A
POLÍTICA, O DIREITO E O DESENVOLVIMENTO: UM ESTUDO SOBRE A TRANSPOSIÇÃO DO RIO
SÃO FRANCISCO. 1 [20jul2012]
POLITICS,
LAW AND DEVELOPMENT: A STUDY ON THE TRANSPOSITION OF THE SÃO FRANCISCO RIVER
Fonte: Revista Direito GV
Print version ISSN 1808-2432
Rev. direito
GV vol.10 no.2 São Paulo July/Dec. 2014
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322014000200497
http://dx.doi.org/10.1590/1808-2432201421
Rua Rocha, 233, 11º andar;
CEP 01330-000 São Paulo/SP Brasil.
Tel.: (55 11) 3799 2172
Recebido:
20 de Julho de 2012; Aceito: 25 de Novembro de 2014
1Pós-doutora em Direito pela
Universidade Federal de Uberlândia Doutora em Direito pela Universidade Federal
de Santa Catarina e na École des Hautes Études en Sciences Sociales/paris
Professora do Mestrado em Direitos e Garantias Fundamentais na Universidade
Federal de Uberlândia.
RESUMO
Este artigo
analisa sob o contexto histórico-jurídico a decisão (política e jurídica) de
transpor o rio São Francisco com o objetivo geral de demonstrar que a promessa
de desenvolvimento econômico sem considerar adequadamente a dimensão ambiental
e a social legará à sociedade brasileira, em especial a do Semiárido, impactos,
danos e riscos ambientais, além dos altos custos financeiros de sua manutenção.
Objetiva-se também resgatar a história da Transposição do rio São Francisco,
apresentar o projeto de Transposição do Governo Lula e demonstrar como o
direito ambiental brasileiro, o Plano Decenal da Bacia do rio São Francisco e a
opinião popular foram desrespeitados na decisão de transpor o rio São
Francisco. A pesquisa é de cunho teórico-prático, tendo-se adotado o método de
abordagem indutivo e um extenso rol de fontes bibliográficas e documentais. A
partir da pesquisa, concluiu-se que a decisão de transpor o rio São Francisco
em prol do desenvolvimento econômico com a chancela do poder judiciário (STF),
desconsiderou a opinião popular, o Plano Decenal da Bacia do rio São Francisco,
aspectos do direito ambiental brasileiro (princípios da prevenção, precaução, participação
popular etc.) e a busca pelo desenvolvimento sustentável.
Palavras-Chave: Transposição do rio São
Francisco; Direito ambiental; Desenvolvimento sustentável; Decisões; Riscos
ABSTRACT
This paper
examines in historical and legal context the decision (political and legal) of
transposing the Sao Francisco River, with the overall objective of
demonstrating that the promise of economic development without adequately
considering the environmental and social aspects will bequeath to the Brazilian
society, especially the semi-arid, environment, impacts, environmental damage
and risks, in addition to high financial costs of maintaining it. It also aims
to rescue the history of the São Francisco Transposition; present the project
for transposition of president Lula; demonstrate how the Brazilian
Environmental Law, the Ten Year Plan of the São Francisco River Basin and
popular opinion were disregarded in the decision to transpose the San Francisco
river. For this study the inductive method was adopted and primary and
secondary sources were used. Through research it was concluded that the
decision to cross the San Francisco river in support of economic development
with the seal of the judiciary (STF), disregards the popular belief, the Ten
Year Plan of the São Francisco River Basin, the Environmental Law in use, and
the pursuit of sustainable development.
Key words: Transposition of São
Francisco river; Environmental law; Sustainable development; Decisions; Risks
[1] INTRODUÇÃO
O Governo
brasileiro vem executando e planejando grandes obras de infraestrutura
(construção de rodovias, hidrelétricas, aeroportos etc.) na expectativa e
promessa de desenvolvimento do país ou de determinadas regiões, como a do
Semiárido Nordestino. Neste caso, por meio da transposição do rio São
Francisco. Deste modo, torna-se indispensável analisar a efetividade do Direito
e o papel do operador jurídico para a promoção da sustentabilidade. E, ainda,
refletir sobre as consequências das decisões (políticas e jurídicas) no intuito
de (re)pensar as escolhas futuras.
Importa
salientar desde já que a execução das obras de infraestrutura, muitas delas
planejadas pelo Governo Federal por meio dos Programas de Aceleração do
Crescimento (PAC), tem repercussões positivas para a sociedade brasileira, em
especial no âmbito econômico e com interfaces no campo social, como a geração
de empregos e o aumento da circulação de renda. Contudo, a tomada de decisão,
política e jurídica, não deve olvidar a dimensão ambiental e social, a fim de
que o desenvolvimento almejado seja justo e sustentável. A maioria das obras de
infraestrutura em execução ou planejadas no âmbito do PAC têm direta, complexa
e irreversível interferência no meio ambiente, razão pela qual a
sustentabilidade ambiental e a viabilidade técnica, além da econômica, e a
aceitabilidade social, devem ser comprovadas.
Neste sentido,
este artigo abordará sob o enfoque histórico-jurídico a transposição do rio São
Francisco com o objetivo geral de demonstrar o desrespeito a preceitos
importantes do ordenamento jurídico, em especial, do direito ambiental, em prol
da promessa de desenvolvimento econômico. A transposição é defendida pelo
Governo Federal como a solução para os problemas do Semiárido Nordestino por
meio do esperado desenvolvimento econômico da região com o aumento das fontes
de trabalho e fixação da população na região.
Não obstante, os
impactos, danos e riscos ambientais (sociedade e natureza) foram minimizados ou
desconsiderados pelo Governo Federal (Presidência da República, Secretarias,
Ibama, ANA, MIN etc.) e, em especial, no Relatório de Impacto ao Meio Ambiente
(RIMA). Muitos estudos e, inclusive, o RIMA atestam que a obra ocasionará a
perda e a extinção de espécies da flora e fauna, interferências em espaços
protegidos, aumento e/ou aparecimento de doenças, acidentes com a população,
ruptura de relações sociocomunitárias, introdução de riscos e tensões sociais,
portanto, acenando para a sua insustentabilidade etc.
O estudo tem
como objetivos específicos: a) resgatar a história da transposição do rio São
Francisco; b) apresentar o projeto da transposição; c) demonstrar como alguns
preceitos do direito ambiental brasileiro foram desrespeitados na decisão de
transpor o rio São Francisco, em especial, os princípios de prevenção,
precaução e participação; e d) mostrar os impactos, danos e riscos ambientais
decorrentes da obra demonstrando a sua insustentabilidade.
Para a
realização deste estudo, adotou-se o método indutivo, foi usado amplo rol
bibliográfico e documental. Foi estabelecida a seguinte hipótese de pesquisa: a
decisão de transpor o rio São Francisco em prol do desenvolvimento econômico
com a chancela do Poder Judiciário (STF) desconsidera preceitos do direito
ambiental vigente e a busca pelo desenvolvimento sustentável.
1 A história
da transposição do rio São Francisco
Desde o século
XIX, a transposição do rio São Francisco vem sendo defendida como a solução
para “os problemas do Nordeste”. A primeira proposta, ainda que muito vaga,
tratava da abertura de um canal que levasse água do rio São Francisco ao rio
Jaguaribe, idealizada no século XIX, pelo ouvidor José Raimundo dos Passos
Barbosa, em 1818 (VILLA, 2004, p. 1).1
Pouco tempo
depois, Dom Pedro II também passou a defender a transposição como o meio mais
eficaz de lidar com as secas no Nordeste e o Projeto de Transposição do rio São
Francisco começou a ser delineado. Por volta de 1850, o engenheiro Henrique
Fernando Halfeld foi encarregado pelo Governo Imperial de fazer um estudo sobre
o rio, publicado em 1860, sob o título “Atlas de relatório concernente à
exploração do rio São Francisco desde a cachoeira da Pirapora até ao Oceano
Atlântico” (VILLA, 2004, p. 1). Neste estudo, o
Engenheiro Halfeld defendeu a ideia de transpor as águas do rio São Francisco
para o rio Jaguaribe, identificando o ponto para a retirada das águas em
Cabrobó (PE) (LEITE, 2005, p. 7).
As ideias de Dom
Pedro II foram esquecidas até que em 1912 (século XX), com a criação da
Inspetoria Federal de Obras contra a Seca (IOCS), o projeto voltou à pauta.
Contudo em 1920, foi descartado como inviável, pois à época não existia
tecnologia capaz de superar as barreiras do relevo, superiores a 200 metros. Em
1959, um século depois da publicação do relatório de Halfeld, o Presidente
Juscelino Kubitschek criou a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), confiada ao Ministro Celso Furtado que não defendia abertamente a
transposição por temer os riscos da salinização do solo nas áreas irrigadas e
então o projeto foi arquivado (LEITE, 2005, p. 7).
No Governo de
Figueiredo (1979-1985), o Ministro do Interior, Mário Andreazza, resgatou o
projeto em 1980. Seus planos fluíram até 1984, quando uma grande mortandade de
peixes no rio São Francisco fez com que o projeto fosse engavetado (LEITE, 2005, p. 7).
No Governo
Itamar (1992-1995), a ideia voltou à cena outra vez. Em 1994, nas mãos dos
Ministros da Integração Regional, Aluízio Alves e do Planejamento, Beni Veras.
Nesse governo, deu-se início ao licenciamento ambiental, formulando-se o Termo
de Referência para o EIA/RIMA, em 10/05/1994. Na época, pensava-se em retirar
7,5% da vazão do rio para a obra, contra os 1,5% do atual (VILLA, 2004, p. 1; LEITE, 2005, p. 7; BAHIA, 2006, p. 1).
No pleito
eleitoral para a presidência da República (1994), o candidato Fernando Henrique
Cardoso não se manifestava diretamente sobre a transposição. Depois de eleito
(1996), destinou R$ 500 milhões para a retomada do projeto (LEITE, 2005, p. 7). Em junho de 1996,
o Ministério do Planejamento e Orçamento requereu a concessão da licença prévia
para o empreendimento (licenciamento iniciado no Governo Itamar) (BAHIA, 2006, p. 1). Em 1998, ano
eleitoral, o candidato à reeleição FHC tornou-se um grande defensor da
transposição, mas numa versão mais racional, com vazões muito menores que as
propostas anteriores. Na busca da reeleição, FHC transformou a transposição em
um dos pontos de destaque do seu plano desenvolvimentista “Avança Brasil” (LEITE, 2005, p. 7).
Em 11/01/2000, o
pedido de licença prévia foi renovado pelo Ministério da Integração Nacional
que protocolou o EIA/RIMA em 03/07/2000. Após a realização de algumas
adequações no EIA/RIMA determinadas pelo Ibama e a disponibilização do seu
conteúdo ao público, foram definidas as datas de realização das audiências
públicas.2Contudo, em decorrência das falhas
detectadas no EIA/RIMA e da necessidade de complementação dos estudos de
impacto ambiental, representantes do Ministério Público ingressaram com
representação criminal e ação por improbidade administrativa no Ministério
Público Federal do Distrito Federal contra o presidente e o diretor do
licenciamento do Ibama. O projeto de transposição e o licenciamento tiveram
outros embargos judiciais.3
Encerrados os
mandatos de FHC (1995-2002), as obras não tinham saído do papel ante o embargo
judicial, sendo o projeto abandonado em 2001 (BAHIA, 2006, p. 1-4; LEITE, 2005, p. 7). A grave crise
energética – “apagão” – ocorrida no Brasil, a partir de abril de 2001, cujo
apogeu deu-se na segunda metade daquele ano, contribuiu sobremaneira para o
projeto ser esquecido (CAUBET; ARAÚJO, 2004, p. 168).
No pleito
eleitoral para o governo federal (2002), o então candidato à presidência Luís
Inácio Lula da Silva, não defendia abertamente a transposição.4 Contudo,
após eleito, em seu primeiro mandato (2003-2006), tornou-se um defensor do
projeto e elegeu a transposição uma das principais obras de seu governo (COELHO, 2004, p. 2). O então
Presidente Lula deu “carta branca” ao Ministro da Integração Nacional, Ciro
Gomes para retomar o processo de licenciamento paralisado e o Governo
apresentou um novo estudo de impacto ambiental ao Ibama, em 12/07/2004. Este
estudo também continha diversas falhas, detectadas por vários órgãos que
procederam à sua análise.
Depois de várias
tentativas inexitosas, a ideia de transpor as águas do rio São Francisco saiu
do papel no primeiro mandato do Governo Lula (2003-2006). Ao contrário dos
projetos anteriores, este vem resistindo até a data de publicação deste artigo
(dez/2014), às inúmeras contestações judiciais e sociais. Saliente-se que, além
da forte vontade política (Governo Federal e de alguns governos estaduais), as
condições econômicas do país, bem como o acesso a novas tecnologias, favorecem
a sua execução, ao contrário dos anteriores.
Desse modo,
faz-se necessário apresentar, ainda que em breves linhas, o Projeto de
Transposição do rio São Francisco concebido pelo Governo Lula e executado pelo
Governo Dilma, antes de analisar seus imbróglios jurídicos.
