[95] URBANISMO SLZ (17): ARTIGO RONALD
ALMEIDA
Foto: Acervo RONALD ALMEIDA; Bairro Ipem-Angelim, SLZ, MA,
Código de Posturas de São Luís, MA, 1968 e as imposturas urbanas 2015
São Luís, MA, agosto
2015.
Texto original publicado em 2011.
Ronald de
Almeida Silva
Arquiteto Urbanista [FAU-UFRJ 1968-72], vivendo
e trabalhando em São Luís desde 1976.
E-mail: ronald.arquiteto@gmail.com
“Cercada de fezes e lama por todos os
lados, a São Luís dos sonhos franceses e da esperança portuguesa apodreceu,
desmoronou, faliu, morreu. É, hoje, uma descomunal e lastimável sepultura de
“sonhos do futuro”. Quem nela chega ou por ela passa vê, entristecido, seus
restos mortais sem alma e sem “glórias do passado”....
·
Joaquim Itapary, in “Comemorar o que?”,
Artigo publicado no jornal O Estado do Maranhão[24/02/2011] jitapary@uol.com.br
Palmas e parabéns ao Senador Epitácio
Cafeteira! O
mérito? Foi o único Prefeito de São Luís, em 413 anos, que ousou tentar disciplinar de fato e de direito
a ordem pública na cidade-mór da Ilha rebelde de Upaon-Açu.
Quando Prefeito da
Capital do Maranhão Cafeteira promulgou a Lei nº. 1.790, em 12.maio.1968 – há quase meio século –
através da qual foi instituido o Código de
Posturas do Município de São Luís.
Tamanha força (ou desimportância!?) tem esse instrumento
legal de gestão da ordem pública que até hoje - já varando mais de cinco
décadas -, nenhum Prefeito, nenhum Vereador, nenhuma entidade de classe
empresarial, nem a OAB-MA e nem o Ministério Público se interessou em adequar ou
sugerir a reordenação desse imprescindível instrumento de civilidade e
urbanidade para ajustá-lo às demandas urgentes dos novos tempos do Século XXI.
Pra que serve uma lei dessa natureza? Funciona? É viável?
À luz das experiências bem sucedidas de centenas de outros municípios brasileiros
que, onde a sociedade e as autoridades e gestores públicos respeitam as Coisas
Públicas e os Bens de Uso Comum do Povo Só posso responder que sim!!! Exemplos:
Gramado-RS, Canelas-RS, Teresópolis-RJ, Curitiba-PR, Matões-SP, Treze Tílias-SC,
dentre tantas milhares de outras cidades e seus entornos municipais.
Mas, em nossa capital, em nossa rebelde comuna
ludovicense, será que essa lei funciona? Vejamos o que o Código de Posturas do Município de
São Luís diz para o que serve e quem deve operá-lo, logo em seus 2 primeiros
artigos [n verbis]:
“Art. 1 – Este Código
contém as medidas de polícia administrativa a cargo do Município, em matéria de
higiene, de ordem pública e funcionamento dos estabelecimentos comerciais e
industriais, instituindo as necessárias relações entre o poder público e os
munícipes.
Art. 2 – Ao prefeito e,
em geral, aos funcionários municipais incumbe velar pela observância dos
preceitos deste Código.”
Mas, como sabemos, o tempo urge, os cães ladram e a
caravana passa, como diz sábio ditado árabe. O Código de Posturas foi ficando
no limbo da burocracia, desatualizando-se como toda lei de seu gênero, na
velocidade cibernética de nossos dias e nossa desatenta Câmara Municipal – nos
últimos 50 anos -, salvo rara manifestação de algum inspirado e solitário
Vereador, nunca se interessou em revitalizar esse poderoso instrumento legal.
O mesmo ocorre também e tristemente com a conjunto da
legislação toponímica, aquela que estabelece o nome de todos os logradouros e
prédios públicos municipais [i.e. ruas, praças, becos, escadarias, avenidas,
rodovias etc.]. Mas parece que a Casa do Povo ludovicense também se esqueceu que
é de sua exclusiva prerrogativa a denominação oficial desses logradouros e a
douta Comissão de Toponímia, da Câmara Municipal, parece inexistente ou estar
hibernando em estado de catalepsia.
Nosso decano Código de Posturas, por seu turno, s.m.j., segue
vigente, brioso e desconhecido de todos, inclusive do Prefeito e dos funcionários
que legalmente deveriam velar por sua operação diuturna em todo o território
municipal, tanto na zona urbana, como na zona rural. Se o nosso Código de
Posturas fosse posto em prática – de fato e de direito – certamente teríamos
uma cidade muito mais civilizada, mais limpa, mais perfumada, e mais rica e com
maior qualidade de vida para todos os cidadãos [hoje somos 1,2 milhão de
habitantes] e até para os turistas. Senão vejamos.
