quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

[199] REVISTA BULA - POESIA - ENSAIOS: REVOLUÇÃO RUSSA DE STÁLIN DEVOROU MAIAKÓVSKI - por EULER FRANÇA BELÉM



REVOLUÇÃO RUSSA DE STÁLIN DEVOROU MAIAKÓVSKI


Vladímir Maiakóvski matou-se com um tiro no peito no dia 14abr1930, aos 36 anos.



FONTE: REVISTA BULA; POR EULER DE FRANÇA BELÉM; EM ENSAIOS

http://www.revistabula.com/5574-revolucao-russa-de-stalin-devorou-maiakovski/
Acesso RAS em 27jan2016
Nota RAS: a numeração dos parágrafos e os grifos não constam da edição original publicada no site da Revista Bula.



1.     No prefácio de “Maiakóvski — O Poeta da Revolucão” (559 páginas), do russo Aleksandr Mikhailov, com tradução esmerada de Zoia Prestes, Alexei Bueno nota “a riqueza metafórica e rítmica da poesia de Vladímir Maiakóvski, sua mestria no uso de hipérboles, seu humor cáustico, seu virtuosismo no jogo de palavras”.
2.     Àquele leitor que não quer apenas saber os fatos da vida do poeta, que dizia detestar fofocas, recomendo três livros:
(i)                Poemas”, de Maiakóvski, com traduções de Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos,
(ii)              Poesia Russa Moderna”, com traduções do mesmo trio, e
(iii)            Antologia Poética”, de Maiakóvski, com tradução de E. Carrera Guerra.
3.         Maiakóvski matou-se, aos 36 anos, em 1930, quando Stálin, senhor do poder, havia expurgado adversários de peso como Liev Trotski e enquadrava aqueles que pensavam diferentemente da ortodoxia do partido.
4.         Por que Maiakóvski se matou, com um tiro no peito, se havia condenado o suicídio do poeta Sierguéi Iessiênin, em 1925? Mikhailov escreve, com pertinência: “A pessoa que deixa voluntariamente a vida leva consigo o mistério de sua decisão. Nenhuma explicação (inclusive as de Maiakóvski) penetra na essência real da atitude tomada. Elas somente entreabrem a cortina sobre o segredo, mas o próprio segredo permanece escondido atrás do final triste da vida. (…) Encontramos os motivos, mas o segredo permanece em segredo”.
5.         Há dois pontos centrais.
(i)         Primeiro, a Revolução que Maiakóvski havia colaborado para criar e formular saía dos eixos e trabalhava para enquadrar, cercar e subordinar a literatura, sugerindo que só a literatura proletária era literatura. O poeta tentou se enquadrar, fez poemas engajados-proletários, produziu cartazes revolucionários, mas sua criatividade, tida como excessiva e contagiante, chocava os comunistas retrógrados e não era entendida pelas massas. Escritores geniais como Maiakóvski têm seu estoque de ingenuidade política e acreditam que podem influenciar as revoluções e os políticos, sem perceberem que, adiante, as revoluções, como a Bolchevique, começam a devorar seus próprios filhos. O saturno comunista de Lênin e Stálin devastou escritores, matando-os, enviando-os para morrer no Gulag ou exilando-os. Maiakóvski avaliou, errado, que poderia se adaptar. Acabou rejeitado pela política da literatura proletária, mais proletária, em termos de qualidade, do que literatura. Chegaram a boicotar a encenação de sua peça teatral “Os Banhos”. O biógrafo Mikhailov diz: “As circunstâncias de sua vida pessoal eram-lhe incontornáveis.  Vivia em profundo estado de depressão e passava por uma crise de criação em face de confronto com o poder soviético, mesmo sem ainda ter a consciência do que seria no futuro, mas sentindo uma enorme pressão que privava a literatura do ar de liberdade”. Imagine, para um criador do porte de Maiakóvski, ter de produzir uma poesia de baixa qualidade, para ser compreendido pelas maiorias e aceito pela burocracia, que ele abominava. Essa burocracia medíocre não aceitava a sua sátira, seu modernismo.
(ii)       Segundo, Maiakóvski nutria paixão por duas mulheres casadasLília Brik e, nos últimos anos, Verônica Vitoldovna Polonskaia, a Nora. Quis se casar com Nora, chegou a procurar um apartamento, mas sua depressão e certa violência, assustadora num gigante como ele, incomodavam a atriz, que o amava.
6.     Provavelmente, ao sentir que a Revolução não era o paraíso libertário que imaginara e que era infeliz no amor, roído pela depressão, Maiakóvski optou por matar-se.
7.         Tinha certa consciência de que o futuro o aguardava… para entendê-lo. Mas, depois de sua morte, quando não mais incomodava, Stálin o transformou no poeta da revolução e, numa carta a Iejov, escreveu: “Peço que dê atenção à carta de Lília Brik. Maiakóvski foi e continua sendo o melhor e mais talentoso poeta da época soviética. A indiferença com a sua obra é um crime”.