1.1 O Projeto de Transposição do
Rio São Francisco do Governo Lula
O Projeto de
Transposição idealizado pelo Governo Lula – e que vem sendo executado pelo
Governo Dilma – tem como objetivo captar água em dois pontos do rio São
Francisco e levá-la ao Semiárido Nordestino para prover água às populações;
assegurar safras agrícolas, atividades industriais e o turismo; fixar a
população rural na região; promover o crescimento das atividades produtivas;
diminuir gastos públicos com medidas emergenciais durante as frequentes secas;
garantir água para uma infraestrutura de reserva e distribuição já existente
(açudes, rios e adutoras), enfim, segundo o Governo, promover o desenvolvimento
(RIMA, 2004).
A distribuição
da água se dará por meio de dois eixos. O Eixo Norte (Latitude Sul 08º 32’41,1”
e Longitude Oeste 39º 27’15,2”) visa atingir Pernambuco (PE), Ceará (CE),
Paraíba (PB) e Rio Grande do Norte (RN) – destes somente o Estado de Pernambuco
faz parte da bacia. E o Eixo Leste (Latitude Sul 08º 49’37,7” e Longitude Oeste
38º 24’43,3”) que beneficiará parte do Sertão e as regiões agrestes de
Pernambuco e da Paraíba.
O primeiro ponto
de captação (Eixo Norte) está nas proximidades da cidade de Cabrobó (PE) e
percorrerá cerca de 400 km conduzindo água aos rios Salgado e Jaguaribe, no
Ceará; Apodi, no Rio Grande do Norte; Piranhas-Açu, na Paraíba e Rio Grande do
Norte. Ao cruzar o Estado de Pernambuco, este eixo conduzirá água para suprir
as demandas de municípios inseridos em três sub-bacias do rio São Francisco:
Brígida, Terra Nova e Pajeú. Para atender a região do rio Brígida, no Oeste de
Pernambuco, foi concebido um ramal de 110 km de comprimento que derivará parte
da vazão do Eixo Norte para os açudes Entre Montes e Chapéu. Projetado para uma
capacidade máxima de 99 m3/s, este eixo operará com uma vazão
contínua de 16,4 m3/s. Em períodos recorrentes de escassez hídrica
nas bacias receptoras e de abundância na bacia do São Francisco, as vazões
transferidas poderão atingir a capacidade máxima estabelecida. Os volumes
excedentes transferidos serão armazenados em reservatórios existentes nas
bacias receptoras: Atalho e Castanhão, no Ceará; Armando Ribeiro Gonçalves,
Santa Cruz e Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte; Engenheiro Ávido e São
Gonçalo, na Paraíba; Chapéu e Entre Montes, em Pernambuco.
O Eixo Leste
terá a captação no lago da Barragem de Itaparica, no município de Floresta (PE)
e percorrerá 220 km até o rio Paraíba (PB), após deixar parte da vazão nas
bacias do Pajeú, do Moxotó e da região Agreste de Pernambuco. Para o
atendimento da demanda da região Agreste de Pernambuco, o projeto prevê a
construção de um ramal de 70 km que o interligará à Bacia do rio Ipojuca. Previsto
para uma capacidade máxima de 28 m3/s, este eixo funcionará com uma
vazão contínua de 10 m3/s.
Os dois eixos
terão capacidade máxima de 127m3/s (99 no Eixo Norte e 28 no Leste).
Esta vazão, segundo o Ministério da Integração Nacional, será utilizada somente
quando a barragem do Sobradinho (BA) estiver cheia (mais de 94% de sua
capacidade). A vazão prevista para 2013 era de 26,4m3/s (16,4m3/s
no Eixo Norte e 10m3/s no Leste), correspondente a 1,5% da vazão
mínima5 do
rio. Em 2025, será de 63,5 m3/s (42,4 m3/s no Eixo Norte
e 21,1 m3/s no Eixo Leste).
Em razão da
paralisação de alguns trechos das obras, a vazão prevista para 2013 foi
estimada para ser utilizada somente em 2015, data que o Governo Federal estima
para a entrega da primeira parte das obras (site do Ministério da Integração
Nacional). Convém salientar que, após a repercussão na mídia, durante o ano de
2012, acerca do estado de deterioração das obras da transposição, haja vista a
paralisação da execução de sete dos dezenove trechos, e também da suspeita de
irregularidades nos contratos de obras e serviços em cinco trechos, o Governo
Federal noticiou que já tinha tomado as medidas cabíveis e que as obras seriam
retomadas durante 2013, após a conclusão de novas licitações para saldos
remanescentes (site do Ministério da Integração Nacional).
Atualmente,
segundo informações do Governo Federal (site do Ministério da Integração
Nacional), as obras físicas do Projeto apresentam 69,2% de execução e todas as
etapas têm 100% de contratação, com previsão de entrega para o primeiro
semestre de 2016. Contudo, o Ministério da Integração Nacional, em seu site,
ainda mantém o prazo de conclusão das obras para 2015.
O valor inicial
estimado para a execução do projeto era de R$ 3 bilhões (para construir os
canais de concreto, estações de bombeamento e reservatórios) (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2004b,
p. 38), mas que ainda devem ser contabilizados os gastos relativos à manutenção
e à operacionalização do sistema, estimados em R$ 127 milhões que ficarão a
cargo dos Estados “beneficiados” (CE, PE PB, RN) (SALOMON, 2004, p. especial 3;
AB’SÁBER, 2005b, p. A18). O orçamento foi revisto e a previsão atual é de que
sejam gastos R$ 8 bilhões (site do Ministério da Integração Nacional).
Importa
salientar que diversas irregularidades quanto ao pagamento e sobrepreço das
obras da transposição foram constatadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU)
com publicação no D.O.U. em 06/11/2006, por meio do Acórdão n. 2.017/2006,
dentre elas estão: sobrefaturamento; falhas no orçamento; descumprimento de
normas ambientais e de cronogramas financeiros. O TCU também recomendou que
fossem suspensos os recursos financeiros e os pagamentos realizados sejam
devolvidos aos cofres públicos até decisão judicial final sobre o Projeto.
2 A oposição
e os principais entraves jurídicos ao Projeto de Transposição do Rio São
Francisco do Governo Lula
2.1 As ações judiciais
Foram inúmeras
ações judiciais propostas para impedir a execução do Projeto de Transposição do
rio São Francisco tanto pelas falhas apresentadas no licenciamento quanto pela
inaceitabilidade da obra por parte da comunidade científica e dos povos
afetados, haja vista os danos ambientais comprovados.
Os entraves
jurídicos6 iniciaram
com a retomada do processo de licenciamento ambiental quando da apresentação do
novo EIA/RIMA. Diversas entidades ambientalistas impetraram ações contra atos
do Ibama (concessão da licença), da ANA (concessão da outorga hídrica) e do
Ministério da Integração Nacional (planejamento e execução do projeto de
transposição). O trabalho abordará as principais, haja vista o grande número de
ações propostas.
Ainda com as
ações judiciais contra a transposição em trâmite, foi anunciado (novembro de
2004), em regime de urgência, uma reunião do Conselho Nacional de Recursos
Hídricos (CNRH), para o dia 30/11/2004, tornando possível deliberar sobre o
projeto em uma única reunião. A matéria não tinha sido objeto de análise pelas
Câmaras Técnicas do Conselho, o que para Bahia (2006, p. 2-3) evidenciava o
cunho eminentemente político da decisão a ser tomada. O CNRH defendia sua
competência para deliberar sobre o projeto, amparado pela Lei n. 9.433/97, art.
35, III. Também foi divulgada a realização de nove audiências públicas7 com
início em 06/12/2004, com o objetivo de apresentar o EIA/RIMA à sociedade.
Diante desses
fatos, novas ações judiciais foram propostas com objetivo de impedir a
deliberação do CNRH sobre o Projeto. Também em face dessas irregularidades
(agendamento de audiências e da reunião do CNRH), o Ministério Público Federal
e o Ministério Público do Distrito Federal impetraram, em novembro de 2004, um
mandado de segurança preventivo contra o ato da presidência do CNRH,
requerendo, em liminar, a suspensão das reuniões e, portanto, da deliberação
sobre o projeto.
No dia
06/12/2004, o juiz da 14ª Vara Federal de Salvador determinou a suspensão das
nove audiências públicas e do licenciamento ambiental e de qualquer
procedimento de contratação por meio de licitação ou qualquer outro meio que
objetivasse a implantação do Projeto. Em decorrência do embargo judicial, as
audiências públicas não foram realizadas. Também em 06/12/2004, o juiz da 3ª
Vara Federal de Sergipe ordenou: a) suspensão imediata do processo de
licenciamento ambiental; b) abstenção da ANA de expedir a outorga do direito de
uso das águas do São Francisco; c) imposição ao Ministério da Integração
Nacional e à União Federal da obrigação de não fazer a licitação, declarando
nula a já existente (BAHIA, 2006, p. 2-3).
Todavia, nova
decisão judicial suspendeu as decisões anteriores e uma nova rodada de
audiências públicas foi divulgada pelo Ibama (BONI, 2005, p. 4).8 A
primeira delas, a de Fortaleza (CE), foi programada para poucos dias após a
divulgação das datas das novas audiências (15/01/2005). Também no início de
janeiro de 2005, o CNRH designou nova reunião para 17/01/2005, cuja pauta era a
deliberação sobre o Projeto (BAHIA, 2006, p. 3-4; ALENCAR, 2005, p. 6).
Entidades e
órgãos de defesa do meio ambiente e dos interesses difusos e coletivos
ingressaram com nova ação judicial no dia 05/01/2005, contra o Ibama, a União e
a ANA, apontando a ilegalidade do Projeto, assim como as diversas irregularidades
presentes no EIA/RIMA. Postularam, liminarmente, a invalidação das audiências
designadas; a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental e impedir a
União de praticar qualquer ato tendente a concretizar o Projeto de Integração
da Bacia do São Francisco (BAHIA, 2006, p. 4-5).
Dessa vez, todas
as liminares foram negadas e o CNRH aprovou o Projeto de Transposição do rio
São Francisco na reunião ocorrida dia 17/01/2005 e iniciou a rodada de
audiências públicas programadas.
Por meio da
Reclamação n. 3.074, processada no Supremo Tribunal Federal (STF), admitiu-se o
ingresso da União no polo passivo e a competência originária do STF em todos os
processos em que litigam Estados membros ou órgãos seus contra a União ou
autarquia federal acerca do Projeto de Transposição. Por consequência, todas as
ações em trâmite, tendo como objeto o projeto ou seu licenciamento, foram
remetidas ao STF.
Com as ações
judiciais ainda em curso no STF, o Ibama concedeu a Licença Ambiental Prévia n.
200/2005, em 29/05/2005, ao Ministério da Integração Nacional. Irresignadas
diversas entidades recorreram novamente ao Judiciário.
No momento em
que o STF avocou a competência, estavam tramitando vários processos contra a
transposição, em diversos órgãos do Poder Judiciário, em vários Estados da
Federação. A partir deste momento, todos foram encaminhados e seguem tramitando
no STF (em dez/2014).
2.2 As razões, as contrarrazões e
a decisão liminar
Segundo o
Ministro Sepúlveda Pertence na decisão liminar (ACO 876, 2006, p. 14-16),
prolatada em 18/12/2006, em síntese, os argumentos utilizados nas ações
judiciais em trâmite e avocadas pelo STF visavam interromper o licenciamento
ambiental e cassar a licença ambiental prévia 200/2005 e, por fim, impedir a
execução do Projeto de Transposição ante os seguintes argumentos: a) existir
falhas e omissões relevantes no EIA/RIMA, principalmente por não ter
considerado os impactos ambientais, sociais e econômicos à parte mineira9 e
baiana da bacia; b) não terem sido contempladas todas as alternativas
tecnológicas e de localização do projeto, conforme prescrito no art. 5°, da
Res. Conama n. 01/86; c) desconsiderar a Região do Alto e Médio São Francisco
na área de influência direta do empreendimento; d) haver imprecisões técnicas
quanto aos recursos hídricos da bacia, aproveitamento hidrelétrico e propostas
de sistemas hidrossanitários; e) não ter sido cumprida a exigência de
acompanhamento da certidão dos municípios atingidos pelo projeto; f) faltar a
autorização do Congresso Nacional para a realização do projeto, pois há
aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas, de acordo com o art.
231, § 3°, da CF/88; g) desconsiderar o Plano Decenal da Bacia (2004-2013); h)
desrespeitar a Política Nacional de Recursos Hídricos; i) inviabilizar a
realização das audiências públicas ante o curto lapso temporal entre a
designação da data e sua efetiva execução, além da distância considerável dos
locais onde se efetuariam as audiências das pessoas diretamente interessadas;
j) vícios na aprovação da Resolução n. 411 emitida pela ANA ante a ausência da
manifestação da Câmara Técnica; k) concessão da licença ambiental prévia
200/2005, apesar das falhas e das omissões apresentadas pelo EIA/RIMA e sem ser
oportunizada a efetiva participação popular.
