou nomes por ele indicados para a diretoria do Banco Central e
decretou feriado bancário a partir do dia seguinte. A providência
constituía um preparativo para o conjunto de medidas de natureza
econômico-financeira que Collor adotaria já no dia de sua posse, em 15 de
março.
[16] De
volta ao Senado
- SARNEY
não conseguiu articular sua candidatura ao Senado com as forças políticas maranhenses,
que optaram por Epitácio Cafeteira, o que resultou na ruptura política dos
dois. Participou, então, da primeira eleição no novo estado do Amapá, que,
de acordo com as Disposições Transitórias da Constituição de 1988,
deixaria a condição de território em 1º de janeiro de 1991, devendo,
portanto, eleger em 1990 governador, deputados e três senadores. Lançado
candidato pelo PMDB, SARNEY sofreu impugnação, porque o partido registrara
a chapa com apenas um suplente, contrariando a legislação, que exigia
dois. Um recurso ao STF, deferido uma semana antes da eleição, garantiu-lhe
o direito de disputá-la.
- Cercado
de grande expectativa, porque era forte a opinião de que SARNEY teria mais
recursos para defender os interesses do Amapá no plano federal do que o
futuro governador, o pleito foi realizado em 3 de outubro de 1990. SARNEY
foi eleito senador com 53.004 votos (58,04%), à frente do empresário
Henrique Almeida, também peemedebista, que recebeu 27.237 (29,82%). O
terceiro eleito foi Jonas Borges, do PTB.
- Empossado
em fevereiro de 1991, nos primeiros meses de mandato SARNEY deu
preferência aos trabalhos de gabinete, mantendo-se afastado do plenário.
Só em maio, quando ex-membros de sua equipe foram nomeados para cargos de
expressão no governo federal, manifestou no Senado seu apoio político a
Collor. No entanto, com o agravamento, em maio do ano seguinte, da crise
desencadeada por denúncias de corrupção contra Collor e seus
colaboradores, apoiou discretamente, por meio de seus filhos Roseana e
José SARNEY Filho, o movimento em prol da substituição do presidente pelo
vice Itamar Franco.
- Em
meados de agosto, porém, rompeu o silêncio em relação à crise, mantido,
segundo explicou, porque “não queria agravar a situação nacional”. Declarando-se
estarrecido com as conclusões da CPI que investigava as relações
irregulares do empresário Paulo César Farias, o PC, tesoureiro da campanha
de Collor, com o governo, manifestou-se a favor da decretação do impeachment do
presidente, bandeira de uma campanha que vinha empolgando o país. Do seu
ponto de vista, a crise evidenciava a falência do presidencialismo — em
cuja defesa, aliás, usara em 1988 de todos os poderes que a posição de
presidente lhe facultava — e a necessidade de implantação do parlamentarismo,
em favor da qual passou a fazer, por meio de sua filha Roseana, contatos
com os demais partidos, visando ao plebiscito previsto para 21 de abril de
1994, que, no entanto, aprovaria a manutenção do regime presidencial.
- Em 29 de
setembro de 1992, foi aprovada na Câmara, por ampla maioria, a abertura do
processo de impeachment de Collor, acusado de crime de
responsabilidade por ligações com um esquema de corrupção liderado por PC.
Com o afastamento de Collor da presidência em 2 de outubro e a posse de
Itamar Franco, SARNEY ampliou sua influência no governo federal, no qual
assumiram cargos de importância integrantes de seu círculo pessoal, como
Augusto Marzagão (Secretaria de Comunicação Institucional), Alexandre
Costa (Ministério da Integração Regional), Hugo Napoleão (Ministério das
Comunicações) e José Aparecido de Oliveira (Ministério das Relações
Exteriores). Itamar foi confirmado no cargo em 29 de dezembro, após a
renúncia de Collor e a aprovação, pelo Senado, do impeachment,
que o tornou inelegível por oito anos.
- A precariedade
política do governo Itamar, sustentado por uma instável coalizão
partidária nascida da necessidade de criar condições de governabilidade,
deflagrou um clima de disputa presidencial prematura. Pesquisas de opinião
começaram a levantar as preferências do eleitorado para outubro de 1994.
Uma delas, feita em maio de 1993, apontou SARNEY com 17% das intenções de
voto, atrás apenas de Lula, com 20%.
- Embora
declarasse não ter pretensões presidenciais, SARNEY passou a aproveitar
todas as oportunidades que surgiam para defender publicamente aspectos de
seu governo que considerava positivos. Para combater a inflação, que
continuava a afligir o país, propunha a reedição do Plano Cruzado, em cuja
vigência, no seu entendimento, “o povo brasileiro teve meses da maior
felicidade” e que só havia fracassado porque o governo não dispunha, na
época, de reservas cambiais, o que o impedira de abrir o país ao mercado
mundial.
- Suas
possibilidades eleitorais foram, porém, seriamente abaladas em outubro de
1993, quando a CPI que investigava denúncias de corrupção contra membros
da Comissão de Orçamento da Câmara levantou indícios contra amigos —
Alexandre Costa e Edison Lobão — e aliados — 15 pessoas entre 29
denunciados. SARNEY articulava, além da sua eleição para a presidência, a
de Roseana para o governo do Maranhão e as de Costa e Lobão para o Senado.
- Com sua
imagem desgastada no início de 1994, o que era apontado pelas pesquisas de
opinião, SARNEY teve sinais de que dificilmente conseguiria candidatar-se
pelo PMDB, no qual outros nomes, mais identificados com a legenda,
começavam a despontar com iguais pretensões. Tentou migrar para outra
legenda, mas não conseguiu aceitação no Partido Popular (PP) — um novo
partido, não o que se incorporara ao PMDB em 1982 — no PL, no PTB e no
PFL. Permaneceu, então, no PMDB, de cujo presidente, deputado Luís
Henrique (SC), ouviu que sua possível defecção não o preocupava, pois
entendia que o partido deveria ser integrado por “pessoas que se balizam
pela convicção, não pela conveniência”.
- Em
seguida, aliou-se a Orestes Quércia — ex-governador de São Paulo — para
levar o PMDB a romper com Itamar, que, a seu ver, “se distanciara da
classe política”, reduzindo a governabilidade da administração. A aliança
foi interpretada por setores políticos e da opinião pública como uma
tentativa de abrir caminho para que um dos dois, o que estivesse mais bem
situado nas pesquisas, saísse candidato à presidência pelo PMDB. Ainda em
janeiro de 1994, SARNEY adotou uma atitude de boicote ao governo, quando
seu grupo na Câmara se ausentou da votação do projeto de aumento do Imposto
de Renda das empresas, frustrada por falta de quorum.
- Iniciada,
em fevereiro, a revisão constitucional prevista nas “Disposições
transitórias” da Constituição de 1988, a privatização das empresas
estatais logo polarizou as forças políticas no Congresso. A perspectiva de
redução da presença do Estado na economia, aberta pelas primeiras
discussões revisionais, provocou uma vigorosa alta nos índices de negócios
das bolsas de valores. SARNEY tentou assumir no Congresso a liderança das
forças privatistas, advertindo os parlamentares para a necessidade de
prevenir uma provável vitória de Lula — identificado com a defesa da
presença estatal na economia — nas eleições presidenciais de novembro: “O
Lula vai ser eleito e o Brasil tem que se vacinar contra isso. Tem que se
vacinar contra as ideias estatizantes.”
- Durante
o processo revisional, SARNEY se opôs, de início, à peça central do
conjunto de medidas fiscais apresentadas pelo governo como essenciais para
a estabilização da economia nacional — o Fundo Social de Emergência (FSE),
que ampliava a liberdade de ação do governo, permitindo que 20% dos
impostos federais escapassem das vinculações constitucionais. Logo em seguida,
contudo, o defenderia em artigo na Folha de S. Paulo (11/2/1994),
justificando-o por sua finalidade de contornar as limitações que a Constituição
de 1988 impusera ao Orçamento. Apoiou, também, as propostas do governo
para a reforma nas regras da Previdência, que aumentavam a idade mínima
para o trabalhador aposentar-se.
- Em março
de 1994, por ocasião dos entendimentos para a sucessão presidencial,
apoiou a proposta do governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães (PFL),
de uma aliança eleitoral entre o PFL e o PSDB. Simultaneamente, declarou
que não era candidato e ainda não havia escolhido um nome para apoiar, mas
que não compartilhava da “lulafobia”, referindo-se ao temor que setores
políticos manifestavam de uma possível vitória de Lula, então o nome mais
bem situado nas pesquisas de opinião. Permanecia, contudo, como uma das
opções de que o PMDB dispunha para a eleição. Entre os possíveis candidatos
do PMDB à presidência da República, situava-se, com Antônio Brito,
ex-ministro da Previdência, entre os mais cotados, ambos com a preferência
de 24% dos entrevistados, bem à frente do governador de São Paulo, Luís
Antônio Fleury Filho, e de Quércia. Entretanto, quando as pesquisas
consultavam o público externo ao partido, solicitando-lhes o nome de um
candidato sem apresentar opções, SARNEY era objeto de apenas 1% das
intenções de voto.
- A
postulação de Quércia à legenda do PMDB na eleição presidencial criou uma
nova situação para SARNEY. A bancada do partido no Senado tentou encontrar
um adversário em condições de enfrentar o ex-governador paulista, e buscou
convencer SARNEY a disputar a consulta prévia para a indicação. SARNEY,
porém, condicionou sua participação à formação de um consenso sobre seu
nome, situação, àquela altura, pouco plausível. Depois de tomar
conhecimento dos resultados de uma pesquisa que o colocava em segundo
lugar, empatado com Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e atrás apenas de
Lula, viajou para Paris em fins de março, deixando para seus
correligionários um recado: “Não se esqueçam de mim.” No exterior,
explicou que não era candidato e que apenas desejava ajudar o PMDB a
encontrar uma candidatura de consenso.
- No
entanto, seu nome continuava despertando resistências de setores do
partido, que também rejeitavam Quércia, cuja situação nas pesquisas de
intenção de voto era muito pouco alvissareira. O líder do PMDB na Câmara,
Tarcísio Delgado (MG), por exemplo, era taxativo em relação a ele: “É
oficialmente do PMDB, mas não é peemedebista.” SARNEY, embora reconhecesse
que sua convivência com o PMDB nunca fora “muito tranquila”, achava-se com
“saldo credor” no partido, referindo-se à “eleição do cruzado”, em
novembro de 1986: “Elegi 22 governadores do partido e a maioria do
Congresso e nunca me afastei de seu programa.”
- A seu
favor, podia contar com a simpatia de governadores e parlamentares
peemedebistas, que certamente lhe garantiriam votos na prévia e na
campanha. Fora do PMDB, atrairia parcela ponderável dos pefelistas e, no
PTB e no PPR, os seus tradicionais correligionários. Por fim, mas não
menos importante, sua situação nas pesquisas, sempre em posição
intermediária e próxima do segundo colocado, viabilizava o projeto
eleitoral. Por isso, ele próprio vinha distribuindo aos senadores cópias
de pesquisas de opinião em que aparecia com melhores perspectivas do que
Quércia e, até mesmo, previsões de “bruxos” maranhenses que prediziam sua vitória.
O mote de sua campanha seria a ideia de que era “o homem público mais
experiente que existe no Brasil”. A passagem pela presidência da República
teria funcionado como um laboratório: “Errei muito e foi um importante
aprendizado. Agora estou muito mais preparado para tirar o país da crise.”
- Todo
esse empenho era, contudo, dissociado pelo deputado SARNEY Filho (PFL-MA)
da eleição para a presidência: “Meu pai não tem ambição de voltar a ser
presidente. Mas quer ser tratado na campanha com a deferência que os
índices das pesquisas eleitorais lhe garantem.” De fato, SARNEY parecia
atirar em várias direções simultaneamente. Fez com Quércia um acordo de
não agressão dentro do partido e, ao mesmo tempo, encarregou sua filha
Roseana de transmitir ao candidato do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, sua
disposição de aliar-se a ele, caso vencesse as prévias.
- A
consulta prévia foi marcada pelo conselho nacional do PMDB para 8 de maio
de 1994, quando deveriam ser ouvidos cerca de 250 mil filiados. Quércia
opôs-se à sua realização, certo de que seria vitorioso se a escolha do
candidato fosse feita pela convenção — na qual, entre 168 convencionais
ouvidos pela Folha de S. Paulo na última semana de março,
dispunha de apenas 52% dos votos, contra 4% de SARNEY —, e conseguiu
que a decisão fosse transferida para o diretório nacional, alegando que o
mecanismo de consulta ainda não fora regulamentado. Reunido em 6 de abril,
o diretório decidiu realizar uma prévia restrita, reduzindo o colégio
eleitoral de 250 mil para 30 mil — governadores, parlamentares e
dirigentes do partido. A redução beneficiava Quércia. SARNEY criticou a
medida, mas comprometeu-se a apoiar o vencedor.
