[New
York; Janette
Sadik-Khan] ELA VAI DE BICICLETA
Poucas
pessoas transformaram tanto a cidade de Nova York quanto Janette Sadik-Khan, a
secretária de Transportes da "Big Apple"
Autor: Gisele Regatão | Postado em: 07 de março de 2013 | Fonte: Valor Econômico
Site:
http://www.mobilize.org.br/noticias/3638/ela-vai-de-bicicleta.html
Janette:
450 km de ciclovias em NY nos últimos 5 anos
créditos: Divulgação NYC Transport Dept.
“Você pode pintar a cidade que quer
ver. Não tem que levar anos e anos. Você pode experimentar e tentar novas
ideias. E, se não funcionar, pode mudar. Mas temos que continuar na tarefa de
tornar as cidades mais verdes e mais vivíveis”.
Janette Sadik-Khan
Entre seus admiradores, ela
é chamada de "JSK", em referência ao famoso ex-presidente americano
John F. Kennedy. Os inimigos preferem outro apelido, Chaka Khan, em homenagem à
exagerada cantora de funk dos anos 1970.
Mas
é provavelmente unanimidade entre todos que poucas pessoas transformaram tanto
a cidade de Nova York quanto Janette Sadik-Khan, a secretária de Transportes.
Desde que foi nomeada pelo prefeito Michael Bloomberg em 2007, ela dobrou a
quilometragem de ciclovias na cidade, para um total de 800 quilômetros, e
transformou 13 ruas em praças para pedestres, incluindo uma no meio de Times
square. Outras 50 estão em construção.
Neste último ano do seu
mandato, Janette sentou para conversar com o Valor no seu escritório
perto de Wall Street em Manhattan, num edifício que ainda está sendo reparado
dos estragos causados pela tempestade Sandy em outubro. Ela falou sobre suas
maiores conquistas, seus desafios e sua visão para a cidade do futuro. Disse
também que é "louca pelo Brasil", país que já visitou seis vezes. São
Paulo, Rio, Curitiba... mas a sua cidade favorita é Salvador. "Adoro a
comida, as barracas e o fato de que a deusa do mar, Iemanjá, seja uma
mulher."
[entrevista ao jornal Valor
Econômico]
1) Ciclovias
têm sido uma prioridade tão grande do seu governo que algumas pessoas a
apelidaram de "secretária de bicicletas". Por que ciclovias são tão
importantes para a senhora e elas podem ser viáveis em cidades como São Paulo,
Rio e Salvador?
Janette Sadik-Khan: Ciclovias e bicicletas são
uma importante forma de trazer equilíbrio para uma cidade. Quando você olha
como as cidades crescem e florescem, em muitos casos você pode mudar o papel do
asfalto, para priorizar maneiras mais eficientes de se locomover.
Um ônibus pode levar 40
pessoas, enquanto um carro geralmente leva 1.
Você pode desenhar uma
cidade de uma forma que seja mais fácil caminhar, o que é bom para a saúde e
também diminui o impacto ambiental de emissão de dióxido de carbono. E é muito
fácil pintar ciclovias, e tornar fácil para as pessoas se locomoverem em duas
rodas, e também seguro para todos. Acho que uma das nossas maiores
conquistas tem sido melhorar a segurança das ruas de Nova York.
Os últimos cinco anos têm
sido os mais seguros nas ruas na história da cidade desde que dados começaram a
ser coletados, em 1910. Nossas ruas estão mais seguras, com a adição de 450
quilômetros de ciclovia nos últimos cinco anos; nossas ruas estão mais
atraentes, com 50 ruas que estão sendo transformadas em praças para pedestres;
nossas ruas estão mais eficientes, com seis novas rotas de ônibus rápido em
toda a cidade; nossa infraestrutura está em bom estado de manutenção. Então
nossas estradas, pontes e barcos estão nas melhores condições que já tiveram em
muitas gerações. Gastamos mais de US$ 5 bilhões nisso apenas nos
últimos cinco anos. Em todas as medidas temos feito enorme
progresso.
Nossas ruas estavam
congeladas no tempo por quase 50 anos. A visão era a de olhar para a rua
através do para-brisa e pensar como fazer os carros se moverem o mais rápido
possível do ponto A para o ponto B.