A parte
contrária (Ibama, Ministério da Integração Nacional e a União), segundo o
Ministro Sepúlveda Pertence (ACO 876, 2006, p. 16), na decisão liminar, em
apertada síntese, alegava: a) o cumprimento às determinações legais; b) a
realização das audiências públicas e a concessão da licença ambiental prévia
não significam a conclusão do licenciamento nem mesmo o início das obras e,
portanto, novos e outros esclarecimentos, bem como eventuais necessárias
complementações do EIA/RIMA poderiam decorrer das indagações colhidas nas
audiências; c) a concessão da licença prévia não provoca nenhum dano ao
ambiente, pois não foram iniciadas as obras físicas do projeto; d) quanto às
irregularidades nas licitações e contratações referentes às obras, aduziu a
União que o Ministério da Integração Nacional tão somente divulgou o primeiro
edital com o intuito de contratar empresa especializada para prestar apoio
técnico ao Ministério da Integração visando à obtenção das licenças ambientais;
e) a ilegitimidade ativa de algumas das entidades autoras.
No julgamento da
liminar (18/12/2006), o Ministro Sepúlveda Pertence considerou sem legitimidade
diversas entidades autoras de ações judiciais.10 Deste
modo, por carência de legitimação ativa, o Ministro julgou extintas sem
julgamento de mérito (art. 267, VI, do CPC) as seguintes ações: ACO 871; AC
981; ACO 869 (ACO 876, 2006, p. 18-23).
O Tribunal Pleno
do STF, por maioria, manteve a decisão considerando as entidades sem
legitimidade processual (19/12/2009). Durante o ano de 2010, diversas entidades
e órgãos peticionaram ao STF pedindo a realização de audiência pública e o
prosseguimento do feito.
As ACO 820, 872,
873 e 876 não foram extintas em decorrência da legitimidade ativa dos demais
litisconsortes. E, assim, mantiveram curso com o julgamento da liminar as
seguintes ações: ACO 820; ACO 876; ACO 857; ACO 858; ACO 872; ACO 873; ACO 870;
ACO 886 (decisão da ACO 876, 2006, p. 18-23). Irresignadas, as partes
consideradas sem legitimidade processual recorreram da decisão.
No julgamento da
liminar, o Ministro destacou também que a solução da controvérsia versava em
torno da questão: para conceder a licença prévia, é exigível somente o EIA/RIMA
ou também sua aprovação? Se necessária a aprovação, todas as discussões sobre
os estudos devem estar encerradas antes de ser deferida a licença prévia.
O Ministro
Sepúlveda Pertence considerou que, para a concessão da licença prévia, bastava
que os estudos requisitados pelo Ibama, principalmente no pertinente à
viabilidade ambiental do projeto, mormente à sua localização e concepção fossem
considerados “satisfatórios”. Segundo o Ministro, os demais estudos somente são
necessários para obter a licença de instalação e de operação, pois antes da
concessão delas não serão realizadas obras físicas.
Considerou
também ter o EIA/RIMA cumprido com todas as exigências legais, em especial,
quanto aos requisitos prescritos pela Resolução Conama n. 01/86, em seu art.
5°. Afirmou: “foram preenchidos, ao menos sob o prisma formal, os requisitos
mínimos exigidos pela legislação para apresentação do EIA/RIMA”. E ainda: “os
vícios e as falhas acaso detectados no seu conteúdo poderão e deverão ser
corrigidos no decorrer do processo de licenciamento ambiental, certo que sua
eventual existência não significa, necessariamente, frustração do princípio da
participação pública” (ACO 876, 2006, p. 46).
O Ministro
destaca ainda ter o Ibama concluído que os alegados vícios de conteúdo do
EIA/RIMA não foram suficientes para impedir a concessão por aquele órgão da
licença prévia 200/2005, quando foram especificadas seis condicionantes gerais
e trinta e uma específicas, as quais constituem pressupostos de eficácia da
licença prévia e somente após o atendimento de todas e ocorrência das audiências
públicas, poderá o órgão ambiental federal autorizar a realização das obras,
concedendo a licença de instalação. Quanto à inexistência das certidões das
prefeituras municipais, ele entendeu que elas eram necessárias para o
licenciamento ambiental e não especificadamente no momento da apresentação do
EIA/RIMA e, como foram apresentadas posteriormente, mas em tempo, considerou
sanada a irregularidade. Compreendeu ter o Ibama cumprido a legislação e os
prazos legalmente prescritos quando designou as audiências públicas e o
cancelamento não impediria a concessão da licença prévia. Isso “implicaria a
punição do empreendedor, quando é certo que não se lhe pode imputar culpa pelos
fatos”, conforme manifestação do Ministro Sepúlveda (ACO 876, 2006, p. 29-50).
Quanto à suposta
ilegalidade da outorga de direito do uso das águas e do certificado de
avaliação da sustentabilidade hídrica emitidas pela ANA, o Ministro considerou
serem conclusivos os argumentos apresentados por esta última.
Com base nesses
argumentos e fatos, o Ministro Sepúlveda Pertence cassou, em 18/12/2006, todas
as liminares que suspendiam o processo de licenciamento ambiental, em
específico a licença prévia concedida pelo Ibama. A partir desta decisão
liminar, o Ministério da Integração Nacional deu continuidade ao pedido de
licenciamento e a licença prévia retificatória foi concedida em 29/12/2006 e a
licença de instalação em 23/03/2007 (ACO 876, 2006, p. 46-50).
Convém ainda
destacar que, na véspera da concessão da licença de instalação 438/2007, o
Procurador do Ministério Público Federal do Distrito Federal, Francisco
Guilherme Vollstedt Bastos recomendou ao presidente do Ibama não expedir a
referida licença até que os projetos executivos fossem concluídos e as
audiências públicas (para debater os estudos ambientais complementares) fossem
realizadas (site do MPF). Ainda antes de ser conferida a licença de instalação,
o TCU, em 03/11/2006, com publicação no D.O.U. em 06/11/2006, por meio do
Acórdão n. 2.017/2006, recomendou ao Ministério da Integração Nacional não
iniciar as obras ante a ausência de segurança jurídica, pois não há decisão
final sobre o Projeto, já que a liminar concedida pelo Ministro Sepúlveda
Pertence poderia ser cassada pelo tribunal pleno do STF. O TCU constatou 20
irregularidades nas contratações e licitações, conforme anteriormente
mencionado.
A licença de
instalação foi concedida sem a realização das audiências públicas recomendadas
pelo Ministro Sepúlveda Pertence. Dispensável mencionar que as audiências são
necessárias para dar publicidade aos estudos do projeto que não tinham sido
apresentados quando da concessão da licença prévia. Seria a oportunidade para a
sociedade participar, efetivando o direito-dever constitucional à participação
(art. 225 da CF/88). Com a licença de instalação em mãos, o Ministério da
Integração Nacional deu início às obras da transposição.
Ante a não
realização das audiências públicas, inexistência dos estudos conclusivos e
controvérsia nos estudos apresentados, o Procurador-Geral da República, Antônio
Fernando Souza, em fevereiro de 2007, ajuizou agravo regimental no STF, pedindo
a suspensão da licença ambiental de instalação e cassação da licença prévia,
além de solicitar que o Congresso Nacional e as populações indígenas fossem
consultados quanto ao projeto, conforme informações disponibilizadas no site da
Procuradoria-Geral da República (POMPEU, 2007).
Em que pese o
STF ter avocado todos os processos, no dia 10/12/2007, o Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, em grau de recurso, acatou o pedido do Ministério Público
Federal e suspendeu liminarmente as obras do Projeto de Integração do Rio São
Francisco. Para o MPF, o projeto não poderia ter sido aprovado pelo CNRH por
três razões: a) o aporte hídrico pleiteado para a transposição é alvo de um
procedimento administrativo no Comitê de Bacia Hidrográfica do rio São
Francisco, o qual ainda não tinha sido analisado; b) o projeto viola o Plano de
Recursos Hídricos por visar ao aproveitamento econômico dos usos da água; c) o
projeto viola também os princípios da gestão descentralizada da água e da
participação popular instituído pela Política Nacional de Recursos Hídricos
(Lei n. 9.433/97).
Cabe destacar
que a Diretoria do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, reunida
em Brasília, no dia 03/07/2007, reiterou sua resistência à transposição e
publicou a seguinte nota:
A Diretoria
Colegiada do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, reunida em
Brasília, reitera a sua posição contrária ao Projeto de Transposição e lamenta
que o Governo Federal esteja dando inicio às obras sem aguardar o exame de
mérito das diversas ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal além de
atropelar o diálogo prometido pelo próprio Presidente da República e que foi
interrompido pela ânsia de executar o projeto a qualquer custo, inclusive
valendo-se do Exército Brasileiro para criar um fato consumado quanto ao início
da transposição. A direção do CBHSF aproveita a oportunidade para manifestar,
dentro da lei, sua solidariedade à população e às entidades da sociedade civil
que estão acampadas em Cabrobó, como último gesto de pleno exercício da
cidadania que resta àqueles que discordam do projeto e cujos argumentos e
reivindicações não foram, até o momento, devidamente considerados pelo Governo
Federal.
Não obstante, em
sessão plenária, no dia 19/12/2007, o STF por seis votos contra três revogou a
liminar concedida pelo TRF e julgou improcedente o agravo ajuizado pelo
Procurador-Geral da República, assim como negou o provimento dos agravos
regimentais interpostos pelas partes “sem legitimidade” processual, acatando o
pedido da Advocacia-Geral da União (informações disponíveis no site do Senado
Federal).
Embora todas as
liminares tenham sido cassadas pelo Ministro Sepúlveda Pertence, até o momento
da publicação deste artigo (dez/2014) não há uma “decisão jurídica final”
acerca da lide. Diversos processos avocados pelo STF ainda tramitam com o
escopo de obstaculizar a execução da transposição (Reclamação 3883, ACO 876,
ACO 872, ACO 1052, ACO 873, ACO 820, ACO 870).
A partir da
análise dos fatos apresentados, sobressai a unívoca decisão política de
executar o projeto. E, mesmo sem decisão judicial transitada em julgado,
torna-se difícil acreditar que a decisão liminar vai ser revertida. As obras da
transposição estão 69,2% concluídas e o prazo de conclusão apresentado é 2015,
conforme informa o Ministério da Integração Nacional em seu site. Diversos
processos tramitam no STF e se, porventura, a decisão judicial final for de
encontro à liminar, será tarde, pois muito dinheiro público já terá sido gasto,
o ambiente restará degradado em meio ao canteiro de obras e boa parte da
população desiludida com os Poderes Executivo e Judiciário (STF).
3 Os
imbróglios jurídicos da transposição do rio São Francisco
A transposição
do rio São Francisco está marcada, em especial, por três grandes imbróglios
jurídicos: o desrespeito a importantes preceitos das normas vigentes: 1) Plano
Decenal da Bacia do rio São Francisco (2004-2013); 2) Política Nacional de
Recursos Hídricos (Lei n. 9.433/97); e 3) da legislação ambiental brasileira,
em especial, daquela que versa sobre o licenciamento ambiental e a adoção dos
princípios da prevenção, precaução e participação, este também consagrado no
texto constitucional como direito-dever.
3.1 Derrogando o Plano Decenal de
Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco e a Política Nacional de Recursos
Hídricos (2004-2013)
O Plano Decenal
de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco (MEDEIROS, 2007) foi elaborado sob a
coordenação da ANA e financiado pelo Banco Mundial. Para sua confecção, foi
criado um Grupo Técnico de Trabalho do qual fizeram parte representantes da
ANA, da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) e dos
Estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas e do
Distrito Federal e colaboraram representantes da Companhia Energética do Estado
de Minas Gerais (CEMIG), da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF) e
da Coordenação do Programa de Revitalização do Governo Federal. Também
participaram na elaboração do Plano as Câmaras Técnicas de Planos e Programas e
de Outorga e Cobrança do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.
Foram ouvidos representantes dos Ministérios do Meio Ambiente, da Integração
Nacional, da Agricultura, dos Transportes, entre outros, além de órgãos gestores
dos recursos hídricos dos Estados, dos usuários e dos representantes da
sociedade civil; consultores nacionais (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,
2004, p. 13).
Foram realizados
encontros públicos para debater o Plano e sua metodologia.11 Na
elaboração do Plano, serviram de subsídios estudos já prontos sobre a bacia,
sendo os principais: Diagnóstico Analítico da Bacia, de maio de 2003, e o
Programa de Ações Estratégicas, de dezembro de 2003, ambos financiados pela
ANA/GEF/PNUMA/ OEA, conhecido como Projeto GEF São Francisco e, ainda, o Documento
de Referência do Plano Nacional de Recursos Hídricos, de novembro de 2003 (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,
2004, p. 18).
A versão
preliminar do plano foi aprovada na III Reunião Plenária do Comitê ocorrida em
Juazeiro (BA), no período de 28 a 30/07/2004. Em face do pedido de vista do
Secretário Nacional de Recursos Hídricos quanto à Proposta de Deliberação que
definia limites, prioridades e critérios de alocação e outorga para usos
externos à bacia, houve a necessidade de convocar uma nova reunião para o
Comitê deliberar sobre a matéria (outorga), ocorrida posteriormente, em
Salvador (BA), no dia 27/10/2004, quando foi homologada a Deliberação n. 18, de
27/10/2004. O Plano Decenal foi aprovado em 29/07/2004 por meio da Deliberação
CBHSF n. 07 (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,
2004, p. 7-8).