Foto: Acervo RONALD ALMEIDA; Av. Anel Viário do Centro Histórico Patrimônio Mundial; Jumentódromo há 20 anos; Bairro Camboa, SLZ, MA,
De acordo com o
Código temos dentre tantas outras as seguintes posturas legais:
“Os moradores são
responsáveis pela limpeza do passeio e sarjeta fornteiriços [sic] à sua
residência.” [Art. 25];
“Para preservar a
de maneira geral e higiene pública, fica terminantemente proibido: (I) Lavar
roupas em chafarizes, fontes ou tanques situados nas vias públicas; ...(IV) Queimar,
mesmo nos próprios quintais, lixo ou quaisquer corpos em quantidade capaz de
molestar a vizinhança; (V) Aterrar vias púbicas com lixo, materiais velhos ou
qualquer detrito.” [Art. 28];
“Não serão
permitidas nos prédios da cidade, vilas e povoados, providos de rede de
abastecimento d`água, a abertura ou manutenção de cisternas.” [Art. 38];
“É expressamente
proibido perturbar o sossego público com ruídos ou sons excessivos evitáveis,
tais como: ...(III) A propaganda com alto-falantes...; (V) Os de morteiros,
bombas e demais fogos ruidosos;... (VII) Os batuques congados e congêneres, sem
licença das autoridades.” [Art. 60];
“É proibida a
permanência de animais nas vias públicas.” [Art. 93];
E por aí vai em 186 artigos o nosso Código de Posturas, o
qual, apesar de alguns anacronismos, trata no geral de dar meios de policiamento administrativo para que em todas as zonas do município – cidade e
zona rural – predominem a ordem pública e ordenamento civilizado de suas
funções.
No entanto, o que vemos hoje é o resultado somatório de meio século de desmando, desgoverno, desplanejamento e de imposturas que predominam na capital do Maranhão, cidade vetusta que completou 400 anos em 2012!!!.
Foto: Acervo RONALD ALMEIDA; Av. Anel Viário do Centro Histórico Patrimônio Mundial; Jumentódromo há 20 anos; Bairro Camboa, SLZ, MA,
Essas imposturas nos três níveis de governo, acabam criando
aberrações como o Jumentódromo da Camboa, bem próximo a creche do
antigo Fundo de Revenda. Ali, no canteiro central do Anel Viário de 8 km que
circunda todo o Centro Histórico de São Luís, “residem” dezenas de asnos,
muares e equinos de todo tipo, geridos por carroceiros, inclusive com direito a
abrigo, telheiros e cochos feitos de geladeiras velhas, uma verdadeira favela
animal, da pior espécie, nas barbas do treiler da PM vizinho e dos milhares de
motoristas que assistem e cheiram indiferentes os nauseabundos odores das fezes
e urinas acumuladas anos a fio nessa cidade sem lei e sem dono.
Foto: Acervo RONALD ALMEIDA; Av. Anel Viário do Centro Histórico Patrimônio Mundial; Jumentódromo há 20 anos; Bairro Camboa, SLZ, MA,
Assim como eu, arquiteto de profissão, alguns outros
poucos não-cegos também percebem que algo profundamente errado acontece nesta
Cidade Ilha. Como disse em carta à Professora e renomada
escritora e acadêmica Ceres Fernandes, o artigo que ela
publicou recentemente em homenagem a Guadêncio Cunha, não deixa ninguém mentir
e faz um dueto com o de Joaquim Itapary, qual grito de alerta para despertar
uma sociedade majoritariamente sonolenta e cega ante à falência múltipla dos órgãos públicos que deveriam agir para preservar
o Centro Histórico de São Luís [e a Ilha como um todo] e não agem ou fingem que
agem.
Foto: Acervo RONALD ALMEIDA; Lateral da quadra de esportes da comunidade; Centro de treinamento e campo de futebol; Bairro Residencial São Cristóvão, SLZ, MA,
Quanto ao artigo de Joaquim
Itapary,
citado no início, temos nele um valioso testemunho, de grosso calibre, da lavra
de um maduro cidadão maranhense de nobre cepa, escritor, acadêmico, urbanista honoris causa e, sobretudo, um
Vice-Ministro da Cultura do Brasil (na gestão do Ministro Celso Furtado), que
nos descreve um atualizado e indigitado retrato 3x4 da gestão pública dos
bens culturais na capital do Maranhão. Tudo ali descrito por Joaquim Itapary é
tragicamente cristalino. Sua pena, como o bisturi do Dr.
Tulp
[ver “A Lição de Anatomia”, pintada por Rembrant
em 1632, quando São Luís tinha apenas 20 anos] vai dissecando o cadáver-metáfora que
são as centenas de edificações em ruínas e logradouros rotos e encardidos e a
nojenta fedentina do nosso Centro Histórico de São Luís.
