REVOLUÇÃO RUSSA DE STÁLIN DEVOROU
MAIAKÓVSKI
Vladímir
Maiakóvski matou-se com um tiro
no peito no dia 14abr1930, aos 36 anos.
http://www.revistabula.com/5574-revolucao-russa-de-stalin-devorou-maiakovski/
Acesso RAS em
27jan2016
Nota RAS: a
numeração dos parágrafos e os grifos
não constam da edição original publicada no site da Revista Bula.
1.
No
prefácio de “Maiakóvski — O Poeta da
Revolucão” (559 páginas), do russo Aleksandr Mikhailov, com tradução esmerada
de Zoia Prestes, Alexei Bueno nota “a riqueza metafórica e rítmica da poesia de
Vladímir Maiakóvski, sua mestria no uso de hipérboles, seu humor cáustico, seu
virtuosismo no jogo de palavras”.
2. Àquele leitor que não quer apenas saber os fatos da
vida do poeta, que dizia detestar fofocas, recomendo três livros:
(i)
“Poemas”, de Maiakóvski, com traduções
de Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos,
(ii)
“Poesia Russa Moderna”, com traduções do
mesmo trio, e
(iii)
“Antologia Poética”, de Maiakóvski, com
tradução de E. Carrera Guerra.
3.
Maiakóvski matou-se, aos 36 anos, em 1930, quando Stálin,
senhor do poder, havia expurgado adversários de peso como Liev Trotski e enquadrava aqueles que pensavam diferentemente da
ortodoxia do partido.
4.
Por
que Maiakóvski se matou, com um tiro no peito, se havia condenado o suicídio do
poeta Sierguéi Iessiênin, em 1925?
Mikhailov escreve, com pertinência: “A pessoa que deixa voluntariamente a vida
leva consigo o mistério de sua decisão. Nenhuma explicação (inclusive as de
Maiakóvski) penetra na essência real da atitude tomada. Elas somente entreabrem
a cortina sobre o segredo, mas o próprio segredo permanece escondido atrás do
final triste da vida. (…) Encontramos os motivos, mas o segredo permanece em
segredo”.
5.
Há
dois pontos centrais.
(i)
Primeiro, a Revolução que Maiakóvski havia colaborado para criar e
formular saía dos eixos e trabalhava para enquadrar, cercar e subordinar a
literatura, sugerindo que só a literatura proletária era literatura. O poeta
tentou se enquadrar, fez poemas engajados-proletários, produziu cartazes
revolucionários, mas sua criatividade, tida como excessiva e contagiante,
chocava os comunistas retrógrados e não era entendida pelas massas. Escritores geniais como Maiakóvski têm seu
estoque de ingenuidade política e acreditam que podem influenciar as
revoluções e os políticos, sem perceberem que, adiante, as revoluções, como a
Bolchevique, começam a devorar seus próprios filhos. O saturno comunista de Lênin e Stálin devastou escritores,
matando-os, enviando-os para morrer no Gulag ou exilando-os. Maiakóvski
avaliou, errado, que poderia se adaptar. Acabou rejeitado pela política da
literatura proletária, mais proletária, em termos de qualidade, do que
literatura. Chegaram a boicotar a encenação de sua peça teatral “Os Banhos”. O
biógrafo Mikhailov diz: “As circunstâncias de sua vida pessoal eram-lhe
incontornáveis. Vivia em profundo estado de depressão e passava por uma crise de
criação em face de confronto com o poder soviético, mesmo sem ainda ter a
consciência do que seria no futuro, mas sentindo uma enorme pressão que privava
a literatura do ar de liberdade”. Imagine, para um criador do porte de
Maiakóvski, ter de produzir uma poesia de baixa qualidade, para ser
compreendido pelas maiorias e aceito pela burocracia, que ele abominava. Essa
burocracia medíocre não aceitava a sua sátira, seu modernismo.
(ii) Segundo, Maiakóvski nutria paixão por duas mulheres casadas
— Lília Brik e, nos últimos anos, Verônica Vitoldovna Polonskaia, a Nora. Quis se casar com Nora, chegou a
procurar um apartamento, mas sua depressão e certa violência, assustadora num
gigante como ele, incomodavam a atriz, que o amava.
6. Provavelmente, ao sentir que a Revolução não era o
paraíso libertário que imaginara e que era infeliz no amor, roído pela
depressão, Maiakóvski optou por matar-se.