- Enquanto
trabalhava por seus interesses eleitorais, SARNEY ausentou-se das
atividades de revisão da Constituição, cuja necessidade classificara
publicamente de imperiosa. A Confederação das Associações Comerciais do
Brasil organizou, com base nas dez votações mais importantes do Congresso
revisor, um cadastro dos parlamentares menos assíduos até fins de março,
revelando-se que SARNEY não estivera presente a nenhuma sessão.
- SARNEY
increveu-se nas prévias partidárias em 12 de abril. Também registraram
seus nomes Quércia e Roberto Requião, senador pelo Paraná. Todos os
candidatos assinaram um termo de compromisso de apoio ao vencedor. SARNEY
anunciou os pontos básicos da sua plataforma, caso se tornasse o candidato
da legenda: “Precisamos de uma grande parceria internacional, na qual não
poderíamos prescindir de uma participação dos Estados Unidos. Precisamos
instalar aqui os ‘Tigres da América do Sul’, rasgar o Brasil com estradas,
construir a Norte-Sul, a Leste-Oeste. Temos que fazer o Merconorte, abrir
aquela área até Georgetown, em acordo com a Guiana. Faríamos um
entreposto, uma abertura do Brasil para o Caribe.” Usando, pela primeira
vez na história política do país, o fracasso como argumento de campanha,
arvorou-se na posição de mais credenciado para o exercício da presidência:
“Tenho uma visão do país que nenhum candidato pode ter. Tenho a visão do
êxito e do fracasso.” Alguns dias depois, afirmou que era o melhor
candidato do PMDB porque tinha experiência e era um dos poucos
ex-presidentes que admitiam os erros cometidos: “O Plano Cruzado II foi o
grande erro do meu governo.”
- Estimulado
por pesquisas realizadas na primeira semana de abril, em que aparecia com
12% das intenções de voto, atrás de Lula (33%) e Fernando Henrique Cardoso
(19%) e à frente de Quércia (8%), aproximou-se de Requião visando a uma
atuação em conjunto contra o ex-governador paulista. Embora nenhum dos
dois admitisse retirar-se da disputa, traçaram um plano de atuação, pelo
qual SARNEY manteria o estilo moderado, sem críticas diretas a Quércia, e
Requião, que já promovera uma campanha agressiva contra ele, o atacaria
explicitamente, explorando as denúncias de corrupção contra seu governo em
São Paulo.
- Enquanto
um grupo intitulado Associação Brasileira dos Amigos do Plano Cruzado
(Abraplac) espalhava por São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília outdoors de
propaganda de sua campanha, SARNEY procurava reforçar seus argumentos.
Dizendo-se à disposição do povo brasileiro para “prestar este serviço à
nação”, anunciava que, se vencesse, proporia a instalação de plataformas
de exportação no Sul, semelhantes às da Ásia. Por entender que não se
podia apresentar uma estratégia de desenvolvimento econômico desvinculada
de um plano social, defendeu o restabelecimento dos programas do leite e
de suplementação alimentar, que desenvolvera em seu governo, e a criação
do Programa do Pão.
- Às
vésperas da realização das prévias, porém, SARNEY manifestou restrições à
sua organização: “Há um certo tumulto; os eleitores estão desmobilizados”,
disse. Na verdade, a vitória de Quércia, que controlava a esmagadora
maioria dos futuros convencionais, parecia inevitável. No dia 13, SARNEY,
denunciando a existência de um esquema de “aliciamento eleitoral” nos
estados, sem, entretanto, citar nomes, anunciou que desistia de disputar as
prévias. Assim evitava que, derrotado por Quércia, fosse obrigado a
apoiá-lo: “Não posso encerrar minha vida pública como cabo eleitoral do
senhor Quércia”, disse. Restava-lhe a possibilidade de concorrer a
presidente da República através de um micropartido, o que dependia de
decisão do STF quanto ao pedido de reabertura do prazo de filiação partidária,
feito pelo Partido Social Cristão (PSC). Se o prazo, que se esgotara em
janeiro, fosse reaberto, SARNEY poderia filiar-se a uma das inexpressivas
legendas disponíveis e tentar uma coligação com o PFL ou com um partido
médio, como PP ou PTB, garantindo um tempo dilatado no horário eleitoral
gratuito.
- Alguns
dias depois, a situação de SARNEY como postulante à presidência da
República se definiu. Realizadas as prévias em 16 de maio, Quércia saiu
vencedor. O STF rejeitou no dia 18 o pedido de reabertura do prazo de
filiação partidária. Finalmente, a convenção nacional do PMDB homologou,
em 21 de maio, o nome de Quércia.
- Com sua
exclusão definitiva das eleições de 1994, SARNEY passou a descrever a
conjuntura política em tons sombrios. Para ele, o país atravessa uma grave
crise que poderia gerar um colapso institucional e tinha raízes numa
suposta instabilidade da sucessão presidencial, marcada pela “lulafobia”
dos candidatos e pelo caráter elitista da candidatura de Fernando
Henrique, a quem acusou de, como ministro da Fazenda, ter cortado cinco
milhões de dólares dos recursos da saúde pública, enquanto transferia 15
milhões de dólares aos bancos por meio das altas taxas de juros. Entendia,
também, que não havia adversários para Lula e previa dificuldades para um
possível governo petista, que seria pressionado por reivindicações de
melhoria de salários e distribuição de terra, vindas dos seus próprios
aliados, e não teria maioria no Congresso. O quadro se agravaria em
consequência do que chamou de “falta de comando” no PT, reconhecida,
segundo ele, pelo próprio candidato: “Isso é um prenúncio de um caos
político. Se o candidato a presidente favorito nas pesquisas não comanda o
seu partido, quem comanda? Como ele vai comandar o país? Como vai tratar
com a oposição?”
- Em
meados de maio, fechou um acordo com o candidato do PSDB à presidência.
Segundo foi noticiado na imprensa, receberia por seu apoio a garantia da conclusão
da ferrovia Norte-Sul e a retomada do Programa do Leite. SARNEY teria
exigido, também, que Fernando Henrique se empenhasse pessoalmente para que
o PSDB do Maranhão apoiasse a candidatura de Roseana ao governo do estado.
Em consequência do acordo, SARNEY Filho passaria a integrar o comando da
campanha presidencial.
- Simultaneamente,
SARNEY e seu grupo deliberaram aproveitar o momento eleitoral para debater
com aliados a criação de um partido. Seu filho explicou que o projeto se
justificava porque a “democracia não sobrevive sem partidos fortes”, e seu
pai já contava com uma bancada informal de 50 parlamentares de diversos
partidos. Pela diversidade de suas alianças, em alguns estados o
ex-presidente faria campanha contra o PMDB, o que não lhe traria problemas:
“Ele não tem compromissos.”
- O apoio
da família SARNEY à candidatura de Fernando Henrique foi oficializado em
20 de julho, quando Roseana anunciou a incorporação de seu irmão ao
comando da campanha e afirmou que seu pai só divulgaria sua posição individual
no segundo turno das eleições. Na prática, contudo, SARNEY já trabalhava
intensamente pelo candidato, articulando o fim do apoio formal do PMDB a
Quércia — então processado sob a acusação de ter feito importações ilegais
quando governador de São Paulo — e a adesão do partido a Fernando
Henrique.
- Nesse
contexto, em setembro o nome de SARNEY surgiu, para o PFL e o PTB, como
uma alternativa para a presidência do Senado, caso o PSDB, vitorioso o seu
candidato, tencionasse governar sozinho ou com alianças à esquerda. SARNEY
seria lançado candidato credenciado por seus laços de amizade com Antônio
Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia e um dos principais chefes do
PFL, e pela confiança que a cúpula desse partido lhe creditava. O controle
pefelista do Congresso se completaria com a eleição de Luís Eduardo
Magalhães, filho de Antônio Carlos, para a presidência da Câmara. Em fins
de setembro, SARNEY declarou que aceitaria ser presidente do Senado se
recebesse a missão de comandar a reforma constitucional proposta pelo
candidato Fernando Henrique: “Não desejo o cargo, mas aceitaria se fosse
como missão específica para executar um projeto de interesse nacional,
como o projeto de reformas institucionais.”
- Em 3 de
outubro de 1994, Fernando Henrique foi eleito presidente da República. No
Maranhão, as eleições submeteram SARNEY a uma dura prova, com acusações de
uso da máquina estadual, por parte da família SARNEY, em benefício da
candidatura de Roseana a governadora. A disputa eleitoral foi extremamente
acirrada. Nenhum candidato conseguiu votos suficientes para ganhar no
primeiro turno, e Roseana e Epitácio Cafeteira passaram ao segundo turno.
Finalmente, Roseana foi eleita, sagrando-se a primeira governadora do
país.
- No
Amapá, onde seu prestígio político também estava em jogo, SARNEY apoiou
João Alberto Capiberibe, candidato do Partido Socialista Brasileiro (PSB),
vencedor no segundo turno à frente de uma coligação de partidos de
esquerda. A adesão da facção liderada por SARNEY foi considerada decisiva
para esse resultado, porque significou ajuda dos empresários do estado e
espaço em jornais e emissoras de rádio e TV, até então hostis ao
candidato.
- Nesse
ínterim, a campanha de SARNEY para a presidência do Senado, que, em vista
das dificuldades eleitorais no Maranhão, fora relegada temporariamente a
segundo plano, passou a sofrer oposição de senadores de PSDB, PFL e do
próprio PMDB. O grupo desenvolvia uma campanha em favor da ética no
Senado, tinha SARNEY como exemplo de político ligado ao fisiologismo e
defendia a candidatura de Pedro Simon (PMDB-RS). SARNEY sofria restrições,
também, por ter sido adversário do PMDB até a formação da Aliança
Democrática, em 1985. Não seria, portanto, um legítimo representante do
PMDB, conclusão reforçada pelo fato de seus filhos pertencerem ao PFL.
Recebeu, entretanto, importante apoio do presidente eleito Fernando
Henrique e de seus aliados, que o viam como mais flexível que Pedro Simon,
o que poderia indicar que o relacionamento entre o governo e o Congresso
seria mais fácil.
- O senador
eleito Íris Resende (PMDB-GO), ex-ministro da Agricultura de SARNEY e
ex-governador de Goiás, também postulou a candidatura à presidência do
Senado. Suas propostas, que se aproximavam da plataforma de Simon, também
se voltavam para a moralização do Senado. Em nome dessa afinidade
conjuntural, Simon, que acusou SARNEY de pretender o cargo para preparar a
volta ao Planalto, e Íris combinaram que quem perdesse a disputa no
primeiro turno apoiaria o outro no segundo.
- Embora o
líder do PMDB, Mauro Benevides (CE), tenha tentado que os três candidatos
chegassem a um acordo, a disputa foi até o fim, e em 31 de janeiro de 1995
SARNEY foi escolhido candidato do PMDB à presidência do Senado por 13
votos, contra cinco dados a Simon e quatro a Íris. Pelo regimento da casa,
a presidência caberia ao PMDB, dono da maior bancada. No dia seguinte, por
ocasião da abertura dos trabalhos legislativos, SARNEY teve seu nome
confirmado pelo plenário. Quebrando a tradição da posse na casa, senadores
ligados a partidos de esquerda ainda lançaram a anticandidatura do petista
Lauro Campos (DF) para disputar simbolicamente com o PMDB, mas só
conseguiram sete votos, contra 61 dados a SARNEY.
- Os
candidatos de SARNEY conquistaram a indicação para os cargos mais
importantes do Senado: a secretaria e segunda-secretaria da mesa diretora e
ainda a liderança da bancada. SARNEY conseguiu, também, por meio de
aliados, o controle de cinco das sete comissões do Senado, justamente as
mais importantes. A liderança dos dois maiores partidos na casa coube a
Hugo Napoleão (PFL-PI) e Jáder Barbalho (PMDB-PA) — ambos ex-ministros em
seu governo —, que indicaram para as presidências das comissões outros
ex-ministros ou aliados políticos seus. A Comissão de Assuntos Econômicos
coube Gilberto Miranda (PMDB-AM) — maior cabo eleitoral na sua campanha
para a presidência do Senado —, a Comissão de Constituição e Justiça, a
Íris Resende (PMDB-GO), a Comissão de Relações Exteriores, a Antônio
Carlos Magalhães (PFL-BA) — titular da pasta das Comunicações e único
ministro que permaneceu em seu governo do começo ao fim —, e a Comissão de
Fiscalização e Controle — incumbida de fiscalizar e controlar os atos do
Executivo —, a Alexandre Costa (PFL-MA), seu amigo. Dessa maneira, SARNEY
obteve o controle da tramitação dos projetos no Senado, já que os
presidentes das comissões indicavam os relatores, encarregados de analisar
as emendas e apresentar relatório.