Como cáries virulentas corroendo o escrínio de palácios
de porcelana que foi um dia a capital do Maranhão, essas casas e sobrados
assassinados em mais de 4 séculos ou 150.000 dias de desgoverno como conta Itapary (repito: excetuando-se a gestão exitosa, avançada, planejada e diligente do Prefeito Eng. Haroldo Tavares 1971-75) vão
se putrefazendo, gerando uma septicemia generalizada que os cegos-que-não-querem-ver,
os tolos, os hipócritas, os puxa-sacos, os ignorantes, os interessados em
corrupção, os incompetentes e os pusilânimes insistem
em não ver, em não cuidar, em não se indignar.
Em reunião da Comissão
Arquidiocesana Justiça e Paz - CAPJ, no Palácio Arquiepiscopal, no dia 23/02/2011
fiz ao seleto grupo de coordenação das Quartas de Paz, sugestão de título para
os debates referentes ao IV Centenário de São Luís: “Comemorar o Que em 2012?”. E mais, como registrado na ata da reunião,
fiz recomendação expressa no sentido de se elaborar e enviar um documento formal
da CAJP ao IPHAN e à UNESCO solicitando a vinda de uma Missão Conjunta para
avaliar o estado de abandono e desmantelo do Centro Histórico de São Luís para,
se necessário, inscrevê-lo da Lista dos Bens Culturais do Patrimônio Mundial EM PERIGO.
Talvez assim, ante o clamor nacional e internacional, as
autoridades públicas, os empresários, as universidades e centros de ensino e a
população em geral despertem desse sono letárgico e se libertem dessa cegueira
insana e façam algo eficaz, perene e inteligente em prol da preservação desse
cadinho notável, que além de ser repositório de Patrimônio Nacional e
Patrimônio Mundial, é local e meio de vida, lazer e residência para dezenas de
milhares de pessoas, cidadãos - eleitores - contribuintes, que merecem
muito mais atenção e respeito.
Foto: Acervo RONALD ALMEIDA; Margens do proto-Parque Ambiental do Bairro Ipem-Angelim, SLZ, MA,
Enquanto isso, em nossa rotina de desmantelo urbano e
rural geral do dia-a-dia, com predominância de crateras, buraqueira geral e muito
lixo nos logradouros públicos; com transportes coletivos obsoletos; sem
saneamento básico decente (água e esgotos tratados em todas as casas e disposição
final adequada do lixo); sem aeroporto com vôos internacionais; sem energias
alternativas; sem sustentabilidade na gestão pública; sem preservação dos mananciais
e matas ciliares e sem despoluição dos rios da Ilha; sem BR 135 duplicada; sem
praias com balneabilidade; sem jardim botânico; sem horto florestal; sem jardim
zoológico; sem orquestra sinfônica; sem internet banda larga para todos; sem
VLT, sem BRT; sem mapas oficiais do município; sem legislação urbanística
inteligente; sem toponímia atualizada; sem hospitais modernos de pronto-socorro;
sem polícia bem treinada e bem equipada; sem centro de convenções para grandes
eventos; sem museu da imagem e do som.... apesar de tudo isso, vamos continuar
otimistas no longo prazo desta Ilha da Dor que já foi do Amor, como dizia ser
Drummond de Andrade.
Foto: Acervo RONALD ALMEIDA; Av. dos Africanos; matas ciliares e proto-Parque Ambiental do Rio das Bicas; ocupações irregulares e lixões; Bairro do Coroadinho, SLZ, MA,
Para isso já lançamos nossa Campanha São Luís 500 [quinhentos] Anos, pois os 400 Anos foram celebrados com centenas de medalhas para comendadores medalhões e medalhudos em 2.012 sem qualquer mudança estrutural ou política pública relevante no Centro Histórico e sem qualquer atitude digna de nota por parte da sociedade ludovicense! Portanto, até lá, em 2.112, no Século XXII (22) espero que com o fim das omissões recorrentes, das imposturas vigentes e das atitudes indecentes (ex: como sujar com lixo e pichações toda a cidade todos os dias) tenhamos um novo Código de Posturas, feito para o bem comum e para alegria geral do povo. É só querer!
Ronald de Almeida Silva
Arquiteto Urbanista, carioca; Rio-RJ 02jun1947; Cidadão Honorário
Ludovicense desde 1987.
FAU-UFRJ 1968-72; CAU-BR A.107.150-A; CREA-RJ 21.900-D até 2012.
Diploma em nível de Mestrado em Urban Design & Regional Planning pela
Universidade de Edimburgo, Escócia [1981-83]
Exerceu os cargos de (1º) Coordenador Geral do PPRCH - Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de
São Luís [PROJETO PRAIA GRANDE 1980-81]; Secretário Municipal de Urbanismo
de São Luís [1986-88]; Secretário Adjunto de Estado da Indústria, Comércio e
Turismo do Maranhão [1993-94] e Coordenador executivo do projeto de inclusão de
São Luís na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, [sob a Coordenação geral de
Luiz Phelipe Andrès; 1996-97].
E-mail: ronald.arquiteto@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário