DESCONFIE DE QUEM É FELIZ DEMAIS NAS REDES
SOCIAIS
Revista
Bula bula.rev@gmail.com por mail136-16.atl41.mandrillapp.com
http://www.revistabula.com/5878-desconfie-de-quem-e-feliz-demais-nas-redes-sociais/
Acesso RAS em 27jan2016
Nota RAS: a numeração dos parágrafos e os grifos não constam da edição original publicada no site da Revista Bula.
1. Você chega em casa (as costas doendo, a cabeça
pesada) e abre uma cerveja para relaxar. Liga a TV e, enquanto os jornalistas
proferem discursos realistas e chocantes, você navega em suas redes sociais.
Gatinhos fofos, pratos de comida, check-in em qualquer lugar, sorriso, sorriso,
abraço, declaração de amor, sorriso, uma pessoa irritada com a política, alguém
divulgando um evento, sorriso, festa, bebida, corpos seminus, sorriso. As redes
sociais são o universo mais loucamente paralelo que há.
2. Basta
reparar o pessoal no trabalho, cinema ou em qualquer outro lugar. Uma voltinha
no quarteirão já é suficiente para perceber que o semblante das pessoas reais
não é o daquelas fotos.
3. A matemática
humana fica ainda mais surreal quando se tenta equacionar a mesma pessoa que
distribui amor e felicidade nas versões “vida na rede” X “vida real”. A conta
geralmente não “bate”.
4. A internet é um veículo baratinho para se
brincar de ator. Atua-se na vida que se gostaria de ter, nos
relacionamentos idealizados, nas amizades eternas e plenamente sinérgicas.
Atua-se no dinheiro sobrando, nas festas e viagens absurdamente divertidas, nas
crises de riso intermináveis, nos corpos prontos para ser espontaneamente
clicados. Assim, como quem nem viu a foto sendo feita.
5. É estranho
procurar entender o que motiva alguém a derramar essa suposta felicidade no
mundo virtual. É provável que, em grande parte dos casos, a carência por
curtidas e comentários espelhe aquela afetiva e dolorosa, uma autoestima
arranhada, ou uma profunda necessidade de aceitação.
6. Talvez, como
tantas blogueiras e pessoas públicas que fazem da falsa perfeição uma curiosa profissão, sejam internautas
publicitários de si mesmos, vendendo por um preço exorbitante produtos de
qualidade duvidosa e negociando quem fechará a bolsa de valores invertidos mais
em alta.
7. Dia desses,
num restaurante divertido e com boa comida, observei um casal muito conhecido
publicamente sentar-se à mesa ao lado. Os dois não trocaram uma única palavra,
salvo para escolher a comida — sobre a qual, aliás, discordaram
— enquanto postavam fotos, respondiam a comentários e tiravam “selfies” de
seus rostos bonitos em ângulos diversos. Tomei o cuidado de bisbilhotá-los
depois para ver o que haviam postado. Era como se a noite tivesse sido
esplendorosa, de papos alegres e maravilhosas histórias compartilhadas.
Caramba, eles não tinham trocado uma só palavra. Os casais mais infelizes e
complicados que conheço são os que mais se autoafirmam, entre longas
declarações e fotos “100% espontâneas”, o amor infinito que devotam entre si.
8. Por outro
lado, se a pessoa realmente for muito feliz e apenas quiser dividir tanto
esplendor com o resto do mundo, será mesmo que faz sentido colocar-se à frente
dos holofotes?
9. Honestamente,
quantos por cento das pessoas observam alguém MUITO feliz em uma foto e lhe
desejam boas energias e vida longa? Mesmo que inconscientemente, é natural e
humano — infelizmente — invejar o próximo quando imagina que sua
própria condição não esteja à altura da de seus semelhantes.
10.
É evidente que tudo isso são elucubrações e
você pode estar revoltado. Posso estar errada, posso não estar falando de
todos, não sou dona da verdade. Mas procure se lembrar de que o homem é
apequenado em sua natureza, humanoide e pouco elevado em seu espírito. Despidos
de nosso escudo de polidez e elevação moral, talvez comecemos a pensar que, por
trás da vida que tanto exibimos no mundo virtual, existe um mundo de vida aqui
dentro que precisa de cuidado real.
Nenhum comentário:
Postar um comentário