[17] Presidente
do Senado (1995-1996)
- Como o
presidente do Senado comanda as sessões conjuntas do Congresso, SARNEY foi
incumbido de coordenar os trabalhos de reforma da Constituição, a que
sempre responsabilizara pelos problemas institucionais. Prevendo que
haveria dificuldades para mudar alguns pontos da Carta, como a
estabilidade no serviço público e o monopólio da Petrobras, se dispôs a
dar rapidez às votações para colaborar com o governo na execução das
reformas. Embora o presidente Fernando Henrique contasse formalmente com a
sustentação de seis partidos e quase 70% dos parlamentares, teria que
negociar as medidas de interesse do governo, principalmente as modificações
no capítulo “Da ordem econômica”.
- À
posição de força que a condição de presidente das sessões conjuntas e a
pressa do governo lhe conferiam, SARNEY agregou outros recursos. Em 17 de
fevereiro, informou às lideranças dos partidos governistas que o “colégio
de líderes” não mais seria consultado pela mesa diretora para a elaboração
da pauta de votações. Extinguia-se, assim, a tradição de só submeter à
apreciação do plenário os projetos avalizados pelas lideranças, que se
reuniam periodicamente com os presidentes do Senado e da Câmara para
escolher os temas que seriam votados. Só ia a plenário o projeto sobre o
qual houvesse unanimidade. A decisão de SARNEY de levar os projetos à
votação, mesmo sem aprovação unânime dos líderes, foi entendida por
setores do Senado como uma exorbitância, pois significava que ele teria
todo o poder de escolher o que iria ou não a votação.
- Do ponto
de vista administrativo, sua gestão teve como objetivo imediato dar um
novo ritmo aos trabalhos. Criou-se uma comissão de modernização para
propor mudanças administrativas e regimentais no Senado. Em iniciativa
inédita, passou-se a elaborar com antecedência a pauta do mês e, para
garantir a assiduidade dos senadores, instituiu-se um sistema eletrônico
de registro de presença. Com tais medidas, os trabalhos tiveram andamento
mais rápido e em menos de dois meses de atividade o Senado já tinha
examinado 55 dos 66 projetos que estavam prontos para votação, alguns
parados por quase quatro anos.
- Ainda em
sua gestão, SARNEY iniciou, à frente do Senado, um conflituoso
relacionamento com o Executivo, cujas iniciativas precisariam ser
negociadas pessoalmente com ele. Um dos focos de tensão foi o uso da
medida provisória (MP), instrumento de que o presidente dispunha para
adotar providências de curto prazo, contornando a lentidão do exame no
Congresso. Criada pela Constituição de 1988 para casos em que o governo
não pudesse esperar pela aprovação de leis, a MP entrou na rotina
presidencial desde então. SARNEY se alinhava com os parlamentares que entendiam
que o Executivo vinha abusando da edição de medidas provisórias e criou
alguns obstáculos à sua tramitação no Senado na velocidade que interessava
ao governo. O uso de MPs foi objeto de um acordo do governo com o
Congresso. O presidente Fernando Henrique assumiu com líderes
parlamentares o compromisso de só editá-las em caso de urgência e
relevância; em contrapartida, os parlamentares se comprometeriam a votar
os projetos enviados pelo governo com caráter de urgência e as dezenas de
MPs acumuladas na pauta do Congresso. O governo não conseguiria, porém,
fazer a sua parte, e as MPs permaneceriam como um fator de atrito nas
relações do Executivo com o Legislativo.
- A
política econômico-financeira foi outro assunto em relação ao qual SARNEY
discordou publicamente do governo. Advertiu que “as taxas de juros
astronômicas” poderiam levar o país à recessão e se opôs à prorrogação do
Fundo Social de Emergência (FSE) até 1999, conforme projeto de emenda
constitucional concebido pelo governo. Argumentando que o Congresso não
poderia tornar definitivo um fundo criado para ser de emergência, SARNEY
entendia que o FSE prejudicava os estados e municípios. Segundo
levantamento do jornal Folha de S. Paulo (22/9/1995), a
parcela da receita que a União deveria repassar durante o ano a estados,
municípios e fundos de investimentos das regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste e era desviada para o FSE para cobrir outras despesas do
governo federal chegava, em 1995, a 1,6 bilhão de reais. Ao Amapá, uma das
duas bases eleitorais de SARNEY, caberia a perda, naquele ano, de 25,3 milhões
de reais, quantia superior à receita estadual com o ICMS (Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços) — principal fonte de receita dos
estados —, calculada em cerca de 21 milhões de reais. Já o Maranhão,
administrado por sua filha, Roseana, deveria perder uma parcela do Fundo
de Participação dos Estados superior a 25% da arrecadação do ICMS. SARNEY,
inicialmente, não aceitou sequer estender a vigência do fundo por apenas
dois anos, solução negociada com Fernando Henrique pelo relator da proposta
na Câmara, Ney Lopes (PFL-RN): “O presidente sabe da minha posição desde
quando ele era ministro da Fazenda. Eu disse a ele e ao então presidente
Itamar Franco que minha resistência era doutrinária, e não política”,
afirmou. Acabou, no entanto, admitindo a prorrogação por 18 meses, com a
condição de que o imposto de renda retido na fonte dos funcionários
públicos da União fosse incluído no total dos tributos federais
transferidos a estados e municípios, que vinham perdendo cerca de
quinhentos milhões de reais com a recusa do governo a proceder ao repasse.
- SARNEY
entrou em conflito também com a política de privatizações do governo,
embora a apoiasse no conjunto. Articulou, em agosto de 1995, a aprovação de
um projeto do senador José Eduardo Dutra (PT-SE), que submetia a venda da
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) — maior mineradora de ferro do mundo e
principal empresa do programa de privatização do governo — à autorização
prévia do Congresso. SARNEY argumentava que, mais do que uma companhia de
mineração, a CVRD era “uma agência de desenvolvimento social” e não
operava em setor monopolista, não havendo, portanto, motivo para que
tivesse prioridade no programa de privatização. Interesses regionais
levaram senadores governistas a apoiar o projeto do parlamentar petista. O
senador Edison Lobão (PFL-MA), por exemplo, embora representante de um
partido que se destacava pelas acusações de lentidão ao programa de
privatização, apoiou o projeto motivado pelo fato de que o Maranhão era um
dos nove estados onde a CVRD tinha projetos em execução e distribuía
recursos do seu fundo de desenvolvimento para municípios. A empresa, que
possuía uma ferrovia e um porto no Maranhão, tinha grandes investimentos
no estado — cerca de 950 milhões de reais previstos até 2000. Com a privatização,
os chefes políticos perderiam recursos por meio dos quais exerciam sua
influência. No caso de SARNEY, a situação era ainda mais delicada, pois
sua filha, Roseana, governadora de um estado pobre, deixaria de receber
recursos substanciais. As lideranças governistas conseguiram adiar a
votação do projeto. Em abril do ano seguinte, SARNEY acertaria com o
ex-presidente Itamar Franco, cujas bases eleitorais se situavam em
território mineiro, e dirigentes do PT uma estratégia de luta contra a
privatização da CVRD cujo eixo era a busca de uma conscientização nacional
quanto ao papel da empresa como agência de desenvolvimento para Norte,
Nordeste e Minas Gerais. A campanha seria promovida por meio de reuniões
com sindicatos e entidades da sociedade e da aprovação do projeto de José
Eduardo. Entretanto, o governo conseguiria privatizar a empresa em maio de
1997, depois de um processo jurídico-político em que expressivos setores
da sociedade ficaram contra a medida.
- Ainda em
agosto de 1995, SARNEY apoiou a instalação de uma CPI no Senado para
investigar a atuação do Banco Central na fiscalização e controle de
instituições financeiras, proposta pelo PT. Após uma demorada coleta de
assinaturas, a CPI seria aprovada em março de 1996, causando grande
apreensão no mercado de valores, traduzida em imediata queda nas bolsas de
São Paulo e do Rio de Janeiro.
- Embora
fosse notório o seu envolvimento na obtenção de assinaturas para
viabilizar a CPI, SARNEY procurou negá-lo. No Congresso, contudo,
atribuía-se sua atitude ao relacionamento que mantinha com o presidente da
República, que chegou a comentar ironicamente, durante ato público em Belo
Horizonte: “Algumas vezes abelhas me picam, às vezes são até marimbondos”,
numa referência ao livro Marimbondos de fogo, de SARNEY. Na
ocasião, segundo a revista Veja (20/3/1996), Fernando
Henrique teria comentado com uma assessora o verdadeiro motivo da
animosidade do presidente do Senado contra ele: “O SARNEY quer fazer seu
sucessor na presidência do Senado e quer ser meu sucessor na presidência
da República — ele está pouco se importando com o que acontece com o
país.” O ministro da Fazenda, Pedro Malan, acrescentou, em entrevista
à Gazeta Mercantil, citada pela Folha de S. Paulo (7/3/1996),
que o escopo da CPI, balizado pelo ano de 1995 — o primeiro do governo —
revelava seu verdadeiro propósito: “É uma visão totalmente ingênua,
politicamente equivocada, ou politicamente motivada, imaginar que tudo ia
bem, no melhor dos mundos, e de repente, a partir de 1995, começaram a
surgir problemas, gerados na administração de Fernando Henrique Cardoso.”
- Publicamente,
SARNEY negou que sua ligação com a iniciativa da CPI tivesse qualquer
vinculação com projetos eleitorais, atribuindo seus choques com o governo
ao exercício das atribuições de presidente do Senado. Entretanto, em 20 de
março anunciou, em entrevista a O Globo, ter rompido as
relações pessoais com o presidente, que, com suas críticas, o teria
agredido muito. No dia seguinte, fez publicar, no mesmo jornal, nota de
desmentido à entrevista. Ainda em março, o governo conseguiria que o
Senado determinasse o arquivamento da CPI.
- A
disposição de criticar o governo evidenciou-se também no balanço que o
presidente do Senado, em entrevista à Folha de S. Paulo (18/12/1995),
fez do primeiro ano de administração de Fernando Henrique na área social.
Em sua opinião, o governo havia passado o ano preocupando-se apenas com a
questão da estabilização da economia e deixara de lado os problemas
sociais, tratando-os de forma superficial. Seria necessário, em 1996,
enfrentar os problemas sociais com soluções estruturais, e não apenas
conjunturais, como o principal programa do governo — Comunidade Solidária,
presidido pela primeira-dama Rute Cardoso —, classificado por ele de um
mero “colchão amortecedor de tensões”.
- Dessa
maneira, respondia a tentativas que auxiliares do presidente — em especial
o ministro das Comunicações, Sérgio Mota —, determinados a ampliar a base
política do governo, faziam no sentido de incorporar políticos ao PSDB,
ameaçando os demais partidos situacionistas. SARNEY percebeu o risco de
esvaziamento do PMDB, então a maior legenda do Congresso, e reagiu. Em
várias ocasiões advertiu que uma possível divisão de seu partido poderia
levar o país a uma situação de ingovernabilidade, já que o PMDB era
“essencial para a unidade da estrutura política do país”. Em sua coluna
na Folha de S. Paulo (21/7/1995), afirmou que a “grande
novidade que tem assegurado ao governo condições de equacionar problemas e
encaminhar soluções não é o brilhantismo técnico de alguns homens de
talento que integram a administração pública, até mesmo porque se trata
basicamente da mesma equipe técnica que operou a área econômica em vários
governos. A grande novidade foi a capacidade do presidente de operar uma
base política que lhe assegurou governabilidade. Nesse conjunto está como
base fundamental o Congresso, com sua nova postura, eficiência e
consciência moral de seus deveres”. Por isso, manifestava-se preocupado
com “alguns movimentos que começam a surgir, de caráter casuístico e
desestabilizador, frutos de uma visão menor do período difícil que
atravessamos”. Era necessário não esquecer que, apesar do êxito
estabilizador do Plano Real, “os problemas de câmbio, da diminuição das
atividades econômicas, do desemprego, do corporativismo, da falência dos
estados, não dão margem a achar que a guerra está ganha e que é hora de
selecionar os herdeiros do morgado”.
- Por
conta desse tipo de pronunciamento, SARNEY estava sendo visto pelo governo
como grande fonte de problemas, o que se explicaria por alimentar, com
extrema confiança, o projeto de eleger-se presidente da República em 1998.
SARNEY fizera, em julho de 1995, pronunciamentos contraditórios em relação
ao tema. Em Porto Alegre, onde se reuniu com empresários, declarara, segundo
a Folha de S. Paulo (19/7/1995): “Sou a favor da
reeleição de Fernando Henrique, não por causa de motivos pessoais, mas
pelo bem do Brasil”, acrescentando que era favorável a que se
estabelecesse um mandato presidencial superior a quatro anos ou a possibilidade
de reeleição para prefeitos, governadores e presidente da República.