Em Nova York, metade dos
residentes nem tem carro. Um terço dos moradores se locomove a pé, um terço usa
sistema de transporte público e um terço usa carro. O que estamos tentando
fazer é incluir as pessoas que caminham e usam transporte, para que elas tenham
o mesmo peso no planejamento urbano de uma cidade de uma alta classe mundial.
Queremos trazer comunidades para a mesa para participar do planejamento e
replanejamento das ruas.
2) Muitas
cidades brasileiras têm um percentual grande de motoristas. A senhora acha que
elas podem ter ciclovias viáveis?
Sim, eu acho. Tem muito
trabalho para ser feito em São Paulo, por exemplo. Mas a cidade também tem
feito muito progresso construindo novas linhas de metrô. Acho que existe um
entendimento de que o mundo dos pedestres é importante para o funcionamento e a
atratividade da cidade, e também para a vitalidade econômica da cidade, porque
os pedestres gastam mais do que pessoas que dirigem ou pessoas que usam
transporte coletivo.
Você precisa investir em
criar espaços públicos atraentes, porque nos dias de hoje empresas podem mudar
para qualquer lugar, pessoas podem viver em qualquer lugar, e existe uma
competição mundial para quem pode ser mais "verde", e essa é uma
ótima competição. Existem muitas cidades nos Estados Unidos e no mundo
investindo massivamente em ciclovias e sistemas de transporte de bicicletas,
porque sabem que são estratégias importantes para uma cidade atrair empresas,
pessoas e visitantes.
3) Mas
a criação de ciclovias em Nova York não tem sido um processo fácil
politicamente. Alguns bairros se opuseram a elas, e um percentual muito pequeno
de nova-iorquinos usa bicicleta para ir ao trabalho, menos de 2%. A senhora
acha que a bicicleta vai se tornar um meio de transporte das massas?
Ciclovia protegida e espaço para pedestres na
Herald Square
O público está na frente dos
políticos. Mesmo considerando essa suposta guerra contra as ciclovias, 66% dos
nova-iorquinos são a favor delas; 72% dos nova-iorquinos apoiam o programa de
aluguel de bicicletas que estamos prestes a implementar. O ciclismo tem
quadruplicado na cidade nos últimos cinco anos. Se você constrói eles aparecem,
e as pessoas votam com seus pedais. Mas cada vez que você muda o status quo
demora um pouco, e sempre tem reação contra. Os nova-iorquinos são muito
apaixonados por suas ruas, da mesma forma que tenho certeza que os paulistanos
também são.
Numa grande cidade, as ruas
são os nossos jardins, a gente interage com elas todos os dias, e mudar a forma
como elas operam pode demorar um pouco, mas estamos encontrando exigências para
mais ciclovias, mais áreas de pedestres. Se não estivesse funcionando, outras
cidades não estariam copiando o nosso modelo.
Estão replicando nosso
modelo em Chicago, San Francisco, Washington DC. Acabo de ir a Buenos Aires e
eles me contaram que estudaram o website do Departamento de Transporte de Nova
York por seis meses e copiaram nossos modelos de ciclovias, ônibus rápido,
praças de pedestres. E queremos que as cidades sejam mais sustentáveis, mais
verdes, porque as cidades são o futuro. A metade da população mundial vive em
cidades, e esse percentual vai crescer dramaticamente nos próximos 30 anos.
Temos que fazer tudo o que podemos para que as cidades sejam bem-sucedidas e
funcionem para todos. E estamos vendo resultados em dinheiro. Na primeira
ciclovia protegida em Nova York, as vendas de varejo aumentaram 49%.
Na área de pedestre que
criamos em Dumbo, no Brooklyn, as vendas aumentaram 172%. Quando fizemos o
mesmo no norte de Union Square, em Manhattan, o número de imóveis vazios
diminuiu mais de 40%. O que a gente percebe é um grande apoio de lojas e
empresas para essas iniciativas, porque eles perceberam que boas ruas querem
dizer bons negócios.
Por isso Times square é hoje
um dos dez maiores centros de varejo do mundo. Não era esse o caso antes de
criarmos áreas de pedestres em Times Square.
As pessoas não iam à praça
para olhar o trânsito. Elas queriam olhar o cruzamento famoso de ruas e agora
têm o espaço para desfrutar dessa experiência: 365 mil pessoas usam aquela área
diariamente, e 90% do espaço era dedicado aos carros, era totalmente
desequilibrado. Muito do trabalho é simplesmente trazer equilíbrio para as
cidades, tratar com acupuntura os pontos de congestão, para aliviar os pontos
de tensão. É importante para a saúde pública, a segurança, a economia e para
ser sustentável.
Criar uma praça de pedestres
na Times Square não parece um pensamento muito convencional. Menos ainda em
cidades de países em desenvolvimento, como o Brasil. A senhora acha que elas sempre
funcionam ou elas podem atrapalhar e criar áreas de congestionamento?
Elas têm que ser colocadas
em áreas de grande densidade e atividade, onde há muitas lojas. Desde Times
square, que tem uma das estações de metrô mais populosas do mundo, até East Nova
York, no Brooklyn, no fim da linha 3 do metrô, num bairro pobre, onde criamos
uma área de pedestre que se tornou o orgulho da região. Ela une a comunidade de
uma maneira muito importante. Essas áreas de pedestre também cumprem um papel
cívico importante: são lugares onde as pessoas se reúnem e conversam, são
lugares seguros para sentar-se e relaxar.
Muitas cidades são como Nova
York - são ótimas para caminhar, mas não existem muitos lugares para se sentar.
Por isso trabalhamos num programa de bancos. Instalamos mil bancos pela cidade.
Eles são cruciais para fazer que as pessoas desfrutem a cidade.
Cada cidade é diferente,
você tem que adaptar a estratégia dependendo do lugar, tem que considerar os
ativos, examinar onde quer crescer, quais são as áreas que precisam de ajuda, e
então você considera qual é a melhor combinação de ferramentas - uma área de
pedestres aqui, uma passarela acolá, um sistema de ônibus rápido. Não existe
uma única fórmula para todos os lugares.
4) Congestionamentos
ainda são um grande problema. O prefeito Michael Bloomberg tentou criar um
sistema de imposto sobre o trânsito, mas ele não foi aprovado na Câmara e
Senado do Estado de Nova York. Como resolver engarrafamentos?
Em Nova York, eu acho que
algum sistema de taxa vai ser adotado. A questão não é se vai ser adotado, mas
quando. Temos que usar taxa como uma forma de controlar o trânsito, mas também
para gerar recursos para financiar o sistema de transporte público. Temos um
dos sistemas mais extensos de transporte público do mundo, 1.160 quilômetros de
trilhos, 469 estações, com uma enorme dívida.
A única forma de sair do
buraco seria por meio de um novo sistema de receita, e um programa de taxa de
trânsito é fundamental para isso. O sistema de transporte público de Nova York
é o coração da cidade, e a saúde desse sistema está diretamente ligado à saúde
da cidade.
5) Mas
como criar um sistema de taxa que tenha apoio público e político?
Temos que examinar todo o
sistema. Talvez existam áreas onde podemos diminuir os pedágios, áreas onde não
há transporte público. E podemos criar pedágios em áreas com bom transporte
público. Examinar quem paga, e qual é a infraestrutura disponível, é uma boa
forma de racionalizar o sistema de transporte de Nova York. Se você chegasse de
Marte, acharia que a pessoa que desenvolveu os sistemas de pedágio era louco.
Precisamos de uma forma muito mais racional de incentivar como o trânsito se
move.
6) A
senhora tem menos de um ano de mandato sobrando. Se tivesse apenas uma coisa
para fazer, o que seria?
Há coisas que estão no meu
controle, outras não. Estou muito focada em melhorar a segurança das ruas. Alta
velocidade causa um quarto das fatalidades nas ruas de Nova York, e uma das
coisas que a gente pode fazer para diminuir o número de colisões seria colocar
câmeras de velocidade, especialmente perto de escolas.
Por que elas ainda não foram
instaladas? São Paulo tem câmeras na cidade inteira.
Eu sei. Precisamos de
aprovação de lei em Albany (capital do Estado de Nova York). E você sabe quanto
isso é difícil. Eu também espero ver 6 mil bicicletas operando no nosso novo
sistema de aluguel de bicicletas a ser efetivado em maio, continuar o programa
de ônibus rápido, continuar a seguir em frente em segurança, em mobilidade e
desenvolvimento. E estamos documentando nosso progresso e a reação da
comunidade e de outras cidades do mundo. Você pode
pintar a cidade que quer ver. Não tem que levar anos e anos. Você pode
experimentar e tentar novas ideias. E, se não funcionar, pode mudar. Mas temos
que continuar na tarefa de tornar as cidades mais verdes e mais vivíveis.
Leia também:
Nenhum comentário:
Postar um comentário