O bilhete do suicida [1930]

Vladímir Maiakóvski matou-se no dia 14 de abril de 1930 e deixou um bilhete.

A todos
De minha morte não acusem ninguém, por favor, não façam fofocas.
O defunto odiava isso.
Mãe, irmãs e companheiros, me desculpem, este não é o melhor método (não recomendo a ninguém), mas não tenho saída.
Lília, ame-me.
Ao governo: minha família são Lília Brik, minha mãe, minhas irmãs e Verônica Vitoldovna Polonskaia.
Caso torne a vida delas suportável, obrigado.
Os poemas inacabados entreguem aos Brik, eles saberão o que fazer.
Como dizem:
caso encerrado,
o barco do amor
espatifou-se na rotina.
Acertei as contas com a vida
inútil a lista
de dores,
desgraças
e mágoas mútuas.
Felicidade para quem fica.

Não entendem nada [1913]

Entrei na barbearia e disse, sem espera:
“Por gentileza, penteie-me as orelhas.”
O meloso barbeiro ficou cheio de abelhas,
seu rosto se alongou com uma pêra.
“Mentecapto!
Palhaço!” —
saltaram as palavras.
Insultos relincharam pelo espaço,
e l-o-o-o-o-ngamente
ouviu-se o rinchavelho
de uma cabeça que brotou por entre a gente
como um rabanete velho.

O poema é de 1913, quatro anos antes da Revolução Russa de 1917. Mas a burocracia soviética, que queria poemas úteis à causa, podia compreender a sátira de Maiakóvski? Não, certamente. Tradução de Augusto de Campos.

Hino ao crítico [1915]

Da paixão de um cocheiro e de uma lavadeira
Tagarela, nasceu um rebento raquítico.
Filho não é bagulho, não se atira na lixeira.
A mãe chorou e o batizou: crítico.
O pai, recordando sua progenitura,
Vivia a contestar os maternais direitos.
Com tais boas maneiras e tal compostura
Defendia o menino do pendor à sarjeta.
Assim como o vigia cantava a cozinheira,
A mãe cantava, a lavar calça e calção.
Dela o garoto herdou o cheiro de sujeira
E a arte de penetrar fácil e sem sabão.
Quando cresceu, do tamanho de um bastão,
Sardas na cara como um prato de cogumelos,
Lançaram-no , com um leve golpe de joelho,
À rua, para tornar-se um cidadão.
Será preciso muito para ele sair da fralda?
Um pedaço de pano, calças e um embornal.
Com o nariz grácil com um vintém por lauda
Ele cheirou o céu afável do jornal.
E em certa propriedade um certo magnata
Ouviu uma batida suavíssima na aldrava,
E logo o crítico, da teta das palavras
ordenhou as calças, o pão e uma gravata.
Já vestido e calçado, é fácil fazer pouco
Dos jogos rebuscados dos jovens que pesquisam,
E pensar: quanto a estes, ao menos, é preciso
Mordiscar-lhe de leve os tornozelos loucos.
Mas se se infiltra na rede jornalística
Algo sobre a grandeza de Púchkin ou Dante,
Parece que apodrece ante a nossa vista
Um enorme lacaio, balofo e bajulante.
Quando, por fim, no jubileu do centenário,
Acordares em meio ao fumo funerário,
Verás brilhar na cigarreira-souvenir o
Seu nome em caixa alta, mais alvo do que um lírio.
Escritores, há muitos. Juntem um milhar.
E ergamos em Nice um asilo para os críticos.
Vocês pensam que é mole viver a enxaguar
A nossa roupa brancos nos artigos?

Poema de 1915, tradução de Augusto de Campos e Boris Schnaiderman.




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