Alguns dias depois, porém, escrevera ao jornal para desmentir as
declarações, explicando que sua posição sobre a reeleição “era justamente
o contrário do que foi publicado” e que, ao ser inquirido pelo repórter
acerca da proposta da reeleição, afirmara: “Este assunto deve figurar na
discussão da reforma política. Considero o período de quatro anos muito
pequeno. Ou teremos de aceitar a reeleição ou aumentar o período de mandato.”
Desmentidos à parte, em novembro, depois que o governo começou a articular
a aprovação da proposta de emenda constitucional apresentada em 1º de
fevereiro de 1995 pelo deputado José Mendonça Filho (PFL-PE), que
facultava o direito de reeleição a chefes de Executivo, inclusive àqueles
no exercício do cargo, SARNEY, durante viagem aos Estados Unidos, fez coro
com o prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (PPB), em defesa da medida.
- Caracterizado,
assim como Maluf, como possível candidato ao cargo, SARNEY era acusado de
dificultar a tramitação de projetos de interesse do Executivo, com o
objetivo de enfraquecer uma possível candidatura de Fernando Henrique à
reeleição. Ainda assim, o Senado aprovara as principais propostas de
emendas ao capítulo constitucional da “Ordem econômica e financeira”
apresentadas pelo governo. Em agosto de 1995, haviam sido promulgadas
quatro, referentes à distribuição do gás canalizado, à navegação entre os
portos, ao fim da discriminação de empresas de capital estrangeiro e à
extinção do monopólio estatal nas telecomunicações. SARNEY afirmara que as
emendas davam ao Brasil condições de abrir sua economia e, ao governo, de
tomar decisões no sentido da inserção na economia mundial. De passagem,
voltara a criticar a Constituição, que teria sido elaborada com os olhos
voltados para o passado e criava impasses para o desenvolvimento nacional.
Em novembro, foi promulgada a emenda constitucional que acabou com a
exclusividade da Petrobras na pesquisa, lavra, refino e transporte do
petróleo e gás natural, bem como na importação e exportação de derivados.
A União ficou liberada para contratar empresas privadas ou outras estatais
para explorar o setor. SARNEY afirmou que o país, ao quebrar o monopólio
da Petrobras, dera “um passo decisivo na conquista da confiança
internacional”. Destacou, ainda, que o Congresso havia demonstrado
“sintonia com o palácio do Planalto”, ao aprovar todas as emendas da ordem
econômica propostas pelo governo.
- Ainda em
fins de 1995, o Senado precisou examinar outra questão de grande
importância para o governo. Tratava-se de analisar o contrato que o
governo pretendia assinar com a empresa americana Raytheon, escolhida para
implantar o Projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). Orçado em
1,4 bilhão de dólares, o projeto objetivava instalar radares na região
amazônica para controlar o tráfego aéreo, fiscalizar as fronteiras e
combater o tráfico de drogas e o contrabando. Problemas haviam surgido em
fevereiro, com denúncias de que a companhia francesa Thomson cometera irregularidades
para vencer a concorrência para fornecimento de equipamentos ao projeto. O
governo americano passara, então, a pressionar o Brasil a escolher a Raytheon.
Em março, o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) pedira a revisão do
contrato, que, no entanto, acabaria sendo assinado em maio, para ser
suspenso em julho, por liminar concedida pela Justiça Federal, cassada
logo depois, sob alegação de que a interrupção do projeto causaria graves
prejuízos aos interesses nacionais. Ainda em maio, a Engenharia de
Sistemas de Controle e Automação (ESCA), empresa escolhida sem licitação
para coordenar o projeto, seria afastada em decorrência da descoberta de que
se apresentara com documentação falsa. Em novembro, foram gravadas
conversas telefônicas do chefe do Cerimonial do Planalto, Júlio César
Gomes dos Santos, que revelavam sua participação no tráfico de influência
praticado em benefício da Raytheon. Acusado de mandante da escuta
telefônica, o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), Francisco Graziano, se afastaria do cargo, atitude tomada também
pelo ministro da Aeronáutica, Mauro Gandra, citado nas gravações. Para
evitar a formação de uma CPI para apurar indícios de corrupção na
contratação do sistema, Antônio Carlos propôs o cancelamento do projeto,
sendo derrotado no Senado. Em 28 de novembro, foi instalada, sob sua
presidência, uma supercomissão, que reuniu três comissões do Senado, para
analisar o Sivam. O escopo da comissão foi objeto de disputa política.
Antônio Carlos defendia uma investigação ampla que incluísse assuntos como
a escuta telefônica e o sigilo bancário dos envolvidos. A bancada do PMDB,
contudo, passou a defender que a comissão analisasse apenas o contrato
entre o governo e a Raytheon. A decisão nesse sentido, contrária à
expectativa que se criara em torno dos trabalhos da supercomissão, foi
tomada por SARNEY e pelo líder do partido, Jáder Barbalho (PA), que
convenceram o relator-geral da comissão, Ramez Tebet (PMDB-MS), da tese de
que a competência do Senado se restringia a decidir sobre o pedido de
autorização para contrair empréstimo de 1,4 bilhão de reais com o Eximbank
para a instalação do Sivam.
- Enquanto
o Senado discutia o assunto, o contrato comercial com a Raytheon foi
prorrogado pelo governo até 23 de janeiro de 1996, após o que poderia ser
renovado mais vezes por períodos de 30 dias, mas só teria validade quando
o financiamento, de 1,4 bilhão de dólares, fosse avalizado pelos
senadores. A pressão contra a Raytheon levou, em 2 de dezembro, o
secretário de Comércio americano, Ron Brown, a declarar que o escândalo do
Sivam tinha sido estimulado por empresas derrotadas na concorrência, com a
ajuda de parlamentares brasileiros. SARNEY, na condição de presidente do
Senado, exigiu que o governo tomasse providências contra essa intromissão
de um estrangeiro nos assuntos nacionais: “Esse tipo de declaração não faz
parte do relacionamento normal entre os países. Não é normal que o
funcionário de um país faça julgamento de uma autoridade de outro país.”
- O
episódio contribuiu para que SARNEY, até então defensor da tese de que o
Senado deveria limitar-se a analisar os “aspectos técnicos” do Sivam,
mudasse de posição: “Esse assunto já está contaminado pelos aspectos
políticos e não pode mais ser examinado apenas do ponto de vista técnico.
O Sivam tornou-se o grande fato político do país”, afirmou. SARNEY apoiou
a decisão de Fernando Henrique de discutir o assunto no Conselho de Defesa
Nacional, órgão consultivo nos assuntos relacionados à soberania e à defesa
do Estado. Após a reunião, na primeira semana de dezembro, o presidente
declarou que não identificara irregularidades que justificassem rever o
projeto do Sivam e esperava que o Senado aprovasse o projeto, autorizando
o financiamento internacional. Sem o aval, que tinha de ser dado pelo
Senado conforme previsto na Constituição, não havia como o projeto ser
desenvolvido, já que o financiamento conseguido com o Eximbank era
vinculado à Raytheon. A decisão presidencial de manter o projeto Sivam
como estava foi recebida com irritação no Senado, mas SARNEY entendeu que
a casa fora prestigiada.
- Em
inícios de 1996, senadores do PSDB e do PFL, até então favoráveis à suspensão
do contrato, começariam a dar sinais de mudança de posição, provocando uma
reversão da tendência do Senado. Quase isolado, o presidente da
supercomissão, Antônio Carlos Magalhães, depois de participar de reunião
em 16 de janeiro com o presidente da República, anunciaria a antecipação
do fim das investigações e da decisão sobre o projeto Sivam para início de
fevereiro. Contra o seu voto, a supercomissão recomendou em fevereiro a
aprovação do contrato com a Raytheon. Em 23 de maio o Senado aprovou o projeto
que autorizava a captação dos empréstimos necessários à execução do Sivam.
- No
segundo semestre de 1996, SARNEY intensificou sua articulação visando a
tornar-se candidato do PMDB à sucessão de Fernando Henrique. Aliou-se, em
agosto, ao ex-presidente Itamar Franco, que retornava ao partido e com
quem divulgou um comunicado em que ambos criticavam a maneira como o
governo vinha conduzindo a inserção do país no mercado mundial e
reivindicavam a imediata retomada do desenvolvimento econômico. A nota era
imprecisa quanto à proposta de reeleição, que tramitava no Congresso. SARNEY,
embora interessado na sua derrota definitiva, já que pretendia
candidatar-se a presidente, precisava levar em consideração a posição do
PMDB, que decidira adiar a discussão do tema para o ano seguinte.
- Seu
projeto político sofreu forte revés com as eleições municipais de 3 de
outubro de 1996, cujos resultados trouxeram a derrota do PMDB nas
principais capitais. SARNEY, que participara ativamente da campanha
eleitoral, perdeu nas 17 cidades do Amapá e no Maranhão. Embora tenha
mantido o controle da maioria das cidades maranhenses, assistiu ao avanço
da até então inexpressiva oposição, vitoriosa em 50 das 217 prefeituras.
As derrotas mais importantes em termos individuais aconteceram em São
Luís, em Amapá do Maranhão — assim chamada em sua homenagem —, em
Pinheiro, sua cidade natal — onde dominava a vida política desde 1964 —, e
em Presidente SARNEY, cujo prefeito eleito declarou que sua primeira
providência seria convocar um plebiscito para mudar o nome da cidade. SARNEY
atribuiu a derrota dos candidatos por ele apoiados no Maranhão à indecisão
do PMDB, que não se teria apresentado nem como governista nem como
oposicionista. A oposição interpretou a derrota política de SARNEY como
uma manifestação da sua impopularidade, tão expressiva que seu apoio
explícito fora rejeitado publicamente pelos dois candidatos ao segundo
turno das eleições para a prefeitura de São Luís, Jackson Lago (PDT) e
João Castelo (PPB).
- Em
novembro de 1996, após mobilização de setores da sociedade e da
Coordenação Nacional de AIDS, o Congresso Nacional aprovou a Lei 9.313, de
sua autoria (ficaria conhecida como Lei SARNEY), que obrigou o Estado a,
através do Serviço Único de Saúde (SUS), fornecer medicamentos para todos
os cidadãos e cidadãs portadores do vírus da AIDS. SARNEY concluiu o
mandato na presidência do Senado satisfeito com seu desempenho. A
avaliação positiva não fora afetada pelo descontentamento que, em julho de
1996, os líderes dos partidos governistas manifestaram com a sua atuação,
acusando-o de autoritário, de tomar todas as decisões sozinho e de não
consultar os senadores sequer sobre a agenda das votações. SARNEY tomou
essas restrições como manifestações de ciúme da parte de políticos que
estariam tentando aparecer para o público como responsáveis pelas decisões
no Senado. No seu modo de ver, sua passagem pela presidência do Senado se
teria caracterizado pela transparência com que foram tomadas decisões,
para o que teria contribuído com a instalação da TV Senado, do Jornal
do Senado, de uma estação de rádio e da linha telefônica Senado em
Linha Direta, aberta para quem desejasse comunicar-se com a casa.
- SARNEY
passou a presidência do Senado para Antônio Carlos Magalhães em 4 de
fevereiro de 1997. Em seguida, embarcou para a Europa, onde lançou seu
livro O dono do mar, com apresentação do antropólogo Claude
Lévi-Strauss, um dos professores franceses que, na década de 1930,
inauguraram a Universidade de São Paulo.
[18] Nas
eleições de 1998 e 2002
- Em 21 de
maio de 1997, o Senado eliminou o único aspecto de indefinição das
eleições do ano seguinte, aprovando a emenda que facultava a reeleição de
presidente da República, governadores e prefeitos, que seria promulgada em
4 de junho. SARNEY vinha se pronunciando favoravelmente ao apoio do PMDB à
reeleição de Fernando Henrique, mas, depois que, em reunião em São Luís,
líderes peemedebistas aprovaram a tese de que o partido deveria apresentar
candidato, mudou oficialmente de posição e passou a admitir que estava
disponível para a disputa. Em 11 de julho, uniu-se ao senador Roberto
Requião (PR) e ambos se apresentaram informalmente como candidatos a
candidato do PMDB à sucessão presidencial, postulação que seria feita
também pelo ex-presidente Itamar Franco.
- Enquanto
se aguardava a convenção nacional do PMDB, que em 8 de março de 1998
decidiria se o partido lançaria candidato, SARNEY retirou-se da competição
em 4 de fevereiro. Embora situado na melhor posição entre os três
postulantes nas pesquisas de opinião, abriu mão de concorrer para apoiar
Itamar, por ele considerado em melhores condições de viabilizar politicamente
a candidatura do partido. Realizada a convenção, contudo, venceu a tese de
que o PMDB não deveria lançar candidato. Embora reconhecendo a irreversibilidade
da decisão dos convencionais, SARNEY deixou claro que poderia vir a apoiar
a reeleição de Fernando Henrique, mas não desempenharia um papel de
“aliado cego”. Fazendo o que chamou de “colocações de natureza
programática”, defendeu a mudança do modelo político-econômico,
principalmente a “abertura selvagem” da economia, e o projeto neoliberal
do governo, “sem políticas compensatórias de natureza social”. A questão,
contudo, permaneceu aberta, uma vez que a legislação eleitoral determinava
que as convenções nacionais dos partidos ocorressem no mês de junho.
- SARNEY
presidiu de 3 a 5 de maio de 1998, no Rio de Janeiro, a 16ª Reunião do
Conselho de Interação Mundial (CIM), organização não governamental fundada
em 1983 e integrada por ex-chefes de Estado e Governo de todo o mundo. Foi
a primeira reunião do CIM na América Latina. Durante os trabalhos, advertiu
para o problema da corrida armamentista que poderia estar sendo iniciada
pelos Estados Unidos quando, em agosto do ano anterior, o país levantou o
embargo à venda de armas para a América Latina e, pouco tempo depois,
convidou a Argentina para integrar, como membro especial, a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Sua preocupação encontrou eco em
importantes participantes da reunião, como Oscar Arias — ex-presidente da
Costa Rica e premiado com o Prêmio Nobel da Paz em 1987 — Malcolm Fraser —
representante da Austrália e presidente do Conselho — e Robert McNamara —
ex-secretário de Defesa dos EUA e ex-presidente do Banco Mundial. A reunião
aprovou a Declaração Universal de Responsabilidades do Homem, a ser
encaminhada a organismos internacionais, com o objetivo de ver suas
propostas transformadas em linhas de ação, como já ocorrera com
deliberações anteriores, que resultaram no Acordo para Limitação de Armas
Estratégicas entre os Estados Unidos e a União Soviética, o Acordo de
Desnuclearização da Península da Coréia e o Encontro Mundial sobre o Meio
Ambiente, realizado no Rio de Janeiro em 1992. A declaração final do
conselho incluiu várias recomendações, como a transparência nas relações
financeiras internacionais, a restrição à produção e venda de armas e o
aprofundamento da democracia na América Latina.
- Em
junho, a obrigatoriedade da realização de nova convenção nacional reabriu
a discussão sobre uma candidatura própria do PMDB. O grupo comprometido
com o apoio à reeleição de Fernando Henrique chegou a tentar a destituição
do presidente do partido, deputado Pais de Andrade, mas não teve sucesso. SARNEY
voltou a defender a tese da candidatura própria, mas, na véspera do
encontro, anunciou novamente que se retirava da disputa, alegando que a decisão
da convenção poderia ser questionada na Justiça e ele não desejava
envolver seu nome numa luta que dividiria ainda mais o partido. No dia 28
de junho, a convenção se realizou sob boicote do grupo governista e não
conseguiu reunir delegados suficientes para formar o quorum necessário,
ficando o partido sem posição oficial a respeito da opção entre uma
candidatura própria e o apoio a Fernando Henrique.
- SARNEY definiu-se
como candidato à reeleição a senador pelo Amapá e, em agosto, declarou
publicamente que apoiaria a reeleição do presidente. O apoio não
extinguia, contudo, focos de divergência, que nunca deixou de manifestar,
principalmente em sua coluna na Folha de S. Paulo, na qual
tecia críticas a importantes aspectos da política econômica do governo.
Martelando na tecla de que o modelo neoliberal estava impondo prejuízos,
chamava a atenção para os riscos de estruturar a estabilidade da moeda com
base nos fluxos de capitais especulativos, que lançava a todos na
armadilha dos juros, deixava a empresa nacional à beira do desastre, fazia
o desemprego explodir e a dívida e o déficit públicos se elevarem
incontrolavelmente, conduzindo à recessão. Pronunciou-se, também, contra a
abertura total do mercado bancário ao capital estrangeiro, advertindo que
os bancos estrangeiros captavam recursos no exterior a taxas mais de cinco
vezes inferiores àquelas cobradas aos brasileiros no mercado nacional,
inviabilizando qualquer estratégia baseada na livre concorrência. No seu
modo de ver, em breve o setor seria controlado pelo capital estrangeiro,
que fixaria prioridades e discriminaria a empresa nacional, impondo-lhe
taxas de juros de sua conveniência. Estariam dadas as condições para a
formação de um oligopólio bancário controlado de fora, o que atentaria
contra o interesse nacional.
- As
críticas à política do governo eram acompanhadas de esclarecimentos acerca
da natureza de suas posições em relação ao capital estrangeiro. Não se
opunha à sua forte presença na economia nacional, mas ao seu domínio total
em qualquer setor. Entendia que desde 1990, com o governo de Fernando
Collor, assistia-se à “abertura selvagem” da economia ao capital
estrangeiro, inclusive em setores estratégicos, como as telecomunicações.
Não considerava modernizadora essa política e, numa de suas colunas,
vaticinava: “Quando tudo isso estiver a pleno vapor, o capital investido
retornando, os lucros e royalties também, estaremos
definitivamente condenados a um estágio de colônia, pagando dízimos
incomensuráveis. É o futuro? Não, é o passado.”
- Em
outubro de 1998, Fernando Henrique foi reeleito presidente da República em
primeiro turno. Também reeleito senador com 59,31% dos votos válidos, SARNEY
não foi o único da família a disputar um mandato: dois filhos (Roseana e
José SARNEY Filho), um irmão, um sobrinho e dois primos também concorreram
a cargos na política maranhense. SARNEY — que se apresentou por uma
coligação encabeçada pelo PMDB e integrada por PFL, PSDB, PPB, PL, PTB e
outros partidos menores — alegou que insistia em representar o Amapá
porque se tratava de um estado pobre, que precisava dele mais do que o
Maranhão. Seus opositores, contudo, acusavam-no de ter atuado no Senado
preferencialmente em benefício de seu estado natal, em detrimento do
Amapá.
- Um dos
poucos senadores a renovar o mandato, SARNEY foi empossado em fevereiro de
1999. Em estreita ligação com o PFL, principalmente através de Antônio
Carlos Magalhães (BA), então presidente do Senado, em meados de 2000
iniciou articulações para suceder ao senador baiano no cargo. Previa-se
que os processos sucessórios no Senado e na Câmara, em eleições marcadas
para o início de 2001, constituiriam um elemento importante da reforma
política que o governo federal patrocinaria naquele ano. Pelos
procedimentos tradicionais, o PMDB, na condição de partido com maior número
de senadores, indicaria o presidente do Senado. O lançamento da
candidatura de SARNEY a partir de fora do PMDB seria uma forma de
fortalecer a posição do PFL na futura reforma ministerial e, taticamente,
de não entrar em disputa direta com Jader Barbalho (PA), então presidente
do PMDB e candidato da direção e da bancada do partido, que tornou pública
essa posição em nota divulgada em 17 de outubro.
- Acusado
por setores do PMDB de divisionista, SARNEY assumiu publicamente, em
novembro, a posição de postulante à presidência do Senado, mas com a
condição de que esta fosse a vontade consensual dos partidos, ainda que
não implicasse unanimidade por parte dos senadores. Desde então, passou a
defender sua candidatura invocando seu “passado político” e sua “condição
de parlamentar mais antigo no Congresso” e desvinculando-a das disputas
entre Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho, marcadas por violenta
troca de acusações de corrupção. Barbalho foi afinal eleito em fevereiro
de 2001, mas as denúncias continuaram e alimentaram uma grave crise,
levando Antônio Carlos a renunciar ao mandato em maio, e Barbalho, a
afastar-se da presidência do Senado em julho. Assumiu provisoriamente seu
lugar o primeiro-vice-presidente Edison Lobão (PFL-MA).
- SARNEY voltou
então a ser cogitado para a presidência do Senado, para completar o
mandato de Barbalho. Embora fosse publicamente considerado por setores
governistas como o senador com mais autoridade política e moral para
recuperar a imagem do Senado, abalada pela crise, manteve a posição de não
entrar em disputa e só aceitar o cargo como nome de consenso entre os
partidos. Mas isso não aconteceria, já que o próprio PMDB se dividiu entre
seu então presidente, Renan Calheiros (AL) e outros senadores, entre os
quais Ramez Tebet (MS), então ministro da Integração Nacional. Tebet
reassumiu o mandato para ser eleito presidente do Senado em 20 de
setembro.
- Iniciadas
as primeiras tratativas políticas visando o processo sucessório para a
presidência da República em 2002, Roseana SARNEY, então governadora do
Maranhão, despontou como forte postulante a candidata do PFL, chegando seu
nome a ser apontado, por pesquisas preliminares, em segundo lugar nas
intenções de voto no país. Entretanto, denúncias de corrupção envolvendo
seu nome e o de seu marido abalariam fortemente sua candidatura. O
episódio, interpretado por muitos como parcialmente resultante de uma
encenação de provas montada pelo PSDB, preocupado com o crescimento da
candidatura de Roseana, levou o PFL a retirar o apoio que dava ao governo
havia oito anos. Em consequência, o deputado José SARNEY Filho deixou o
Ministério do Meio Ambiente em março de 2002, alegando solidariedade à
irmã, e SARNEY passou a criticar o governo e a trabalhar para que o PMDB
se afastasse do PSDB no processo sucessório. Roseana acabaria desistindo
da candidatura , elegendo-se senadora pelo Maranhão em outubro de 2002.
- SARNEY,
após ter tentado a viabilizar a candidatura da filha, acabou apoiando o
candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Luís Inácio Lula da Silva.
Anunciado o apoio em 28 de agosto, dois dias depois Lula defendeu o
restabelecimento do Programa do Leite, por meio do qual, durante a presidência
de SARNEY, o produto era distribuído gratuitamente para a população pobre.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (24/9/2002), SARNEY
defendeu o apoio ao candidato do PT em nome de uma necessidade
histórica: “Será o primeiro presidente da história do Brasil oriundo
da área do trabalho e não dos interesses consolidados capitalistas. Nós temos
que passar por esse gargalo, passar pelo PT. Então, vamos passar logo”.
Tratava-se, mais do que uma posição eleitoral, de uma precaução política
contra as consequências de uma crise social que poderia advir da situação
vivida pelo país: “O tecido social do Brasil está tão esgarçado, a
violência e o desemprego são tão grandes que, se nós não tivermos um
governo extremamente capaz de conter essas tensões, o país pode marchar
para um instante de grandes dificuldades e até de rupturas. O Lula vai
conter as tensões sociais na área do campo, na área sindical, e vai ao
mesmo tempo ter condições de negociar concessões da área conservadora. Vai
fazer o pacto social que eu não consegui fazer em meu governo. Eu tinha
uma vontade pessoal, mas não tive as condições políticas. Com Lula é
diferente. Ele representa um segmento da sociedade que quer esse pacto.
Ele tem força, autoridade e biografia para encaminhar essas forças nessa
direção”.
- Apontando
a importância que a presidência do Senado assumiria caso Lula vencesse, o
que implicaria amplas reformas políticas, SARNEY entrou mais uma vez em
campanha para disputar o cargo, com a mesma condição que já havia exposto
antes: “congregação de forças em torno de seu nome”. Agora, contudo,
enfatizava o desejo de estar na posição de presidente do Congresso
Nacional para contribuir para um eventual governo de Lula.
- Após a
vitória de Lula no segundo turno das eleições, em 27 de outubro de 2002, SARNEY
foi logo apontado como candidato do novo governo à presidência do Senado e
possível elemento de contato com a área militar, devendo sua opinião ser
levada em conta para a indicação do ministro da Defesa. Em 5 de novembro,
foi firmado um acordo pelo qual o PT apoiaria o candidato a presidente do
Senado indicado pela bancada do PMDB, que, em troca, votaria no candidato
petista à presidência da Câmara dos Deputados. Em 24 de janeiro de 2003,
as diversas correntes do PMDB se comprometeram com a candidatura de SARNEY,
o que significou a garantia do apoio do PT. Em 1º de fevereiro, a vitória
de SARNEY foi eleito por 76 votos a 2 e uma abstenção. Em seu discurso de
posse, convocou o Congresso a trabalhar pela aprovação das reformas
previdenciária, tributária e trabalhista, e conclamou as “elites” do país
a “ceder espaço, para ganhar o principal, que é a paz social”.
[19] Presidente
do Senado (2003-2004)
- Depois
de cerca de três meses de atividade legislativa em apoio a Lula, em troca
de cargos para senadores do PMDB e seus indicados, SARNEY propôs a
realização de uma convenção extraordinária do partido para deliberar sobre
a possibilidade de participação no governo, que se esforçava por atrair
forças de centro e direita para viabilizar as reformas. Finalmente, a
comissão executiva do partido decidiu, em 27 de maio, apoiar oficialmente
o governo, passando a integrar seus órgãos de coordenação e decisão
política.
- Enquanto
no Senado e na Câmara iniciavam-se negociações visando à elaboração de uma
emenda constitucional que introduzisse a reeleição para a presidência das
duas casas, SARNEY, em parceria com Antônio Carlos Magalhães, atuava de
maneira decisiva junto à bancada da oposição – PSDB e PFL – na Câmara dos
Deputados para obter, em 7 de agosto, os votos necessários à aprovação do
item da reforma que estabelecia a contribuição previdenciária dos servidores
inativos e dos pensionistas. Aprovada no Senado em 11 de dezembro, a
emenda constitucional, que modificou as regras gerais da aposentadoria dos
funcionários públicos, foi promulgada pelo Congresso oito dias depois,
juntamente com a primeira etapa da reforma tributária.
- Em 2004,
SARNEY foi peça importante para o governo federal na inviabilização de
duas CPIs que não interessavam ao situacionismo. Em março, recusou-se a
indicar os representantes dos partidos governistas na CPI encarregada de
investigar denúncias de lavagem de dinheiro por meio de casas de bingo e
máquinas caça-níqueis, que envolviam Waldomiro Diniz, ex-subchefe de
Assuntos Parlamentares da Presidência da República, acusado, com base em
flagrante obtido por filmagem em 2002, de, quando era presidente da
Loteria do Rio de Janeiro (Loterj), cobrar e receber propina de um
empresário do ramo lotérico. Como SARNEY alegasse que a indicação dos
representantes dos partidos não era tarefa do presidente da casa e sim dos
líderes, e como estes não os indicassem exatamente para barrá-la, a CPI
dos Bingos, como ficaria conhecida, não prosperou na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado. Mais à frente, a CPI acabaria sendo
criada, após intervenção do STF, iniciando seus trabalhos em junho de 2005
e apresentando o relatório final em junho de 2006.
- Ainda em
março de 2004, SARNEY atuou no sentido de abortar a proposta de criação de
uma CPI para investigar eventuais relações entre o assassinato, em janeiro
de 2002, do petista Celso Daniel, então prefeito de Santo André (SP), com
um esquema de corrupção que se supunha existir na Prefeitura. SARNEY e os
demais líderes governistas conseguiram convencer os senadores a retirar
suas assinaturas do requerimento de criação da CPI, que acabou arquivado.
O caso, no entanto, acabaria sendo investigado pela CPI dos Bingos.
- Embora
com sua posição política em fortalecimento — segundo o jornal Los
Angeles Times (17/5/2004), para alguns, estava sendo mais
influente do que quando governava —, SARNEY não deixava de encontrar
resistências no interior do PMDB. Em abril de 2004, a comissão
executiva nacional do partido rejeitou, em votação secreta e por grande
maioria, a proposta de emenda constitucional em tramitação no Congresso
que permitiria a reeleição dos presidentes do Senado e da Câmara dos
Deputados, numa decisão que fortalecia as pretensões ao cargo do líder do
partido, senador Renan Calheiros. No dia 4 de maio, contudo, a comissão
especial da Câmara dos Deputados encarregada de examinar a emenda aprovou
o projeto, que precisaria, em seguida, passar por duas votações, na Câmara
e no Senado. Derrotada no plenário da Câmara 15 dias depois, a emenda
recebeu um reforço em setembro, quando o presidente Lula declarou
considerar a reeleição dos presidentes das duas casas fundamental para a
sua pretensão de ter maioria no Congresso. Afinal, a questão acabaria se
resolvendo em 14 de fevereiro de 2005, com a eleição de Renan Calheiros
para presidente do Senado, enquanto a Câmara escolhia para presidi-la
Severino Cavalcanti (PP-PE).
- Ainda em
2004, em 17 de novembro, SARNEY conduziu no Senado um rito de aprovação
acelerada da proposta de emenda constitucional de reforma do Poder
Judiciário, que tramitava havia quase 13 anos: em um mesmo dia, fez a
votação em primeiro turno, reabriu a sessão para discussão em segundo
turno e aprovou a redação final em segundo turno, ficando alguns temas
para promulgação imediata pelo Congresso Nacional e outros para devolução
à Câmara dos Deputados, em virtude de alterações feitas pelos senadores na
proposta. A reforma alterou o funcionamento do Judiciário, criando órgãos
e estabelecendo o controle externo das suas atividades.
- Substituído
por Calheiros na presidência do Senado em fevereiro de 2005, SARNEY perdeu
espaço político na casa, já que todos os seus candidatos a vagas na mesa
diretora foram derrotados por nomes do PFL, assim como na Câmara.
Ainda assim, negociou e obteve de Lula um aumento expressivo da
participação do PMDB no governo, que não foi bem recebido pela ala
oposicionista do partido, liderada por seu presidente, deputado Michel
Temer (SP).
- Criticado
pela ala oposicionista do PMDB por ter aprofundado a presença do partido
no governo, SARNEY fez várias apologias de Lula. Em julho de 2006,
defendeu, em discurso no plenário do Senado, sua reeleição: “O meu
candidato é o presidente Lula, que trouxe ao poder uma esquerda
responsável e equilibrada”. No mês seguinte, voltou a elogiar Lula e
a esquerda por ele representada. A despeito da gravidade de denúncias
contra o governo relativas à formação de “caixa dois eleitoral” e à compra
de votos de parlamentares, entendia que não havia conduta do presidente
Lula que “nem de leve” pudesse atingir o seu mandato.
- No plano
estadual, SARNEY enfrentaria em 2006 uma situação eleitoral inédita em sua
trajetória de político situacionista. Depois de 40 anos de poder
inconteste no Maranhão, seu grupo, reunido em torno da candidatura de
Roseana ao governo estadual, precisou enfrentar uma oposição integrada
pelo governador e a maioria dos deputados e vereadores. O governador José
Reinaldo Tavares (PSB) crescera politicamente na corrente de SARNEY, mas
rompera com ela em 2004, e apoiava agora três candidatos ao governo: Edson
Vidigal (PSB), Jackson Lago (PDT) e Aderson Lago (PSDB). Após uma campanha
marcada por pesada troca de acusações, Jackson Lago venceu o segundo turno
da eleição, com 51,82% dos votos, derrotando Roseana, que recebeu 48,18%.
- No
Amapá, embora contasse com o apoio do presidente Lula, do governador
Waldez de Goes (PDT), de todos os 16 prefeitos do estado, de 22 dos 24
deputados estaduais e dos três jornais diários de Macapá, SARNEY não
conseguiu uma reeleição tranquila. Venceu no primeiro turno, mas com 53,87%
dos votos contra 43,59% de sua principal adversária, Maria Cristina do
Rosário Almeida (PSB), neófita em eleições.
- Empossado
em fevereiro de 2007, SARNEY assumiu publicamente posição diante da
candente situação política da Venezuela. Em outubro, durante a discussão
no Senado sobre a possibilidade de ingresso daquele país no Mercosul,
acusou o presidente Hugo Chávez de ter dado início a uma corrida
armamentista no continente e de conduzir antidemocraticamente a política
em seu país, de que seriam evidências alterações legais que ampliariam
seus poderes. Por isso, sugeria ao Senado que vetasse a presença
venezuelana no Mercosul, já aprovada em comissão da Câmara dos Deputados.
No mês seguinte, participando da 7ª Conferência Anual da América Latina, no
Conselho das Américas, em Nova Iorque, voltou a atacar o presidente
venezuelano, com os mesmos argumentos. Em resposta, o deputado Carlos
Escarrá, vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembleia
Nacional da Venezuela, classificou SARNEY de “lacaio” e “servil”,
acusando-o de tentar chantagear seu país, ao condicionar o ingresso no
Mercosul à emissão de sinais expressos de que seus governantes eram
democratas. Ressalvando que nada tinha contra o presidente Lula e o povo
brasileiro, disse que SARNEY parecia um boneco de ventríloquo.
- Em
dezembro de 2007 SARNEY apoiou Garibaldi Alves (PMDB-RN) para substituir
Renan Calheiros na presidência do Senado, depois que nome deste foi
envolvido em denúncias de diversos tipos que o levaram a renunciar para
não ter o mandato de senador cassado. Eleito em dezembro, Garibaldi, em
discurso veiculado pela imprensa, atribuiu sua vitória às articulações de SARNEY.
- Quando
se discutia o aniversário da Lei de Anistia de 1979, SARNEY afirmou, em
agosto de 2008, desconhecer a prática de tortura durante o regime
ditatorial instalado no Brasil após o golpe que derrubou o presidente João
Goulart em 1964. Em face da proposta de revisão da lei para que fossem
processados e punidos agentes do Estado envolvidos com a prática de
violências contra presos políticos, então examinada por membros do governo
federal, assumiu a defesa de sua manutenção, argumentando que a anistia
fora negociada com os militares, no contexto de uma transição de regime de
cujo controle os militares não tinham sido derrubados, não havendo por que
voltar a mexer com o problema.
- Nessa
mesma época, deixou claro, em diversas oportunidades, que não pretendia
mais disputar cargos de presidente. Em janeiro de 2009, contudo, admitiu
ser candidato à presidência do Senado, explicando que a mudança de posição
se devia à situação internacional, pois sua candidatura era importante num
momento de crise financeira mundial. Durante a disputa, surgiram denúncias
de irregularidades no Senado, relativas ao uso irregular de telefones
celulares, pagamento de horas extras em janeiro e número excessivo de
diretores.
[20] Presidente
do Senado (2009-2010)
- Em
fevereiro de 2009, SARNEY foi eleito pela terceira vez presidente do
Senado, apoiado pelo PMDB, o Democratas (DEM) – oriundo da refundação do
PFL –, o PTB, o PP e o Partido da República (PR), derrotando Tião Viana
(PT-AC), apoiado pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido
Republicano Brasileiro (PRB), o PDT, o PSB e o PSDB. Ao lado de Michel
Temer (PMDB-SP), que foi escolhido presidente da Câmara dos Deputados,
consolidou assim sua posição de pilar estratégico do governo Lula, em
pleno processo de preparação para a sucessão presidencial em 2010. Ao
tomar posse, anunciou um corte linear de 10% do orçamento do Senado.
- Ainda em
fevereiro, os jornais O Estado de S. Paulo e Folha
de S. Paulo divulgaram a gravação de um diálogo entre SARNEY e
seu filho Fernando, superintendente do sistema de comunicação maranhense
Mirante. Na conversa, ocorrida no dia 17 de abril de 2008, SARNEY
perguntava ao filho se ele havia recebido informações da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin) sobre um processo judicial que o
envolvia e corria em sigilo. A gravação também registrou SARNEY instruindo
Fernando a pôr no ar, pela TV Mirante, uma matéria para atingir Aderson
Lago, chefe da Casa Civil do governo Jackson Lago, e seu filho, Aderson
Neto, o que constituiria crime, de acordo com a legislação de concessões
de meios de comunicação, que proíbe seu uso para fins políticos.
- O mês de
março foi crítico para a imagem do Senado e de SARNEY. A imprensa trouxe à
luz inúmeros fatos escandalosos que o envolviam. Segundo a Folha
de S. Paulo (1/3/2009), Agaciel Maia, que ocupava o cargo de
diretor-geral do Senado (portanto, era responsável pela ordenação de
despesas) desde 1995 (portanto, fora nomeado por SARNEY), usara o irmão e
deputado João Maia (PR-RN) para esconder da Justiça, desde 1996, a
propriedade de uma casa avaliada em cerca de cinco milhões de reais.
Pressionado, Agaciel se demitiu. Nova reportagem do jornal
(10/3/2009) revelou que o Senado pagara 6,2 milhões de reais em horas
extras para 3.883 funcionários durante o recesso de janeiro, período em
que não houve sessões, reuniões ou qualquer outra atividade parlamentar. O
jornal O Estado de S. Paulo (12 e 18/3/2009) noticiou por
sua vez que SARNEY usara – durante dez dias e ao custo de 30 mil reais em
diárias e passagens – sete policiais do Senado para vigiar sua mansão na
Praia do Calhau, em São Luís, receoso de uma eventual reação popular à cassação
do governador Jackson Lago (PDT), que seria substituído por Roseana SARNEY,
na condição de segunda colocada na eleição. No dia 13, outro alto
funcionário do Senado ligado a SARNEY, João Carlos Zoghbi, diretor de
Recursos Humanos havia 14 anos, perdeu o cargo, depois que o jornal Correio
Braziliense o denunciou por ter cedido seu apartamento funcional
para familiares estranhos ao Congresso. Em maio, Zoghbi seria acusado de
usar uma ex-babá de sua família como “laranja” para abrir empresas que
atuavam na intermediação dos empréstimos consignados no Senado e, pelo
serviço, recebiam de bancos comissões milionárias. Zoghbi foi indiciado
pela Polícia do Senado por formação de quadrilha e corrupção. Matéria
da Folha de S. Paulo (19/3/2009) revelou que, nos últimos
oito anos, o número de cargos de direção do Senado passara de 32 para 181,
numa média de mais de dois diretores para cada senador, e que SARNEY
estivera à frente dos atos que criaram, pelo menos, 70% desses cargos.