A Deliberação do
CBHSF n. 18, de 27/10/2004, tornou vigente o seguinte conteúdo12:
Art. 3º- A
concessão de outorga para uso externo à bacia hidrográfica do rio São Francisco
fica restrita exclusivamente para consumo humano e dessedentação animal,
atendidos os seguintes critérios (grifo nosso):
I – os
atendimentos de pedidos de outorga dependem da existência de disponibilidade de
água no ponto de captação, baseada na locação espacial estabelecida neste
plano, e deverá considerar os resultados dos estudos de compatibilização entre
os usos humanos e animal e a proteção da biodiversidade;
II – os valores
definidos devem ser compatibilizados com valores médios de consumo humano
reconhecidos internacionalmente como adequados para as características das
bacias hidrográficas receptoras, tendo por base as condições de uso racional e
eficiente das águas;
III – clara
comprovação de indisponibilidade hídrica local para atendimento da demanda
apresentada e da inviabilidade econômica e/ou técnica de soluções nas bacias
hidrográficas receptoras; (grifo nosso)
De encontro a
esta deliberação, uma “brecha” na concessão da outorga hídrica definitiva13 pela
Agência Nacional de Águas, em 22/09/2005, por meio da Resolução ANA 411,
manteve acesas as dúvidas e coloca em pauta as intenções do projeto:
Art. 1° Outorgar
ao Ministério da Integração Nacional o direito de uso de recursos hídricos do
Rio São Francisco, para a execução do Projeto de Integração do São Francisco
com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, nas seguintes condições:
IV –
excepcionalmente, será permitida a captação da vazão máxima diária de 114 m3/s
e instantânea de 127 m3/s, quando o nível de água do Reservatório de
Sobradinho estiver acima do menor valor entre:
a) nível
correspondente ao armazenamento de 94% do volume útil; e
b) nível
correspondente ao volume de espera para o controle de cheias;
Parágrafo único.
Enquanto a demanda real for inferior a 26,4 m3/s, o empreendimento
poderá atender, com essa vazão, o uso múltiplo dos recursos hídricos na região
receptora.
A ANA expediu em
22/09/2005, com publicação no D.O.U. n. 185, em 26/09/2005, p. 89, o
Certificado de Avaliação da Sustentabilidade da Obra Hídrica (CERTOH) para o
Projeto de Integração do rio São Francisco. E, de acordo com Boni (2005, p. especial 4), no dia
seguinte ao da emissão da outorga, a ANA emitiu uma nota técnica declarando que
“uma vazão média diária de 87,9 m3/s referente a outros usos da água
pode ser bombeada eventualmente”. A ANA em nenhum momento esclareceu o que é
uma “situação excepcional” e quais seriam os “outros usos”.
Assim, a
utilização da água poderá beneficiar usos que não foram elencados como
prioritários pelo Plano Decenal, contrariando a Lei n. 9.433/97 (arts. 12 e 13)
e a Resolução CNRH n. 16/2001 (art. 7°, § 3°). Estes dispositivos legais
determinam que toda outorga estará condicionada às prioridades de uso
estabelecidas nos planos de recursos hídricos.
O Plano Decenal
do CBHSF prescreve como usos prioritários: a) uso interno (dentro da bacia), em
casos de escassez, para o consumo humano e a dessedentação de animais; b) uso
para insumo produtivo restrito e exclusivo para usos internos da bacia. Além de
estabelecer os usos prioritários e demais elementos da gestão hídrica da bacia
do rio São Francisco, “o Plano Decenal estabelece que somente 360m3/s
podem ser alocados (outorgados), dos quais 335 já foram. Sobram então 25 m3/s
para utilização atual e futura de usos múltiplos, sendo prioritários os da
bacia” (BAHIA, 2006, p. 12).
A transposição
infringe o Plano Decenal, pois requereria em 2013, no mínimo, uma vazão
continuada de 26,4 m3/s. A utilização desta vazão foi postergada
para 2015, em virtude do atraso no cronograma inicial das obras. Essa vazão,
por si, extrapola os limites reais da vazão outorgável prevista no plano em 1,4
m3/s. Não obstante, conforme a outorga, o Certificado de Avaliação
da Sustentabilidade da Obra Hídrica e a Nota Técnica expedidos pela ANA podem
ser necessários e concedidas vazões maiores: 65 m3/s, 87,9 m3/s
e 127 m3/s. Assim, a demanda hídrica da transposição (Eixo Norte e
Eixo Leste) extrapola os níveis outorgáveis de água, infringindo o Plano
Decenal, no pertinente aos usos prioritários e à sustentabilidade ambiental e
viabilidade da obra.
Convém
esclarecer que o Plano Decenal admite a concessão de água para usos externos
(por exemplo, CE, RN, PB), todavia, visando ao consumo humano e à dessedentação
animal, em caso de comprovada escassez e mediante clara comprovação da
indisponibilidade hídrica local para o atendimento da demanda e
indisponibilidade econômica e/ou técnica de soluções nas bacias receptoras (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,
2004, p. 147-148).
Ante a
solicitação do Ministério da Integração Nacional, na elaboração do Plano, foi
prognosticado o consumo hídrico futuro na bacia, com e sem a transposição, a
partir da estimativa das taxas anuais de crescimento econômico e do consumo de
água previsto para 2013 e 2025. Criaram-se três cenários de crescimento:
tendencial, normativo e otimista, os quais preveem as seguintes taxas de
crescimento econômico anual: 1,9%, 6,5% e 8,9%, respectivamente (vide Tabela 1).
CENÁRIOS
|
TAXA
DE CRESCIMENTO EFETIVO 2013 (M3/S)
|
CONSUMO
EFETIVO 2004 (M3/S)
|
CONSUMO
EFETIVO 2013 (M3/S)
|
CENÁRIO
TENDENCIAL
|
1,9% A.A.
|
90,9
|
107,9
|
CENÁRIO
NORMATIVO
|
6,5% A.A.
|
134,9 SEM TRANSPOSIÇÃO
|
|
CENÁRIO
OTIMISTA
|
8,9% A.A.
|
169,9 SEM TRANSPOSIÇÃO
|
Os estudos que
sedimentam o Plano estabelecem que o consumo efetivo de água na bacia, em 2004,
era de 90,9 m3/s, ou seja, dos 335 m3/s outorgados
somente 90,9 m3/s estavam sendo efetivamente consumidos. Desse modo,
os estudos do Plano prognosticaram o consumo futuro, com base no cenário
normativo sobre o consumo atual efetivo. Assim sendo, dos atuais 90,9 m3/s,
ter-se-ia um consumo, em 2013, de 134,9 m3/s sem e de 160,4 m3/s
com a transposição. O crescimento significativo no consumo hídrico, de acordo
com o Plano, deve-se ao aumento das terras irrigadas e à instalação de projetos
hidráulicos (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,
2004, p. 132-133).
Considerando o
cenário para 2025, empregando-se a taxa de 8,9% a.a de crescimento (cenário
otimista), e admitindo-se a instalação parcial, no mínimo 50%, das áreas dos
atuais projetos de irrigação, mas a transposição em sua plenitude: o consumo
ficará em 262 m3/s sem transposição e 327 m3/s com a
mesma. Assim, dos 360 m3/s outorgáveis restariam somente 33 m3/s
para serem alocáveis nas próximas duas décadas, reputando-se desde já, que nem
todos os projetos de irrigação poderão ser implantados (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,
2004, p. 132-133). Desse modo, os atuais problemas e conflitos
seriam elevados ainda mais ante o pequeno espectro possível de outorga e o
almejado desenvolvimento econômico poderá não ocorrer ou ficar estagnado e os
danos ambientais já estarão concretizados.
As estimativas
do Plano Decenal para o consumo em 2025 atestam que, “com a transposição o
consumo em 2025 será de 327 m3/s e sem ela de 262 m3/s” (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,
2004, p. 133).
Contudo, importa
ratificar que estes estudos foram realizados com base no atual consumo efetivo
estimado em 90,9 m3/s (ano referência 2004), mas não se pode
esquecer de que os valores já outorgados são superiores ao consumo efetivo,
pois somam 335 m3/s dos 360 m3/s alocáveis. Assim, com
base nas outorgas concedidas, tem-se um saldo de disponibilidade hídrica de
apenas 25 m3/s para o atendimento de novas outorgas, visto o projeto
estabelecer um consumo mínimo de 26,4 m3/s e máximo de 127 m3/s.
Destarte, a
demanda supera a disponibilidade hídrica, acirrando-se ainda mais os conflitos
na bacia. Impera salientar, antes de se apoiar no consumo efetivo e não no
outorgado, que é indispensável suspender ou cancelar as outorgas14 que
não utilizam a vazão concedida. E, neste sentido, entende-se ser necessária a
motivação do ato pela administração pública, de acordo com as normas de
Direito. A suspensão dessas outorgas não está isenta de recurso judicial, ou
seja, não se pode prognosticar e autorizar um projeto de tal magnitude
financeira, social e ambiental, alicerçando-se somente em prognósticos.
O Plano Decenal
apresenta ainda outros dados: a) a retirada de 65 m3/s prevista para
os Eixos Norte e Leste equivale a abrir mão da possibilidade de a bacia irrigar15 uma
área aproximada de 150.000 a 200.000 hectares ou de geração de energia
correspondente a esta vazão; b) priorizando-se a demanda do Projeto de
Transposição em sua totalidade, o atendimento máximo das outorgas já concedidas
seria de 85%, não haveria saldo para outros usos e a concessão de novas
outorgas dependeria exclusivamente de elevada redução nos valores já
outorgados; c) há previsão de executar uma série de empreendimentos de grande
porte na bacia, os quais não foram objeto de análises específicas nos estudos
do plano. Alguns, inclusive, já têm suas obras iniciadas, enquanto outros estão
ainda em fase de projeto. Dentre esses projetos, destacam-se: os canais do
Sertão Pernambucano e Alagoano, cujo consumo total previsto está estimado em
torno de 25 m3/s, em 2013 e 41 m3/s, em 2025, de acordo
com o Plano Decenal (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,
2004, p. 131-146).
Na outorga, o
CBHSF ainda não tinha regras estabelecidas acerca da alocação espacial (por
Estado) ou por tipo de uso consuntivo16 e,
a partir da outorga, a negociação entre os Estados membros que compõem a bacia
se torna ainda mais complexa.
O Projeto busca
apoio popular na inverídica assertiva de que os 26,4 m3/s visam ao
consumo humano nas áreas mais afetadas pela seca, mas sólidos indícios
demonstram que sua real intenção é disponibilizar água para irrigação, além de
outros usos econômicos – promovendo o desenvolvimento econômico – não elencados
pelo CBHSF como prioritários, tanto na alocação interna de água quanto na
externa.
A propósito, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (2004),
no Relatório das Discussões sobre a transposição, considera que ela se desvia
dos fins propostos – fornecimento de água para o consumo humano e animal –
gerando preocupação quanto à partilha dos benefícios sociais do projeto:
Há diferenças
fundamentais quanto à justificação dos dois eixos propostos. O chamado Eixo
Leste é proposto para o abastecimento humano das regiões mais secas de
Pernambuco e da Paraíba e irrigação em sua maior parte na própria bacia do São
Francisco. Por outro lado, o Eixo Norte, cujo objetivo é inequivocamente
irrigação, baseia-se no princípio do aumento da sinergia dos grandes
reservatórios do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. O projeto do Eixo Norte
apresenta muitas incertezas no que se refere à viabilidade econômica e não há
clareza quanto ao benefício social e à distribuição de renda que poderá ser
gerada com o projeto. Além disso, em ambos os casos, a capacidade gerencial
necessária para que as instituições públicas brasileiras venham a administrar o
transporte de água em canais com centenas de quilômetros e a capacidade dos
estados e da União de implementar as obras de modo a efetivamente utilizar a
água, não condiz com o quadro atual, de dezenas de projetos inacabados e outros
quase destruídos em função da má gestão. Portanto, seriam extremamente
oportunas e prioritárias ações focadas na conclusão de inúmeras obras
inacabadas existentes. (SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, 2004,
p. 12-13)
O próprio Plano
Decenal destaca que “no conjunto da Bacia, a situação da disponibilidade
hídrica é confortável, atendendo aos usos múltiplos atuais e futuros” (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,
2004, p. 102- 103). Fontes (2007, p. 68), no mesmo
sentido, declara ter o Comitê solicitado, por diversas vezes à ANA, a
apresentação do balanço hídrico regional para ser possível constatar qual o
real nível de escassez da bacia. Segundo o autor, apesar de a ANA prometer que
o entregaria durante o processo de análise da outorga e emissão do Certificado
de Avaliação da Sustentabilidade de Obra Hídrica, o balanço não foi entregue.
Declara ainda o autor que a ANA concedeu a outorga somente com base nos dados
fornecidos pelo Ministério da Integração Nacional, pois o levantamento do
balanço hídrico foi divulgado em 2006, no Atlas do Nordeste – Abastecimento
Urbano de Água.
O Centro de
Recursos Ambientais da Bahia afirma que, se fossem executadas algumas ações
como as previstas na transposição, por exemplo, construção de canais, cisternas
e bombeamento para ativação dessa disponibilidade (superficial, 54,2 m3/s,
e subterrânea, 16,3 m3/s), inclusive, com recursos inferiores aos
investidos na transposição, a própria bacia receptora (CE, RN, PE, PB)
atenderia a demanda gerada pelo consumo: humano (24 m3/s),
industrial (14 m3/s) e de boa parte do consumo da irrigação (25,5 m3/s).