7.
Tinha
certa consciência de que o futuro o aguardava… para entendê-lo. Mas, depois de
sua morte, quando não mais incomodava, Stálin o transformou no poeta da
revolução e, numa carta a Iejov, escreveu: “Peço que dê atenção à carta de
Lília Brik. Maiakóvski foi e continua sendo o melhor e mais talentoso poeta da
época soviética. A indiferença com a sua obra é um crime”.
O bilhete do suicida [1930]
Vladímir
Maiakóvski matou-se no dia 14 de abril de 1930 e deixou um bilhete.
A todos
De minha morte
não acusem ninguém, por favor, não façam fofocas.
O defunto odiava isso.
Mãe, irmãs e
companheiros, me desculpem, este não é o melhor método (não recomendo a
ninguém), mas não tenho saída.
Lília, ame-me.
Ao governo:
minha família são Lília Brik, minha
mãe, minhas irmãs e Verônica Vitoldovna
Polonskaia.
Caso torne a
vida delas suportável, obrigado.
Os poemas
inacabados entreguem aos Brik, eles
saberão o que fazer.
Como dizem:
caso encerrado,
o barco do amor
espatifou-se na
rotina.
Acertei as contas
com a vida
inútil a lista
de dores,
desgraças
e mágoas mútuas.
Felicidade
para quem fica.
Não entendem nada [1913]
Entrei
na barbearia e disse, sem espera:
“Por gentileza,
penteie-me as orelhas.”
O meloso
barbeiro ficou cheio de abelhas,
seu rosto se
alongou com uma pêra.
“Mentecapto!
Palhaço!” —
saltaram as
palavras.
Insultos
relincharam pelo espaço,
e
l-o-o-o-o-ngamente
ouviu-se o
rinchavelho
de uma cabeça
que brotou por entre a gente
como um rabanete
velho.
O poema é de 1913, quatro anos antes da Revolução
Russa de 1917. Mas a burocracia soviética, que queria poemas úteis à causa,
podia compreender a sátira de Maiakóvski? Não, certamente. Tradução de Augusto
de Campos.
Hino ao crítico [1915]
Da
paixão de um cocheiro e de uma lavadeira
Tagarela, nasceu
um rebento raquítico.
Filho não é
bagulho, não se atira na lixeira.
A mãe chorou e o
batizou: crítico.
O pai,
recordando sua progenitura,
Vivia a
contestar os maternais direitos.
Com tais boas
maneiras e tal compostura
Defendia o
menino do pendor à sarjeta.
Assim como o
vigia cantava a cozinheira,
A mãe cantava, a
lavar calça e calção.
Dela o garoto
herdou o cheiro de sujeira
E a arte de
penetrar fácil e sem sabão.
Quando cresceu,
do tamanho de um bastão,
Sardas na cara
como um prato de cogumelos,
Lançaram-no ,
com um leve golpe de joelho,
À rua, para
tornar-se um cidadão.
Será preciso
muito para ele sair da fralda?
Um pedaço de
pano, calças e um embornal.
Com o nariz
grácil com um vintém por lauda
Ele cheirou o
céu afável do jornal.
E em certa
propriedade um certo magnata
Ouviu uma batida
suavíssima na aldrava,
E logo o
crítico, da teta das palavras
ordenhou as
calças, o pão e uma gravata.
Já vestido e
calçado, é fácil fazer pouco
Dos jogos
rebuscados dos jovens que pesquisam,
E pensar: quanto
a estes, ao menos, é preciso
Mordiscar-lhe de
leve os tornozelos loucos.
Mas se se
infiltra na rede jornalística
Algo sobre a
grandeza de Púchkin ou Dante,
Parece que
apodrece ante a nossa vista
Um enorme
lacaio, balofo e bajulante.
Quando, por fim,
no jubileu do centenário,
Acordares em
meio ao fumo funerário,
Verás brilhar na
cigarreira-souvenir o
Seu nome em
caixa alta, mais alvo do que um lírio.
Escritores, há
muitos. Juntem um milhar.
E ergamos em Nice um asilo para os críticos.
Vocês pensam que
é mole viver a enxaguar
A nossa roupa
brancos nos artigos?
Poema de 1915, tradução de Augusto de Campos e
Boris Schnaiderman.
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