- Em 24 de
maio, o Jornal Pequeno, de São Luís, revelou
que, durante pelo menos quatro anos, José SARNEY omitira da Justiça Eleitoral
e da Receita Federal que era proprietário de um castelo em Sintra
(Portugal), adquirido quando era presidente do Brasil. Quatro dias depois,
o jornal Folha de S. Paulo informou que vários
parlamentares haviam recebido ilegalmente, por dois anos, auxílio-moradia,
inclusive SARNEY, que dispunha de residência privada e oficial em
Brasília. SARNEY alegou que o auxílio vinha sendo depositado em sua conta
bancária à sua revelia e sem o seu conhecimento.
- A
revelação pelo jornal O Estado de S. Paulo, em
junho de 2009, de que um neto de SARNEY fora nomeado e exonerado do cargo
de secretário parlamentar de um senador por ato secreto, chamou a atenção
para esse tipo de procedimento. Desde 1995, mais de quinhentas medidas
administrativas haviam sido tomadas por atos secretos.
- Essas
denúncias, e muitas outras, provocaram grave crise no Senado. Em meados de
julho, SARNEY determinou a anulação de todos os atos secretos. No fim do
mês, contudo, havia 11 pedidos de investigação contra ele correndo no
Conselho de Ética do Senado. Quebra de decoro parlamentar, uso de atos
secretos, manipulação irregular de recursos públicos eram algumas das
acusações de que era alvo.
- Apoiado
pelo presidente Lula, que sustentou a tese de que ele tinha história no
Brasil suficiente para não ser tratado “como se fosse uma pessoa comum”, SARNEY
defendeu seu mandato em discurso pronunciado em 5 de agosto no plenário do
Senado. Apresentando-se como vítima de uma campanha da imprensa, garantiu
que resistiria no cargo. No mesmo dia o Conselho de Ética reuniu-se, e seu
presidente, o senador Paulo Duque (PMDB-RJ), arquivou quatro denúncias
contra SARNEY e outra contra o líder do PMDB, Renan Calheiros. A decisão,
tomada com o apoio do PT, foi justificada com o argumento de que as
acusações se baseavam em matéria de imprensa e não demonstravam a relação
de SARNEY com os fatos apontados. Em protesto contra o arquivamento, os
senadores oposicionistas renunciaram às vagas de titulares e de suplentes
que ocupavam no Conselho de Ética, e sete deles entraram com mandado de
segurança no STF para tentar reverter a medida. Alguns dias depois, o
Conselho de Ética arquivou os outros sete pedidos de abertura de processo.
- José SARNEY,
além dos cargos públicos que ocupou, foi também professor da Faculdade de
Administração do Maranhão, professor honoris causa da
Faculdade de Economia da Universidade do Maranhão, professor da Faculdade
de Serviço Social da Universidade Católica do Maranhão, membro do conselho
administrativo da Fundação Cultural de Brasília, presidente da Academia
Brasiliense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e
da Academia Maranhense de Letras, assim como do Diretório Regional de
Geografia e Estatística. Foi, ainda, redator de O Imparcial, jornal
editado na capital maranhense, e colaborador das revistas Realidade,
Senhor, O Cruzeiro e Manchete.
- No ano seguinte José SARNEY empenhou-se na campanha
para a reeleição de sua filha Roseana para o quarto mandato no governo do
Maranhão. No plano federal, apoiou a candidatura da petista Dilma Rousseff
à presidência da República, cujo candidato a vice era Michel Temer, do seu
partido, o PMDB, que integrava a coligação liderada pelo PT. No pleito de
outubro de 2010 Roseana foi eleita logo no primeiro turno, derrotando seus
principais opositores Jackson Lago, do PDT, e Flávio Dino, do PCdoB. Para
a presidência da República, Dilma Rousseff venceu no segundo turno o
candidato tucano José Serra. Quando das articulações da presidente eleita
para a composição do seu ministério, SARNEY indicou seu aliado Edison
Lobão (PMDB-MA) para o Ministério de Minas e Energia.
[21] Novo mandato na Presidência do Senado (2011-2012)
- Ao se recuperar da crise decorrente das denúncias que
enfrentou em 2010, no início da nova legislatura, em fevereiro de 2011, SARNEY
foi reeleito presidente do Senado, o que o transformou no mais forte
aliado do novo governo no Congresso.
- Em julho de 2011, SARNEY tornou-se, mais uma vez, o centro de
uma polêmica envolvendo seu nome como um dos favorecidos que recebiam
supersalários no Senado. Na oportunidade, o então presidente do Senado
ganhava R$ 26.700 e, segundo o Ministério Público, acumulava mais duas
aposentadorias, o que fazia com que seus vencimentos extrapolassem em
muito o teto constitucional estabelecido.
- Também
em julho, o Senado cortou todos os pagamentos de seus servidores que
ultrapassem R$ 26,7 mil, valor que correspondia ao salário de um ministro
do STF, o teto constitucional do funcionalismo. Assim sendo, nenhum
servidor público poderia ganhar acima deste valor. No mês anterior, a 9ª.
Vara Federal de Brasília havia decidido que esta regra deveria ser
cumprida à risca e determinou que os três poderes fizessem o chamado
abate-teto, ou seja, o corte nos excedentes. Tal decisão fez com
que o Senado diminuísse o valor do pagamento de pelo menos 464 servidores. Porém,
a liminar só atingiu os funcionários, deixando de lado os parlamentares
que acumulassem o que recebiam no Congresso com aposentadorias, e assim
ultrapassassem o teto estabelecido. Embora discordasse do corte, o Senado
entrou com recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª. Região (TRF-1), de
modo a invalidar a decisão. Em agosto seguinte, o presidente dessa Corte,
Olinto Menezes, derrubou a determinação que mandava cortar os
supersalários.
- Com
relação à ação do MP, foi realizado inquérito civil após a notícia de que SARNEY
recebia cerca de R$ 52 mil por mês. Na ocasião, o procurador Francisco
Vollstedt Bastos informou à Justiça que o próprio senador “reconheceu”
ganhar acima do teto do funcionalismo. Segundo o apurado, SARNEY recebia,
além do salário de senador em Brasília, duas aposentadorias: uma como
ex-governador do Maranhão e outra como servidor do Tribunal de Justiça do
mesmo estado. Já em 2009, uma matéria do jornal Folha de S. Paulo havia mostrado
que as duas aposentadorias somavam R$ 35.560,98, em valores de 2007. Com o
salário de senador da época (R$ 16.500), ele estaria ganhando R$ 52 mil.
Como o salário de senador em 2011 era de R$ R$ 26.723,00, a remuneração
recebida pelo presidente do Senado girava em torno de R$ 62.284,00,
considerando-se as informações divulgadas pelo jornal e sem considerar
eventuais reajustes nas aposentadorias. Com base na informação, o
procurador Vollstedt Bastos instaurou inquérito, questionando formalmente
o senador e o governo do Maranhão. O MP relatou que eles se negaram a
informar detalhadamente os valores recebidos a título de pensão, mas
admitiram o recebimento dos pagamentos, considerados indevidos pelo
procurador, como destacou na ação.
- Foi sua
filha, então governadora do Maranhão, quem saiu em defesa de SARNEY. No
documento que
elaenviou ao MP, Roseana manifestou-se dizendo que o procurador queria “invadir a privacidade” do pai, embora garantisse a legalidade de tudo que ele recebia. Para o MP, porém, esse direito à não se aplicava ao caso. De acordo com o procurador, a defesa da constitucionalidade dos pagamentos foi feita por SARNEY e pela governadora “com base no entendimento equivocado quanto à aplicação do teto remuneratório, bem como em inexistente direito adquirido à pensão”. - Na ação
do MP, o procurador Vollstedt Bastos pediu que a União e o governo do
Maranhão suspendessem os pagamentos destinados ao senador que estourassem
o teto e que o parlamentar escolhesse qual fonte de rendimentos utilizaria
para se manter dentro do limite constitucional. Pediu ainda que SARNEY
fosse condenado a devolver aos cofres públicos tudo o que havia ganhado
nos últimos cinco anos além do permitido. Para fazer valer isso, o MP
pediu uma liminar à Justiça para obrigar o senador e o governo do Maranhão
a informarem, com detalhes, os valores das aposentadorias recebidas. A
liminar foi negada pela juíza substituta Raquel Chiarelli, da 21ª Vara,
para quem o valor exato da aposentadoria de SARNEY poderia ser obtido no
transcorrer do caso. A Justiça determinou ainda que o procurador
informasse outras partes interessadas na ação. Em recurso, o MP informou
que não havia mais partes a indicar. O recurso foi negado pela juíza.
- A
Secretaria de Imprensa da Presidência do Senado lembrou que o acórdão
2274/09, do Tribunal de Contas da União (TCU), autorizava pagamentos de
fontes diferentes que extrapolassem o teto. Nesse acórdão, os ministros do
TCU decidiram que o corte na renda vinda de várias fontes “dependia da
implementação do sistema integrado de dados” entre estados, prefeituras e
o governo federal. Se houvesse uma comparação do caso de SARNEY e de
outros senadores com o dos servidores do Senado, seria possível concluir
que realmente havia uma diferença. No caso dos servidores, era o próprio
Senado quem pagava os valores excedentes; no caso de SARNEY e de outros
senadores, o salário pago pelo Senado não ultrapassava o teto. O que
gerava o excedente era a soma com as aposentadorias. Assim sendo, a
assessoria do Senado informou que nenhum senador ganhava mais que o teto,
o que podia ser comprovado pela folha de pessoal da Casa. O salário de R$
26.700 havia sido definido pelos próprios senadores e deputados em 2010,
oportunidade em que também elevaram para o mesmo valor a remuneração da
presidente da República, de seu vice e de seus ministros de Estado.
- No final de 2012, na condição de presidente do
Senado, e portanto o terceiro na ordem de sucessão, SARNEY voltou a ocupar
interinamente a Presidência da República, em virtude de viagens
simultâneas da presidente Dilma Rousseff, do vice-presidente, Michel
Temer, e do então presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS).
Também nesse período ficou afastado do Senado por quase dois meses, após
ser diagnosticado com dengue aguda e pneumonia.
- Concluindo seu mandato como presidente do Senado,
José SARNEY foi sucedido pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) no início
de fevereiro de 2013. A partir de então passou a cumprir as atividades
parlamentares regulares de senador,
ese tornou um importante aliado do governo. - Durante a convenção estadual do PMDB, realizada a
27 de junho de 2014, em Macapá, o senador José SARNEY anunciou
oficialmente sua desistência em concorrer ao Senado nas eleições de
outubro. Na oportunidade declarou que era uma decisão definitiva, que a
vida estava lhe pedindo um tempo e a política teria se tornado “muito
desestimulante". Garantiu, entretanto, que não deixaria a vida
pública. Em sua fala destacou ainda que a política “só tem uma porta que é
a de entrada, não tem de saída”, mas que o seu espírito público e tudo que
ele devia ao povo brasileiro o obrigava, até o fim da vida, dedicá-la a
“continuar ajudando o país”. No entanto, SARNEY já havia comunicado,
oficialmente, no dia 23, sua desistência ao presidente do PMDB-AP, Gilvan
Borges, e há na semana anterior havia informado aos seus amigos e aliados,
acrescentando que precisava cuidar de sua saúde, bem como da de sua
esposa.
- O pleito de outubro de 2014 reservou para
SARNEY e seu grupo político uma situação inédita no Maranhão, com a
derrota de seus candidatos ao governo do estado, Lobão Filho (PMDB), e ao
Senado, deputado Gastão Vieira (PMDB), para, respectivamente, Flávio Dino
(PCdoB) e Roberto Rocha (PSB). Isto expôs alguns sinais de
desentendimentos no grupo e a incerteza quanto ao futuro político, em função
da ausência de um nome forte que pudesse assumir a liderança. A
eleição de Dino pôs fim a cinco décadas de hegemonia do grupo político
ligado a SARNEY no Maranhão, interrompida apenas de 2007 a 2009, quando
Jackson Lago, do PDT, fora governador.
- No plano federal, nas eleições para a Presidência da
República, SARNEY vinha se mostrando como um dos mais fortes aliados do
governo federal, não apenas ao longo da campanha eleitoral, mas desde o
governo Lula. Apesar disso, no dia da eleição, o senador José SARNEY foi
flagrado na cabine de votação pelo cinegrafista da TV Amapá, assinalando o
número 45, de Aécio Neves (PSDB), mesmo portando adesivos da candidata do
PT, Dilma Rousseff. O que provavelmente pesou na decisão de SARNEY foi a
forte oposição do PT na política do Amapá e a falta de apoio da direção nacional
do partido da presidente Dilma. Embora tenha negado o fato por
meio de sua assessoria, aos mais próximos SARNEY justificou sua atitude
antes mesmo do vídeo circular na internet, afirmando que fora “um voto de
gratidão ao Tancredo”, avô do candidato tucano de quem havia herdado a
Presidência da República em 1985.
- Durante as eleições deste ano, PSDB e PT protagonizaram uma
discussão pública sobre a autoria de programas sociais como, por exemplo,
o Bolsa Família. Para o senador e ex-presidente da República José SARNEY,
o grande responsável pela aplicação deste tipo de plano social não é Lula
nem Fernando Henrique Cardoso, e sim ele próprio. No artigo “O roubo dos
personagens”,
artigopublicado no jornal O Estado do Maranhão, de sua propriedade, no dia 14 de dezembro, pouco antes, portanto, de sua despedida do Senado, SARNEY chamou para si a responsabilidade pela implementação dos programas sociais do governo federal. Nele, destacou que todos os programas sociais que se encontram implementados, começaram com ele: “farmácia básica, aposentadoria do trabalhador rural, cota a deficiente, extensão dos benefícios da previdência ao trabalhador do campo, o 13º salário para o funcionalismo público civil e militar e, o maior de todos, a universalização da saúde”, afirmou o senador. No artigo, SARNEY escreveu ainda que “muitos dos [seus] pensamentos, [...] e iniciativas foram apropriados, sem o menor respeito”. Ainda segundo o artigo foi ele quem primeiro falou de desenvolvimento com justiça social no Brasil, no manifesto da Bossa Nova da UDN, ao tempo de Juscelino Kubitschek, que falava muito em desenvolvimento, mas nada em social. Destacou ainda que era esse o lema do governo quando assumiu a chefia do Executivo no Maranhão, em 1966; e que o slogan ‘Tudo pelo Social’ foi adotado por ele como presidente da República. - José SARNEY despediu-se do Senado no
dia 18 de dezembro, com discurso em que lembrou a primeira vez que ocupou
a tribuna no Congresso, em 1955, como deputado federal. Em sua fala
defendeu o fim da reeleição e a reforma política. Segundo ele, nos últimos
anos o país avançou na área social, mas regrediu na área política.
Responsabilizou o sistema político brasileiro por todo o resto do que
acontece no nosso país. Defendeu a necessidade de evitar a proliferação de
partidos políticos que, segundo afirmou, “constituem verdadeiros registros
eleitorais que só servem para negociações materiais”. Falou também sobre o
fato de ter voltado a ocupar um cargo público depois da presidência da
República, quando se tornou o primeiro presidente civil depois dos 21 anos
do Regime Militar, mas que se arrependia. Com base nessa sua “mea culpa”,
entendia ser importante, e até mesmo necessário que fosse proibido aos
ex-presidentes ocupar qualquer cargo público, mesmo sendo ele de natureza
eletiva, tal como ocorre nos Estados Unidos.
- Com a deflagração da Operação
Lava-Jato, quando a Petrobras tornou-se alvo de denúncias sobre esquemas
de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas envolvendo diretores
da empresa, políticos de diversos partidos e as grandes empreiteras, José SARNEY
pronunciou-se afirmando ser necessária a criação de um estatuto que
controlasse os diretores das estatais e assim evitasse um “estado de
deterioração e corrupção”. Segundo comentou, o estatuto das estatais
deverá criar um sistema de controle das companhias estatais de tal modo
que evitará esse livre arbítrio que assistimos, criando um estado de
deterioração das companhias e de corrupção, dando poderes aos diretores,
mas sem controle, inclusive do Tribunal de Contas da União.
- Sobre o último discurso na tribuna do
Senado, antes de deixar o mandato, ocasião em que afirmou ter se
arrependido de retornar à vida pública, o parlamentar comentou que “houve
uma certa confusão” quanto às declarações que dera. Justificou-se então
afirmando que se referira à necessidade de o Brasil ter um novo modelo
político, e que quando falara isso, fora como estadista, fazendo uma
referência a um novo sistema eleitoral brasileiro, “e não a esse que
vivemos”. Explicou que achava importante que não houvesse reeleição, e que
o presidente, ao terminar o seu mandato, não deveria concorrer a nenhum
outro cargo para que, na condição de ex-presidente, consiga ficar acima de
qualquer disputa partidária. Ratificou que não estava arrependido de ter
sido senador. Pelo contrário. “O Amapá me fez muito bem e me rejuvenesceu,
sendo o meu primeiro e último amor”, disse, acrescentando ter deixado
legado no estado, a exemplo da Área de Livre Comércio. Concluiu, por fim,
explicando a decisão de não concorrer a outro mandato eleitoral, pois
assim seu sentimento não seria de encerrar a carreira, mas
de simplesmente terminar o mandato e não concorrer mais. “Quero
sair bem, atuando e trabalhando. E não ficar como um velho arrastando o pé
no Senado”.
- No dia 31 de janeiro de 2015 José SARNEY
concluiu seu mandato no Senado, tendo sido o político brasileiro que no
plano nacional teve a mais longa carreira (60 anos), superando assim o senador
do Império, Antônio Paulino Limpo de Abreu, o Visconde de Abaeté (53 anos
de carreira política e 36 como senador vitalício). Como parlamentar
integrou 13 legislaturas, quatro como deputado federal e seis como
senador.
[22] Críticas ao Governo Dilma
- Depois que se despediu da política, o ex-presidente e agora
ex-senador José SARNEY passou a fazer duras críticas ao governo Dilma
Rousseff em sua coluna publicada semanalmente no jornal da família, O
Estado do Maranhão. Na edição do dia 1º de fevereiro de 2015, o alvo
principal de sua crítica foi o cancelamento (anunciado a 28/jan.), pela
Petrobras, da construção da refinaria Premium 1, cujas obras estavam em
andamento no município de Bacabeira, a 53 km de São Luís, e que, segundo a
empresa, já tivera, desde 2007, investimentos federais da ordem de R$ 1,8
bilhão, valores não atualizados monetariamente. SARNEY classificou o ato
como “uma decisão que é uma manifestação de discriminação, desprezo, ingratidão
e injustiça”. E questionou: “Que culpa tem o Maranhão pela corrupção e
pela bagunça da Petrobras? Pagamos nós pela Lava-Jato!". Prosseguindo
disse que “o Maranhão esperou 30 anos por um grande projeto de estrutura
de base, para mostrar que o Brasil não pode continuar a ser dois Brasis,
um rico e um pobre". O ex-senador conclamou o Estado a se unir para
que as obras fossem retomadas e defendeu uma "luta" dos nomes
maranhenses pela retomada das obras. Disse não aceitar a decisão de acabar
com a refinaria em seu estado e, perguntando se faltava dinheiro na
Petrobras, sugeriu a abertura da construção a empresas estrangeiras – pois
aí estavam capitais chineses, americanos, ingleses, holandeses, sauditas,
árabes e tantos outros –; e acreditar que, se fosse mantida a luta, com
classes empresariais, povo, e governo todos unidos, essa decisão seria
revertida e um dia o Maranhão teria a refinaria.
- As críticas do ex-senador e ex-aliado da presidente não se
restringiram à refinaria, atingindo também a política econômica de Dilma,
classificada por ele de “hostil”. SARNEY alegou que os fundos de participação
dos Estados eram contidos em limites precários, incapazes de fazer a
diferença; que não havia incentivos efetivos aos empréstimos dos bancos de
desenvolvimento, como taxas de juro diferenciadas das dos estados ricos.
Finalizou dizendo que a área econômica do governo era indiferente a
medidas que pudessem tornar competitivos os estados pobres, capazes de
atrair investimentos que normalmente são destinados para os estados ricos.
- José SARNEY, além dos cargos públicos que ocupou,
foi também professor da Faculdade de Administração do Maranhão, professor
honoris causa da Faculdade de Economia da Universidade do Maranhão,
professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade Católica do
Maranhão, membro do conselho administrativo da Fundação Cultural de Brasília,
presidente da Academia Brasiliense de Letras, do Instituto Histórico e
Geográfico do Maranhão e da Academia Maranhense de Letras, assim como do
Diretório Regional de Geografia e Estatística. Foi, ainda, redator de O
Imparcial, jornal editado na capital maranhense, e colaborador das
revistas Realidade, Senhor, O Cruzeiro e Manchete.
- Casou-se com Marli SARNEY, com quem teve três
filhos. entre eles, Roseana SARNEY, deputada federal pelo Maranhão no
período 1991-1994, governadora desse estado de 1995 a 2002 e de 2009 a
2014; e senadora de 2003 a 2009; e SARNEY Filho que também foi deputado
federal pelo Maranhão de 1983 a 1998 e a partir de 2002; e ministro do Meio
Ambiente de janeiro de 1999 a março de 2002 durante o segundo período de
governo de Fernando Henrique Cardoso.
- Além de ensaios, conferências, artigos e contos
editados em jornais e revistas, assim como discursos e mensagens
publicados pelo governo do Maranhão, publicou A canção inicial (poesia,
1950), Estudo sobre a pesca de curral na ilha Currupi (ensaio, 1952),
Norte das águas (1969), Governo e povo (1970), Cantigas de Pericumã
(poesia, 1978), Marimbondos de fogo (poesia, 1979), O parlamento
necessário (discursos, 1982), Falas de bem-querer (discursos, 1983),
Brejal dos Guajas e outras histórias (1985), Palavras do presidente José SARNEY
(1985-1990), Nova República: 120 dias (1985), Brazil: a president’s story
(1988), Brazil: a president’s story (1988), Sexta-feira, Folha (coletânea
de artigos publicados na Folha de S. Paulo, 1994), O dono do mar (1995),
Amapá, a terra onde o Brasil começa, com Pedro Costa (1999), A onda
liberal na hora da verdade, (crônica, 1999), Saraminda (romance, 2000),
Saudades mortas (poesia, 2002), Canto de página (crônica, 2002), Crônicas
do Brasil contemporâneo (2004), Tempo de pacotilha (2004), 20 anos de
democracia (discursos, 2005) 20 anos do Plano Cruzado (discursos, 2006)
Semana sim, outra também (crônica, 2006), e A duquesa vale uma missa
(romance, 2007), Meditação sobre o rio Bacanga, A maré de agosto, Veneza
da miséria e As têmporas pedem roxo.
Sobre o governo SARNEY foram publicados:
I. SARNEY, difícil equilíbrio, de Arnaldo Lacombe (1985),
II.O último trem para Paris - de Getúlio a SARNEY, de João
Paulo dos Reis Velloso (1986),
III. De Jango a SARNEY, de Raimundo Oliveira (1986),
IV. Brasil provisório – de Jânio a SARNEY, de Newton
Rodrigues (1986),
V. De Castelo a SARNEY, de Amaury Fassy (1987),
VI. A eleição do cruzado, de Paulo Saab (1987),
VII. Com a palavra o senhor presidente José SARNEY, de Celi
Regina Jardim Pinto (1989),
VIII. Os crimes do presidente, de Carlos Bruzzi Castelo (1989),
IX. Céu dos favoritos – o Brasil de SARNEY a Collor, de
Ricardo Noblat (1990) e
X. Honoráveis bandidos – um retrato do Brasil na era SARNEY,
de Palmério Dória e Mylton Severiano (2009).
Sônia Dias/Renato Lemos/Alan Carneiro (atualização, 2015)
FONTES: Almanaque Abril. Brasil; CALDEIRA, J. Estabilidade;
Encic. Barsa; Encic. Britannica do Brasil; Encic. Mirador; Estado de S.
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Brasileira de Letras. Disponível em: <http://www.academia.org.br>.
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08/09/2015; Portal Folha de S. Paulo. Disponível em: <http://www.folha.uol.com.br>.
Acesso em 05/12/2009, 06/12/2009 e 07/12/2009; Portal G1 de Notícias. Disponível em:
<http://g1.globo.com/index.html>. Acesso em 07/09/2015; Portal Notícias
EBC. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/>. Acesso em 08/09/2015; Portal Notícias
do Último Segundo. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/>.
Acesso em 08/09/2015; Portal do Senado Federal. Disponível em:
<http://www12.senado.leg.br/hpsenado>. Acesso em 09/12/2009; Portal UOL
Notícias. Disponível em: <http://www.uol.com.br>. Acesso em
07/09/2015; Portal Veja.com. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/>. Acesso em 08/09/2015.
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Blog Ronald.Arquiteto e do Facebook Ronald Almeida Silva:
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FAU-UFRJ 1969-1972.
Especialização em
Desenho Urbano e Planejamento Regional (Universidade de Edimburgo, Escócia,
1981-83).
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