Contabilizando a disponibilidade hídrica (água superficial e subterrânea) e a
demanda integral (consumo urbano, industrial e irrigação), há um superávit de 7
m3/s (54,2 m3/s + 16,3 – 24 – 14 -25,5 = + 7 m3/s).
Desconsiderando
a disponibilidade subterrânea e considerando a demanda integral, haveria um
déficit de 9,3 m3/s (54,2 m3/s – 24 – 14 – 25,5 = -9,3m3/s).
Existem alternativas mais econômicas e sustentáveis, ou seja, não se
justificaria executar a transposição, orçada em R$ 8 bilhões.
Pesquisadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(2004), atores sociais e gestores hídricos afirmam que a
transposição, em especial seu Eixo Norte, visa incrementar a produção agrícola
e gerar um superávit hídrico, em especial no Ceará e no Rio Grande do Norte
para uso em novos empreendimentos agrícolas e para a refinaria no Porto de
Pecém (CE), visando ao desenvolvimento econômico da região (FONTES, 2007, p. 66-68). E, ainda que
o número de pessoas beneficiadas com a execução do projeto seja
significativamente menor que o divulgado pelo Governo, ou seja, menos de 5% da
população do Semiárido.
Suassuna (1999, p. 7), afirma:
“está documentado que no Piauí (água subterrânea), Ceará e Rio Grande do Norte
há disponibilidade local de água para irrigar mais de 250.000 hectares” – o
projeto oficialmente tem como objetivo levar água visando ao consumo humano
para os dois últimos Estados. Segundo o autor, “Há, também, possibilidade de
aproveitamento das águas dos rios nordestinos”, pois “as descargas anuais
desses rios resultam em infiltração da ordem de 58 bilhões de m3nos
aquíferos. Utilizando 1/3 desse volume seria possível abastecer toda a
população nordestina, estimada em 47 milhões de pessoas: 200 litros por
pessoa/dia. E o volume ainda seria suficiente para irrigar 2 milhões de
hectares, a uma taxa de 7 mil m3por hectare, ao ano”. Suassuna (1999, p. 6) declara ainda:
“Água existe e o que falta é traçar uma política capaz de utilizar melhor esse
recurso”
Coelho (2005, p. especial 5)
destaca: “o projeto baseia-se na tese falsa de que a escassez de água na região
impede a sobrevivência em condições dignas das populações”. E ainda: “É falsa
porque não responsabiliza a estrutura social, econômica e política pelo atraso
e pela miséria no Nordeste”, ou seja, a “indústria da seca”. Consoante Vicente
Barbosa Vieira, professor da UFCE (apud BONALUME, 2005, p. especial 2): “O
Nordeste tem água suficiente para os próximos 20 a 30 anos, mas ela é mal
distribuída”. Para o professor da UFRN, João Abner Guimarães Jr. (apud NORONHA, 2004, p. 1):
“É
chover no molhado. Esse projeto está querendo levar água para as regiões que já
têm”; “nenhuma das cidades que sofriam com a seca no Rio Grande do Norte em
2003, teria seu problema resolvido com a transposição”.
O professor
observa ainda que o Ceará, por exemplo, já conseguiu, com açudes e adutoras,
armazenar uma quantidade de água mais do que suficiente para seus usos atuais.
Guimarães Jr. (apud NORONHA, 2004, p. 1) afirma também
que o Estado usa somente 25% da sua disponibilidade hídrica potencial, e que “o
problema da seca no Nordeste não é de quantidade, mas de democratização do
acesso ao produto”. No concernente à disponibilidade hídrica, o Plano Decenal
destaca que, no conjunto, ela é suficiente, mas existem conflitos relevantes
(já instalados) e de menor relevância (conflitos potenciais) (Mapa 1).
De um modo
geral, esses conflitos se estabelecem em decorrência da necessidade de atender
os usos múltiplos: agricultura irrigada, geração de energia (instalação das
barragens e operação de reservatórios), água para o abastecimento humano,
diluição de efluentes urbanos, industriais e da mineração e a manutenção dos
ecossistemas.
A transposição
potencializa ainda mais os conflitos já existentes, dificultando o
desenvolvimento atual e futuro de diversas atividades relevantes para a bacia,
principalmente a geração de energia elétrica: o rio São Francisco representa
mais de 90% de todo o potencial hidrelétrico inventariado no Nordeste (do Maranhão a Bahia). Irrigação,
navegação e pesca também sofreriam seus efeitos, além de tornar ainda mais
precário o consumo humano e a manutenção do ecossistema do rio São Francisco.
A propósito, o
Plano (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,
2004) destaca que os conflitos atuais podem ser acirrados em
função de diversos fatores, dentre os quais: a) crescimento da agricultura
irrigada na bacia; b) retirada de água da bacia por transposição; c)
revitalização da navegação fluvial; d) aumento da demanda energética; e)
demandas ecológicas e as vazões remanescentes na foz.
Concedendo a
outorga, a ANA não somente deixou de considerar aspectos técnicos relevantes;
mas invalidou as decisões do Comitê; deixou de atender questões relacionadas à
gestão da bacia, por exemplo, seus conflitos e a distribuição dos ônus sociais.
Ao limitar-se à afirmativa de existir disponibilidade hídrica para a realização
da obra, agravou ainda mais os conflitos regionais, principalmente entre
Estados receptores e doadores, comprometendo usos presentes e futuros.
Inviabilizaram igualmente usos consuntivos de relevância para a região, em
especial, a geração de energia elétrica e a manutenção do ecossistema fluvial e
costeiro associado à foz do rio.
O Plano Decenal
e as decisões do Comitê restaram, em boa medida, sem eficácia a partir da
decisão do STF, pois, em suma, a concessão da outorga para as obras da
transposição infringe os seguintes artigos da PNRH:
a) arts. 6° e 7°, que adotam o Plano de Recursos Hídricos como
o instrumento norteador da gestão hídrica na
bacia, pois, apesar de sua existência e validade, ele não foi considerado pela
ANA, MIN, MMA;
b) art. 11, o qual estabelece que o regime de outorga de
direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivo assegurar o controle
quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos
de acesso à água, haja vista que a disponibilidade hídrica da bacia já está
comprometida, inviabilizando a concessão de outorga para a transposição;
c) art. 13, o qual prescreve que a outorga estará
condicionada às prioridades de uso estabelecidas nos Planos de Recursos
Hídricos, sendo prioritário, segundo o Plano Decenal, em caso de alocação
externa de água, o consumo humano e a dessedentação de animais, se comprovada
escassez e indisponibilidade de meios técnicos, e não a transposição, cujo
escopo é alavancar a produção agrícola, piscicultura, entre outros usos
econômicos;
d) art. 38, III e seu parágrafo único, que atribuem a
competência ao Comitê para aprovar o Plano de Recursos Hídricos e o papel de
articulador das questões relacionadas aos recursos hídricos no âmbito da bacia.
Cumpre destacar
que o CNRH ao usufruir da competência atribuída pela PNRH, qual seja:
“deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos que
extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados” (art. 35, III),
invalidou boa parte das decisões do Comitê. Assim, numa perspectiva inicial, a
decisão do CNRH é legal, pois amparada na lei, na competência que a PNRH lhe atribuiu
(art. 35, III). Contudo, se for privilegiada a finalidade da lei e a análise
das consequências da decisão, o caso poderia (poderá) ter outro desfecho.
3.2 A (in)eficácia do direito
ambiental brasileiro na promoção da sustentabilidade
O licenciamento
ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n.
6.938/81, art. 9°, IV) para a gestão ambiental e acautelamento de riscos. Ele
tem como escopo principal a prevenção de danos, da poluição, da degradação
ambiental e a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental. Em decorrência
do seu caráter acautelatório e do complexo conjunto de meios técnicos e
científicos empregados, além dos estudos específicos requisitados, pode-se
afirmar ser o licenciamento ambiental o principal instrumento de gestão
ambiental no Brasil.
Todavia, no
Brasil, por vezes, as práticas do licenciamento ambiental divergem das regras
positivas na lei. As normas são descumpridas com o intuito de favorecer os
interesses corporativos e privados, muitos deles no intuito de promover o
desenvolvimento econômico.
No entanto,
impera destacar que o licenciamento teoricamente propicia a participação
popular, esta insculpida no texto constitucional como direito-dever da
coletividade e também consagrada como princípio do direito ambiental (art. 225
da CF/88). A participação é relevante, pois a sociedade, como potencial vítima
dos efeitos, em especial dos riscos, precisa opinar sobre os riscos a ela
impostos e decidir se os aceita. Para Beck (1999), os riscos são fruto das
decisões, e não se pode eliminar todos, de modo que a sociedade tem o direito e
o dever de escolher a quais riscos quer se submeter, avaliando as questões
envolvidas (sociais, econômicas, políticas, ambientais, éticas etc.). Não se
pode olvidar de que a sociedade tem o direito-dever à participação!
A participação é
direito-dever do cidadão, portanto, sua forma de materialização deveria
ultrapassar os moldes do sistema representativo. Não se olvida que alguns
instrumentos participativos proporcionam a “participação” do cidadão, como as
audiências públicas, contudo, não possibilitam o “influenciar na decisão”, pois
não têm caráter deliberativo. E, ainda, na maioria das vezes, como no caso da
transposição, a forma como são realizadas as audiências públicas impede a
efetiva participação popular.
Sarlet (2012) leciona que o
cenário jurídico-constitucional, especialmente naquilo em que está delineado
para a tutela ecológica, encontra forte justificação no princípio (e dever)
constitucional de solidariedade fundamental à proteção e promoção do ambiente
nas relações entre particulares, o que no seu conjunto, e diante do quadro de
risco existencial imposto pela degradação ecológica, impõe maior carga de
responsabilidade no que diz com as ações e omissões dos particulares (pessoas
naturais e jurídicas). E, ainda, a Constituição Federal de 1988, além de
enunciar deveres de proteção estatais, em matéria ambiental, igualmente afirmou
a responsabilidade dos particulares, pois, segundo o autor, a partir do art.
225 do texto constitucional, os particulares estão juridicamente vinculados ao
dever de proteção ambiental, são atribuídos tanto direitos quanto deveres
fundamentais em matéria ambiental, pois o “Estado estendeu seus tentáculos a
todos os cidadãos, parceiros do pacto democrático, convencido de que só assim
chegará à sustentabilidade ecológica” (SARLET, 2012, p. 13).
Para Hesse (1991, p.21), “direitos
fundamentais não podem existir sem deveres”. Canotilho (2004, p. 26), no mesmo
sentido, leciona que é necessário deslocar o problema dos direitos fundamentais
do campo dos direitos para o terreno dos deveres: “a necessidade de se
ultrapassar a euforia do individualismo dos direitos fundamentais e de se
radicar uma comunidade de responsabilidade de cidadãos e entes políticos
perante os problemas ecológicos e ambientais”.
O dever se
consolida na participação que, apesar de estar positivada e em alguns casos
regulamentada, isto ainda não induz a necessária efetividade. Os cidadãos
enfrentam obstáculos de ordem prática, política, jurídica e cultural. A
propósito, Bobbio (1992), ao refletir acerca dos
direitos, de um modo geral, constata que o problema de nosso tempo não é o de
fundamentá-los, mas sim o de protegê-los.
É inegável que o
cidadão brasileiro vem conquistando novos espaços, nova identidade e novos
direitos: participação em audiências públicas (Resolução Conama n. 09/87, arts.
1° e 2°); legitimidade para promover ação popular ambiental e anular ou impedir
atos lesivos ao ambiente (Lei n. 4.717/65, art. 1°, § 1°); direito à informação
de conteúdo ambiental existente em órgãos públicos (Lei n. 10.650/2003, art.
2°, § 1°) e, principalmente, o direito/dever ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado (CF/88, art. 225, caput). Mas na contemporaneidade, marcada por
riscos globais, intergeracionais e transfronteiriços e pela incerteza, isso é
insuficiente.
Ter ou tomar
parte na decisão não é o mesmo que ter real influência na decisão e tampouco
decidir, como poderia ser compreendido. Influir diretamente na decisão ou
tomá-la é muito mais do que ter ou tomar parte. Portanto, participar das
audiências públicas sem que estas tenham caráter deliberativo não confere real
sentido à participação. Participar de conselhos e comitês cujos percentuais de
participação sejam insignificantes tampouco induz participação, mas legitimação
das decisões tomadas.
Marcondes e Andrade (2005) salientam que no
Brasil, embora os mecanismos de participação tenham aumentado nos últimos anos,
ainda não fazem diferença, mesmo que tenham avançado e se institucionalizado, é
preciso que eles garantam algum poder de decisão, pois sem isso não há
participação de verdade. Isso vale para os dias atuais, ainda que tenha se
passado quase uma década.
Na aprovação da
transposição, a participação pública, conforme exposto, restou fragilizada,
distante de ser efetiva, mesmo assim, o Ministro Sepúlveda Pertence entendeu
que não houve violação à lei, pois o fato de terem sido marcadas as audiências
públicas denota o cumprimento à lei. Presenciar audiências públicas sem poder
de deliberação, agendar audiências cujas práticas não objetivam cumprir a
finalidade da lei etc. faz com que a concretização do direito-dever fique
relegada para planos da inefetividade do texto constitucional e, sobretudo, o
não respeito à finalidade da lei e se evidencie o desinteresse pelas consequências
da decisão.
Acerca da
viabilidade do projeto, as opiniões se dividem. Os principais defensores fazem
parte do governo federal e de alguns Estados (CE, PB, PE, RN),17 empresários
e fazendeiros da bacia receptora. O projeto é por eles defendido, em razão dos
benefícios postulados: a) oferta de água para uma população estimada em 12
milhões; b) geração de mais de 240 mil empregos diretos e indiretos na área
atingida e “em torno de 350 mil empregos nas regiões potencialmente
beneficiadas em função de projetos irrigáveis em outras bacias – Região
Metropolitana de Fortaleza e do Agreste Pernambucano”; c) viabilização da
permanência de mais de 400 mil pessoas nas áreas rurais, evitando-se o êxodo
rural; d) inserção de cerca de 186.000 hectares de novas terras agricultáveis
por meio da irrigação (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2004b,
p. 82, 122-123; BRITO, 2005, p. A18).
Brito (na época
coordenador-geral do Projeto de Transposição) chegava a defender o projeto com
argumentos irresponsáveis: “o projeto não terá qualquer impacto ambiental
negativo acima ou abaixo da barragem de Sobradinho” e ainda “o projeto é
tecnicamente perfeito, socialmente justo e ambientalmente sustentável” (2005,
p. A18). Igualmente, o coordenador-geral da obra da transposição, Macedo, a
exemplo do coordenador do projeto, acena para a legalidade da obra e seus
benefícios:
A decisão do
Governo Federal de implantar o Projeto está baseada em dados, premissas e
evidências que, pela sua clareza e consistência, não deixam dúvidas quanto a
viabilidade e importância do empreendimento, não só para a região beneficiada
como para o Nordeste e o país.
O Projeto foi
exaustivamente discutido, resultado do amplo debate, significativa contribuição
ao seu aperfeiçoamento.
Os impactos
ambientais identificados são bem mais importantes e significativos no campo das
vantagens, não tendo nenhum impacto negativo de relevância, tanto na bacia do
São Francisco quanto nas bacias beneficiadas. Nenhum dos Projetos de
Transposição feitos no mundo teve ou tem as condições ideais e os cuidados
ambientais. (MACEDO, 2007, p. 75)
Os coordenadores
do projeto e da obra, ao pronunciarem que estes cumprem as normas e não
provocam impactos ambientais, evidenciam desconhecerem o RIMA da transposição,
pois o próprio RIMA (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2004b,
p. 74-93) afirma que a transposição provoca 44 impactos, dos quais 23 (12
negativos e 11 positivos) são tidos como relevantes (vide Tabela 2 no
final deste artigo).
Na verdade,
quando o RIMA elenca os 44 “impactos” da transposição, ele está arrolando as 44
“consequências” auferidas na realização do EIA/RIMA. A maioria delas extrapola
os níveis de tolerabilidade inerente à configuração técnico-jurídica de impacto
ambiental (Resolução Conama n. 1/86, art. 1°). Assim, mais que impactos, muitas
consequências previstas pelo RIMA engendram riscos à coletividade, bem como
danos incomensuráveis: extinção de espécies, ruptura de relações
sociocomunitárias etc. Insta ratificar que a terminologia adotada pelo RIMA,
ora qualificando as consequências da transposição de impactos, ora de riscos,
desrespeita as definições jurídicas (legais e doutrinárias).18
Embora o RIMA
não apresente todos os efeitos reais da transposição, estes foram analisados
por pesquisadores, experts, sociedade e exaustivamente discutidos, inclusive nas
ações judiciais. Ademais, a SBPC e o Banco Mundial emitiram alerta sobre a
viabilidade de outras alternativas e o baixo impacto da transposição na
diminuição da pobreza etc. Restou nítido que o RIMA apresenta somente “alguns”
resultados da transposição e que não há uma análise global acerca dos efeitos,
pois as análises são compartimentadas. Mesmo assim, restou evidente o
desrespeito aos princípios da prevenção e precaução e, portanto, ao direito
ambiental brasileiro que os proclama como imprescindíveis para a persecução da
sustentabilidade.
O RIMA não
avaliou todas as possíveis consequências (impactos, danos e riscos), por
exemplo, aquelas decorrentes da cunha salina; da salinização de açudes; dos
efeitos sobre o lençol freático; da geração de efluentes; da competição e dos
conflitos entre os Estados da bacia doadora e da receptora; da viabilidade
econômica da operacionalização do sistema, entre outros (BAHIA, 2006, p. 20).
E também
subdimensionou algumas consequências ao considerá-las “impactos irrelevantes”
quando, na verdade, elas têm elevado potencial danoso ou de provocar riscos:
redução da energia gerada e a perda de receitas municipais oriundas da compensação
pelo uso dos potenciais hidrelétricos (com a transposição uma boa parte da água
do rio São Francisco será direcionada aos canais e reservatórios desta,
reduzindo a geração de energia elétrica e, com isso, as receitas da
compensação). A queda na geração de energia elétrica afetará a
operacionalização do sistema da transposição e outras atividades industriais e
urbanas no Nordeste. Todavia, tanto a redução de energia elétrica quanto a
compensação financeira foram consideradas impactos irrelevantes (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2004b,
p. 74).
O RIMA apresenta
análises reducionistas, as quais desconsideram a ação recíproca e sinérgica das
diversas consequências da execução do projeto. Os resultados da transposição,
chamados pelo RIMA de impactos, foram analisados isoladamente, sem uma
abordagem integrada e global. Ele não apresenta explicitamente os reais efeitos
da transposição, pois foram subdimensionados em decorrência da análise
compartimentada, quando não olvidados, pois nem sequer foram cogitados. A
propósito, o RIMA considera “impactos positivos relevantes”, por exemplo, a
geração de empregos e renda durante a implantação. Ao mesmo tempo, considera
“impactos negativos relevantes” a perda temporária (no início das obras) de
empregos e renda por efeito das desapropriações, assim como afirma que a busca
frustrada de emprego nas obras gerará tensões e riscos sociais. Ratifica-se,
não há um balanço global acerca da geração ou perda de emprego durante a fase
de execução do projeto, entre outras ambiguidades (HENKES, 2008).
Segundo
informações disponibilizadas no site do Ministério da Integração Nacional, 38
programas ambientais foram elaborados para quando executados para prevenir,
atenuar e corrigir os impactos ambientais gerados pela Transposição, monitorar
as mudanças e promover a qualidade ambiental.
Por ora, serão
examinadas, brevemente, as lacunas do RIMA, as quais foram objeto de inúmeras
ações judiciais que demonstram a irresignação de diversos atores sociais,
gestores de recursos hídricos, pesquisadores e da comunidade em geral com os propósitos
governamentais e a aquiescência das instituições (Ibama, ANA, CNRH), bem como
do Poder Judiciário (STF).
3.2.1 As lacunas e impactos
olvidados pelo RIMA
A principal
consequência da transposição olvidada pelo RIMA é o impacto que os custos da
manutenção do sistema de operacionalização do projeto causarão à economia dos
Estados e municípios atingidos pelo projeto, principalmente aqueles
prejudicados com a diminuição das rendas oriundas da compensação financeira
pelo aproveitamento do potencial hidrelétrico. Portanto, além de um grande
problema, essa consequência representa mais que um impacto, um risco, o da não
operacionalização do sistema pela inviabilidade financeira, pela sua
insustentabilidade, além de diminuir as receitas para investimentos em educação,
saúde etc. de inúmeros municípios. Além dos riscos e danos ambientais, como
extinção de espécies da fauna e flora; poluição das águas; veiculação de
vetores hídricos, elevação de óbitos e enfermidades; rupturas sociais causadas
pelo deslocamento; sobrecarregamento da infraestrutura urbana e o agravamento
da qualidade dos serviços públicos prestados (saúde, moradia, educação, entre
outros) etc.
Acerca dos
encargos da operacionalização do sistema, cabe salientar que, em conjunto, os
Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte serão obrigados a
ratear os custos da operacionalização: Pernambuco pagará mais do triplo da
conta que caberá ao Rio Grande do Norte em 2025, R$ 42,8 milhões e R$ 11,4
milhões, respectivamente (SALOMON, 2004, p. especial 3).
A imprevisão dos
efeitos decorrentes da manutenção do sistema de operacionalização constitui
grave falha, a qual impossibilita conhecer os reais impactos da obra na
economia desses Estados e de alguns municípios. Outra consequência da
transposição (considerada irrelevante pelo RIMA) é a redução das receitas de
diversos municípios antes beneficiados com a compensação por utilizar os
potenciais hidrelétricos. Com a transposição, será reduzida a produção de
energia hidrelétrica em 2,4%. Por conseguinte, reduzem-se as compensações e,
assim, as receitas estatais e municipais, mas aumentam-se os encargos.
Ainda cabe
destacar que os Estados já se comprometeram com a cobrança de tarifa pelo uso
da água e com a implantação da cobrança de tarifas pelos serviços de operação e
manutenção do sistema operacional gerado pelas obras da transposição, pois a
ANA condicionou a concessão do CERTOH à apresentação de garantias de
gerenciamento futuro da obra, de acordo com Salomon (2004, p. especial 3). À
época, o então Ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, afirmou que os
menos favorecidos teriam água de graça. Contudo, a nota técnica da ANA que
acompanhou a emissão do CERTOH, publicou “a conta” cabível a cada Estado, e
acredita-se que todos, segundo a lógica mercantil, repassarão os custos para os
consumidores e usuários.
Em reportagem
publicada no Jornal Brasil de Fato (2005), com base nas informações prestadas
pelo Governo, Alencar e Brasilino destacaram que o preço da água transposta
seria de R$ 0,11 o m3 (não
incluindo a energia elétrica consumida pelas bombas para alocação das águas).
Na época dessa divulgação, na região de Petrolina (PE), o metro cúbico custava
R$ 0,023. A reportagem afirmava ainda que parte considerável da água transposta
seria perdida por evaporação e infiltração: “cada hectare irrigado do projeto
do governo federal será responsável pela perda de um volume de água que
possibilitaria a irrigação de, no mínimo, dois ou três hectares à margem do São
Francisco” (2005, p. 6).
O então
coordenador geral do Projeto, Pedro Brito, em defesa incondicional à obra
(2005, p. A18), declarou não ser a água da transposição do São Francisco a mais
cara do mundo, como tinha sido afirmado, enfatizando que o valor a ser cobrado
seria de “apenas” R$ 0,11 por m3. Salientou ainda que, na Espanha,
na Integração do rio Tajo com bacias de outras regiões espanholas, o custo da
água era de € 0,15 por m3.
Outra importante
falha do RIMA (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2004b)
é ele “estranhamente” utilizar só o balanço hídrico da bacia receptora e não o
de toda a bacia do São Francisco. Este possibilitaria uma visão geral da
demanda e disponibilidade e das consequências no âmbito da bacia, decorrentes
do desvio de água. O RIMA mencionou ainda ser a “vazão disponível” de 1.850 m3/s
e “somente” 3,5% desta vazão seria utilizado nas obras da transposição. Esta
afirmação é errônea, pois a “vazão disponível” não é 1.850 m3/s,
sendo esta a “disponibilidade hídrica total”, a qual não se confunde com
aquela; da disponibilidade hídrica total (1.850 m3/s) deve ser
subtraído o valor da “vazão de restrição” de 1.300 m3/s a ser
mantida na foz do rio. Assim, a vazão disponível seria de 580 m3/s e
não 1.850 m3/s alegados pelo RIMA. Portanto, o percentual requerido
pela transposição passa dos 3,5% para 11% da vazão do rio. Assim, a avaliação
realizada torna-se ineficiente para prognosticar os reais impactos da
transposição no âmbito da bacia.
E, nesse
sentido, insta destacar outro equívoco cometido pelo RIMA, ao reduzir as
análises dos “impactos” às áreas diretamente afetadas – faixa ao longo das
estruturas do projeto com 5 km de largura para cada lado, totalizando 7.750 km2;
e as áreas de influência direta – o conjunto de 86 municípios (CE, PB, RN, PE)
atravessados pelos eixos de condução da água, num total de 67.000 km2.
Juntas, somam menos de 75.000 km2, enquanto as desconsideradas, ou
seja, as áreas de influência indireta, somam um total de 787.000km2,
dos quais 212.453 km2 correspondem
às bacias exclusivamente receptoras (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2004b,
p. 54). Portanto, os estudos deveriam compreender a totalidade da bacia
hidrográfica (correspondente a 8% do território nacional), mas desconsideraram
todo o curso do alto e médio São Francisco – situados antes do ponto de
encontro com o Reservatório de Sobradinho.
O projeto
apresenta uma demanda média de 63,5 m3/s – o que corresponde
aritmeticamente à soma da demanda do consumo humano (24 m3/s),
industrial (14 m3/s) e irrigação (25,5 m3/s) – e máxima
de 127 m3/s. Justifica-se por disponibilizar água para o consumo
humano e industrial, mas disponibilizará mais água para a irrigação do que para
o consumo humano, ou seja, 25,5 m3/s contra 24 m3/s,
respectivamente. Assim, a afirmação de que ele visa beneficiar “as pessoas
sedentas do Semiárido” é em parte inverídica, porque o escopo principal do Eixo
Norte é incrementar as atividades econômicas e garantir um superávit hídrico
nos Estados do Rio Grande do Norte e Ceará, enquanto se reconhece o déficit
hídrico nas regiões beneficiadas pelo Eixo Leste. No entanto, isso não assegura
que a água transposta por esse eixo estará à disposição dos habitantes, em
restrição ao incremento dos usos econômicos.
Nesse sentido, a
análise procedida pelo Centro de Estudos Ambientais da Bahia (2004,
p. 30) destaca que diversos estudos científicos revelam o estágio de
sustentabilidade hídrica de alguns Estados, concebidos pelo projeto de
integração como futuros beneficiários do empreendimento. Por exemplo, o Estado
do Ceará apresenta a maior infraestrutura hídrica do Semiárido, acumulando em
torno de 18,2 bilhões de m3, em aproximadamente, oito mil açudes
públicos e privados. Vale relembrar as afirmações de Fontes (2007, p. 66-68) sobre o
superávit hídrico nos Estados do Rio Grande do Norte e Ceará que serão gerados
pela transposição, viabilizando incrementar as exportações (frutas e camarão)
pelo Porto de Pecém (CE). A bacia receptora tem autossuficiência hídrica para
atender o consumo humano e industrial (38 m3/s), bastando a ativação
desta disponibilidade por meio de alternativas mais baratas e sustentáveis.
Acerca das
alternativas ao Projeto, o Banco Mundial, a pedido do governo brasileiro, fez
uma análise e entendeu que, antes da execução da transposição, alternativas com
efeitos de curto prazo deveriam ser executadas, por exemplo, a construção de
cisternas e reservatórios para água da chuva; dessalinização da água etc., como
também concluir os projetos iniciados. O Relatório do Banco Mundial, disponível
no site do Comitê (p. 4, 8-9), ressalta que o projeto terá baixo impacto na
redução da pobreza e, igualmente, no alívio da seca:
O projeto
proposto só afetaria uma pequena porcentagem da população do Nordeste que sofre
de periódica falta de água. Uma abordagem programática e estratégica mostra que
esta população pode ser alcançada de forma mais efetiva através da combinação
de atividades direcionadas. Primeiro, a conclusão de projetos hídricos existentes
com o objetivo de otimizar o uso de recursos hídricos disponíveis podem
proporcionar resultados a curto prazo. [...]. Segundo, para cidades de porte
médio, chama-se atenção para programas de sucesso de reservatórios de tamanho
médio e o sistema de distribuição no Ceará, a implementação de uma grande rede
de canos dos atuais reservatórios no Rio Grande de Norte, e iniciativas
similares implementadas através do projeto PROÁGUA em muitos outros Estados do
Nordeste. Estes sistemas estão fornecendo um confiável suprimento de água a
várias cidades que lutaram contra a falta de água por muitos anos. Em terceiro
lugar, suprimento de água para comunidades pobres e esparsas pode ser alcançado
através de alternativas de baixo custo tais como cisternas, colheita da água da
chuva, barragens subterrâneas, dessalinização, entre outras.
Contudo, o RIMA
(MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2004b,
p. 33-35) afirma que as alternativas à execução da transposição são: a)
complementares em termos de público-alvo (construção de cisternas e poços); b)
restritas em ocorrência espacial, quanto à qualidade da água e da distância
(caso de água subterrânea e reuso do esgoto); c) limitadas em disponibilidade
adicional (novos açudes); d) onerosas e tecnicamente menos eficientes
(transposição do rio Tocantins e dessalinização de água do mar).
Apesar dessa
afirmação, sabe-se que ações eficientes visando revitalizar a bacia, como a
ativação da disponibilidade hídrica existente na bacia receptora e a construção
de cisternas e poços para armazenamento de água são escolhas mais baratas e
viáveis tecnicamente, além de serem ambientalmente sustentáveis e a sua
execução mais rápida, de modo a resolver os problemas existentes antes,
prevê-se que as obras da transposição estejam concluídas totalmente em 2025.
Essas opções também amenizariam e reduziriam significativamente os impactos,
danos e riscos causados à flora e fauna nativa, além dos abalos sociais, como
rupturas das relações sociocomunitárias.
Até mesmo
porque, apesar do elevado orçamento (cerca de R$ 8 bilhões), a água transposta
não chegará diretamente à casa de todos os nordestinos. Muitos deles somente
terão acesso nos “chafarizes públicos, em cerca de 400 localidades urbanas,
todas inseridas na área diretamente afetada, beneficiando aproximadamente 70
mil pessoas”, conforme o RIMA (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2004b,
p. 82). Desse modo, o problema da “falta de água” para a população local
permanecerá, embora a disponibilidade hídrica local aumente. Ou seja, a oferta
de água crescerá, mas não resolverá todos os problemas (de acesso à água) da
população. Novamente, evidencia-se que o grande problema é a democratização do
acesso e não a oferta de água. A propósito, segundo Villa (2005, p. A3), o principal
dilema da região não é a falta de água, haja vista o índice pluviométrico ser
razoável; a questão é como conservar e dar uso racional à água, ou seja,
democratizar o acesso.
No mesmo
sentido, Ab’Sáber (2005a, p. 98) enfatiza:
“Nas discussões sobre a transposição das águas do São Francisco para o setor
norte do Nordeste seco, existem alguns argumentos tão fantasiosos e mentirosos
que merecem ser corrigidos”. Segundo o autor, o primeiro deles é a transposição
resolver os grandes problemas sociais da região semiárida: “Trata-se de um
argumento completamente infeliz”. A água transposta não vai solucionar o
problema, se outras políticas não forem conjuntamente implementadas.
De acordo com o Centro de Recursos Ambientais da Bahia (2004,
p. 56), na análise dos impactos ambientais da transposição, o RIMA selecionou
apenas 11 unidades de conservação das 123 existentes na bacia receptora, por
estarem na área de intervenção direta do empreendimento, fato que pode
subdimensionar as consequências causadas à área integral. Cinco espécies exógenas
à bacia do rio São Francisco, sob influência, do empreendimento, já foram
citadas como espécies com algum nível de risco de extinção: a pirapitinga
(Brycon orthotaenia), a piabinha (Compsura heterura), a piabinha (Hemigrammus
brevis), o mandi-açu (Duopalatinus emarginatus) e o niquim (Lophiosilurus
alexandri). A propósito, destaca-se que a área indiretamente afetada é uma área
do patrimônio histórico e arquitetônico com construções dos séculos XVII e
XVIII, além das riquezas naturais, como grutas, lagoas e reservas florestais e
sítios arqueológicos de valor inestimável que serão atingidos e provavelmente
destruídos pela transposição (CENTRO DE RECURSOS AMBIENTAIS DA BAHIA, 2004,
p. 40-59).
Inúmeros outros
questionamentos acerca da sustentabilidade da obra são necessários. Ab’Sáber,
em linhas gerais, destaca que pouco se pode adiantar a não ser a falta de
conhecimentos sobre a dinâmica climática e a periodicidade do rio que vai
perder água e dos rios intermitentes e sazonais que vão receber filetes de
águas transpostas. O autor ressalta que um ponto obscuro da transposição é como
evitar a grande evaporação da água por meio da caatinga, onde o índice de evaporação
é o maior de todos e, ainda:
O risco final é
que, atravessando acidentes geográficos consideráveis, como a elevação da
escarpa sul da chapada de Araripe – com grande gasto de energia! – a
Transposição acabe por significar apenas um canal tímido de água, de duvidosa
validade econômica e interesse social de grande custo, e que acabaria por
movimentar o mercado especulativo na terra e da política. No fim, tudo
apareceria como o movimento de transformar todo o espaço em mercadoria. (AB’SÁBER, 2005a, p. 98)
Além dessas
irregularidades e infrações, outras podem ser observadas: a) o descumprimento
do Decreto Federal n. 4.024, o qual determina: as obras de infraestrutura
hídrica da União devem obedecer a critérios de sustentabilidade operacional e
hídrica, devidamente comprovados pela ANA; b) a necessária autorização do
Congresso Nacional a teor dos arts. 49 e 231, § 3°, da CF/88, pois as obras
terão impacto em terras indígenas; c) solicitação formal da anuência prévia dos
gestores das unidades de conservação, conforme exigência da legislação
específica não observada. De acordo com o Professor Guimarães (apud NORONHA, 2004, p. 1), “uma auditoria
isenta, com certeza, deveria revelar a inviabilidade do Projeto de Transposição
e contestar a certificação da obra por parte da ANA”.
Villa (2005, p. A3) destaca
que, de toda a discussão sobre o projeto, pelo menos uma é positiva, ou seja, é
preciso fazer algo urgente pelo Semiárido. Contudo, o autor revela ser quase nula
a presença do Governo Federal na região. E quando ele diz estar preocupado com
a situação e querer acabar com a “indústria da seca”, paradoxalmente busca
alianças no Congresso Nacional com os representantes dessa “indústria”.
Anunciada como a
solução para a seca do Semiárido e a mola propulsora do desenvolvimento, a
transposição está gerando e gerará danos ambientais e sociais que não foram
adequadamente contabilizados e considerados nas decisões. Se houver
desenvolvimento, com certeza não será democrático e sustentável.
O próprio RIMA
evidencia “uma parte” dos riscos e danos decorrentes da transposição, o que
seria suficiente para a aplicação dos princípios da prevenção e da precaução.
Não restam dúvidas acerca da prevalência dos princípios sobre as regras. Neste
sentido, Dworkin, Alexy, Eros Grau, Celso Antônio Bandeira de Mello, entre
outros.
Indubitavelmente,
o Projeto da Transposição do rio São Francisco divide opiniões. A partir da
realização da pesquisa, com base na análise de inúmeros documentos, estudos e
depoimentos, constatou-se que a execução da transposição não resolverá o
problema da “falta de água”, embora a disponibilidade hídrica aumente no
Semiárido Nordestino. O problema continuará sendo a democratização do acesso e
não a oferta de água. Os problemas poderiam ser resolvidos com soluções
alternativas de menor impacto ambiental e menor custo financeiro e social. O
Programa de Revitalização do São Francisco, o “primo pobre” da transposição, é
aceito pela comunidade local e considerado pela comunidade científica o mais
viável, além de sustentável.
De fato, a
economia da região pode se beneficiar com a obra e se desenvolver
economicamente por meio da instalação de novos postos de trabalho, mas os
resultados positivos deste desenvolvimento (econômico) não serão igualitários.
Poucos se beneficiarão muito, por exemplo, com os pagamentos das
desapropriações, das empreiteiras, fazendeiros etc. e muitos pouco receberão.
Os danos e riscos ambientais atingirão as presentes e futuras gerações. Os
estudos trazidos à baila demonstram como a obra, em especial no Eixo Norte, foi
concebida para beneficiar o desenvolvimento econômico sem a devida preocupação
com o desenvolvimento sustentável.
O número
acentuado de ações judiciais propostas visando suspender a concessão das
licenças ambientais em razão das falhas e omissões relevantes no EIA/RIMA
evidenciam a inaceitabilidade social do Projeto e também a desconsideração de
preceitos legais da PNRH; do Plano Decenal; da CF/88, no que tange ao direito-dever
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à participação e, também dos
princípios do direito ambiental, como o da participação, prevenção e precaução.
Cabe ainda
salientar que o longo percurso judicial não findou, pois não há uma decisão
transitada em julgado, mas o caminho até então percorrido é exemplificativo
para ser afirmado que: a) a decisão jurídica final (STF) ratificará as
anteriores; b) a execução da obra até o presente já causou danos e impactos
ambientais (negativos), além dos sociais de significativa repercussão e
gravidade, gerou riscos, além do descrédito na justiça e no Direito brasileiro;
c) os riscos ambientais impostos à coletividade decorrentes da execução da obra
são de alta magnitude, comprometendo, inclusive, a própria operacionalização e
manutenção do sistema e demonstrando sua insustentabilidade, em que pese o RIMA
tenha elencado somente 44 consequências; d) os imbróglios jurídicos evidenciam
o esvaziamento da função delegada aos comitês de bacia pela PNRH e, isso, por
consequência, gera o descrédito na gestão hídrica participativa; e) embora o
direito ambiental brasileiro esteja munido de instrumentos aptos a promover o
desenvolvimento sustentável, as práticas jurídicas têm demonstrado que o
problema é sua efetividade e que há um grande hiato entre a lei e as práticas
oficiais; f) o direito-dever à participação carece de um alto nível de
concretização no direito brasileiro.
IMPACTOS
|
FASE DE Planejamento
|
FASE DE CONSTRUÇÃO
|
FASE DE OPERAÇÃO
|
NATUREZA POSITIVO/ NEGATIVO
|
01 INTRODUÇÃO
DE TENSÕES E RISCOS SOCIAIS DURANTE A CONSTRUÇÃO
|
X
|
X
|
_
|
|
02 RUPTURA
DE RELAÇÕES SOCIOCOMUNITÁRIAS DURANTE A FASE DE OBRA
|
X
|
|||
03 POSSIBILIDADE
DE INTERFERÊNCIAS COM POPULAÇÕES INDÍGENAS
|
X
|
X
|
_
|
|
04 RISCO
DE ACIDENTES COM A POPULAÇÃO
|
X
|
_
|
||
05 AUMENTO
DAS EMISSÕES DE POEIRA
|
X
|
X
|
_
|
|
06 AUMENTO
E/OU APARECIMENTO DE DOENÇAS
|
X
|
X
|
_
|
|
07 AUMENTO
DA DEMANDA POR INFRA-ESTRUTURA DE SAÚDE
|
X
|
_
|
||
08 PERDA
DE TERRAS POTENCIALMENTE AGRICULTÁVEIS
|
X
|
_
|
||
09 PERDA
TEMPORÁRIA DE EMPREGOS E RENDA POR EFEITO DAS DESAPROPRIAÇÕES
|
X
|
_
|
||
10 INTERFERÊNCIAS
COM ÁREAS DE PROCESSOS MINERÁRIOS
|
X
|
X
|
_
|
|
11 GERAÇÃO
DE EMPREGOS E RENDA DURANTE A IMPLANTAÇÃO
|
X
|
+
|
||
12 DINAMIZAÇÃO
DA ECONOMIA REGIONAL
|
X
|
X
|
+
|
|
13 PRESSÃO
SOBRE A INFRA-ESTRUTURA URBANA
|
X
|
X
|
_
|
|
14 ESPECULAÇÃO
IMOBILIÁRIA NAS VÁRZEAS POTENCIALMENTE IRRIGÁVEIS NO ENTORNO DOS CANAIS
|
X
|
X
|
_
|
|
15 RISCO
DE INTERFERÊNCIA COM O PATRIMÔNIO CULTURAL
|
X
|
X
|
_
|
|
16 AUMENTO
DA OFERTA E DA GARANTIA HÍDRICA
|
X
|
+
|
||
17 AUMENTO
DA OFERTA DE ÁGUA PARA ABASTECIMENTO URBANO
|
X
|
+
|
||
18 ABASTECIMENTO
DE ÁGUA DAS POPULAÇÕES RURAIS
|
X
|
+
|
||
19 REDUÇÃO
DA EXPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO A SITUAÇÕES EMERGENCIAIS DE SECA
|
X
|
+
|
||
20 DINAMIZAÇÃO
DA ATIVIDADE AGRÍCOLA E INCORPORAÇÃO DE NOVAS ÁREAS AO PROCESSO PRODUTIVO
|
X
|
+
|
||
21 DIMINUIÇÃO
DO ÊXODO RURAL E DA EMIGRAÇÃO DA REGIÃO
|
X
|
+
|
||
22 REDUÇÃO
DA EXPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO A DOENÇAS E ÓBITOS
|
X
|
+
|
||
23 REDUÇÃO
DA PRESSÃO SOBRE A INFRA-ESTRUTURA DE SAÚDE
|
X
|
+
|
||
24 PERDA
E FRAGMENTAÇÃO DE CERCA DE 430 HECTARES DE ÁREAS COM VEGETAÇÃO NATIVA E DE
HABITATS DE FAUNA TERRESTRE
|
X
|
X
|
_
|
|
25 DIMINUIÇÃO
DA DIVERSIDADE DE FAUNA TERRESTRE
|
X
|
X
|
_
|
|
26 AUMENTO
DAS ATIVIDADES DE CAÇA E DIMINUIÇÃO DAS POPULAÇÕES DAS ESPÉCIES CINEGÉTICAS
|
X
|
_
|
||
27 MODIFICAÇÃO
DA COMPOSIÇÃO DAS COMUNIDADES BIOLÓGICAS AQUÁTICAS NATIVAS DAS BACIAS
RECEPTORAS
|
X
|
_
|
||
28 RISCO
DE REDUÇÃO DA BIODIVERSIDADE DAS COMUNIDADES BIOLÓGICAS AQUÁTICAS NATIVAS NAS
BACIAS RECEPTORAS
|
X
|
_
|
||
29 COMPROMETIMENTO
DO CONHECIMENTO DA HISTÓRIA BIOGEOGRÁFICA DOS GRUPOS BIOLÓGICOS AQUÁTICOS
NATIVOS
|
X
|
_
|
||
30 RISCO
DE INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES DE PEIXES POTENCIALMENTE DANINHAS AO HOMEM NAS
BACIAS RECEPTORAS
|
X
|
_
|
||
31 INTERFERÊNCIA
SOBRE A PESCA NOS AÇUDES RECEPTORES
|
X
|
_
|
||
32 RISCO
DE PROLIFERAÇÃO DE VETORES
|
X
|
_
|
||
33 OCORRÊNCIA
DE ACIDENTES COM ANIMAIS PEÇONHENTOS
|
X
|
_
|
||
34 INSTABILIZAÇÃO
DE ENCOSTAS MARGINAIS DOS CORPOS D'ÁGUA
|
X
|
_
|
||
35 INÍCIO
OU ACELERAÇÃO DE PROCESSOS EROSIVOS E CARREAMENTO DE SEDIMENTOS
|
X
|
_
|
||
36 MODIFICAÇÃO
DO REGIME FLUVIAL DAS DRENAGENS RECEPTORAS
|
X
|
X
|
_
|
|
37 ALTERAÇÃO
DO COMPORTAMENTO HIDROSSEDIMENTOLÓGICO DOS CORPOS DÁGUA
|
X
|
X
|
_
|
|
38 RISCO
DE EUTROFIZAÇÃO DOS NOVOS RESERVATÓRIOS
|
X
|
X
|
_
|
|
39 MELHORIA
DA QUALIDADE DA ÁGUA NAS BACIAS RECEPTORAS
|
X
|
+
|
||
40 AUMENTO
DA RECARGA FLUVIAL DOS AQÜÍFEROS
|
X
|
X
|
+
|
|
41 INÍCIO
OU ACELERAÇÃO DOS PROCESSOS DE DESERTIFICAÇÃO
|
X
|
_
|
||
42 MODIFICAÇÃO
NO REGIME FLUVIAL DO RIO SÃO FRANCISCO
|
X
|
_
|
||
43 REDUÇÃO
DA GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO RIO SÃO FRANCISCO
|
X
|
_
|
||
44 DIMINUIÇÃO
DE RECEITAS MUNICIPAIS
|
X
|
_
|
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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panaceia para os problemas do Semiárido. Scientific American Brasil, São Paulo,
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[ Links ]
NOTAS
1 De acordo com
Leite, a primeira foi a do Ouvidor
Marcos Antônio de Macedo, em 1847 (LEITE, 2005, p. 7).
2 A se realizarem
em: Sousa (PB), em 19/03/2001; Natal (RN), em 21/03/2001; Fortaleza (CE), em
23/03/2001; Aracaju (AL), em 26/03/2001; Penedo (AL), em 28/03/2001; Belo
Horizonte (MG), em 30/03/2001; Salgueiro (PE), em 06/04/2001; Salvador (BA), em
09/04/2001 e Juazeiro (BA), em 10/04/2001 (HENKES, 2008).
3 Em 03/04/2001, o
Centro de Recursos Ambientais (CRA), órgão executor da política ambiental
baiana ingressou com uma ação civil pública contra o Ibama objetivando
suspender as audiências públicas previstas no processo de licenciamento em face
das irregularidades constatadas no EIA/RIMA. A ação foi julgada procedente e
confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região; 2) O Gambá (ONG
ambientalista com atuação na Bahia) ingressou com outra ação civil pública
contra o Ibama e a União. Em consequência da propositura dessas ações, as
audiências públicas programadas para Aracaju (SE), Penedo (AL), Salvador (BA) e
Juazeiro (BA) não foram realizadas.
4 Consoante Leite (2005, p. 7), “Até 2003 [Lula]
manteve uma atitude que foi interpretada como dúbia, ou de respeito pela ala
ambiental do PT e pela Igreja, que se posicionaram contra o desvio”.
5 Segundo Suassuna (1999), todos os documentos
existentes na CHESF sobre o Projeto Sobradinho fazem referência a uma vazão
mínima garantida do rio. O conceito dessa vazão mínima garantida é que, sem
qualquer barragem, em outubro de 1955, o rio São Francisco registrou a menor
vazão jamais lida em Juazeiro/Petrolina, ou seja, 595 m3/s.
Existindo Três Marias e Sobradinho, é possível garantir que, ocorrendo uma
estiagem semelhante à da década de 1950 e se reproduzindo vazão semelhante à
daquele ano, Sobradinho liberará, no mínimo, 2.060 m3/s para
alimentar as usinas existentes a jusante (Itaparica, Moxotó, Paulo Afonso I,
II, III e IV, e Xingó). Em anos de cheia, a média é bem maior do que os 2.060 m3/s,
podendo ocorrer, como em 1945, 1949 e 1979, uma média superior a 4.500 m3/s.
Contudo, de acordo com o autor, serão sempre registradas vazões maiores que
2.060 m3/s, pois este é o mínimo garantido.
7 A se realizarem
em Salvador (BA), Belo Horizonte (MG), Juazeiro (BA), Penedo (AL), Aracaju
(SE), Fortaleza (CE), Natal (RN), Sousa (PB) e Salgueiro (PE).
8 As audiências
públicas deveriam ocorrer em: Fortaleza (CE), Natal (RN), Sousa (PB) e
Salgueiro (PE), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Aracaju (SE) e Maceió (AL).
Apenas as audiências de Fortaleza (CE), Natal (RN), Sousa (PB) e Salgueiro (PE)
foram realizadas; as de Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Aracaju (SE),
Maceió (AL) e Montes Claros (MG) iniciaram e posteriormente se encerraram por
conta dos protestos populares contra a transposição (BONI, 2005).
9 O território
mineiro corresponde a 38% da área total da Bacia; 70% dos rios perenes; 48% dos
municípios; 59% da população e 70% do PIB, mas, segundo o Relator, Sepúlveda
Pertence, este não tem ligação direta com o Projeto (ACO 876).
10 a) OAB,
seccional Sergipe e a OAB, seccional da Bahia; b) Associação dos Catadores de
Caranguejo do Povoado de Samarém (SE); c) Associação de Advogados de
Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia; d) Grupo Ambientalista da Bahia; e)
Instituto de Ação Ambiental da Bahia; f) Associação Movimento Paulo Jackson; g)
Centro de Estudos Ambientais; h) Associação dos Engenheiros Agrônomos da Bahia;
i) Central Única dos Trabalhadores; j) Sindicato dos Trabalhadores na Indústria
da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de
Sergipe; k) Associação de Desenvolvimento Sustentável dos Pescadores e
Moradores da Ilha do Cabeço; l) Colônia de Pescadores da Z8. A OAB/SE e OAB/BA
são partes ilegítimas, segundo o Ministro, pois, no caso, seria parte legítima
o Conselho Federal da OAB, conforme prescreve o art. 57, da Lei n. 8.906/94.
Todas as demais entidades referidas foram consideradas partes ilegítimas por
não constarem em suas finalidades estatutárias a defesa do meio ambiente,
requisito formal previsto no art. 5°, da Lei n. 7.347/85. Este requisito formal
não é considerado imprescindível em inúmeros casos.
11 Foram realizados
o Fórum de Avaliação do Plano, em Brasília (15-16/04/2004), além das reuniões
sistemáticas em Brasília e nas cidades: Maceió (AL), Belo Horizonte (MG),
Pirapora (MG), Ibotirama (BA), Juazeiro (BA), Santa Maria da Vitória (BA) e
Salgueiro (PE), compreendendo as quatro regiões fisiográficas da Bacia (COMITÊ
DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO, 2004-2013). Também foram feitas
duas rodadas de discussões sobre o plano. A primeira de 11 a 22/03/2004, em
Belo Horizonte (MG), Pirapora (MG), Ibotirama (BA), Juazeiro (BA) e Maceió (AL)
e a segunda no período de 17 a 27/05/2004, em: Belo Horizonte (MG), Pirapora
(MG), Santa Maria da Vitória (BA), Salgueiro (PE) e Aracaju (SE).
12 Segundo Bahia (2006) não houve qualquer recurso ao Conselho
Nacional de Recursos Hídricos desta decisão.
13 A outorga
preventiva foi concedida pela ANA, em 18/01/2005, por meio da Resolução ANA n.
29, nos mesmos termos da definitiva. E quando da aprovação do “aproveitamento
hídrico” para o Projeto de Transposição, por meio da Resolução CNRH 47, de
17/01/2005 tendo como base a Nota Técnica 492/2004, da ANA, de 23/09/2004, as
ilegalidades já despontavam. Neste sentido, Bahia (2006) destaca que os considerandos da
resolução do CNRH nem sequer citam o Plano da Bacia do rio São Francisco. De
acordo com a autora, a Nota Técnica nega as decisões contidas no Plano de
Recursos da Bacia, no que se refere ao limite para alocação para usos
consuntivos (decisão da III Plenária CBHSF, de junho 2004) e foi elaborada em
data anterior à aprovação das prioridades, limites e critérios para usos
externos (IV Plenária CBHSF, de outubro 2004).
14 A Resolução
Conama n. 237/97, em seu art. 19, arrola os casos de suspensão ou cancelamento
das outorgas.
15 “O Vale do São
Francisco possui aproximadamente 30 milhões de hectares de terras aptas para a
agricultura irrigada. Adotando-se como fatores limitantes uma distância máxima
de 60 km da fonte de água e uma elevação máxima de até 120m, o potencial
irrigável no vale resulta em aproximadamente 8,1 milhões de hectares. A
irrigação deste montante de terras já seria suficiente para consumir uma vez e
meia toda a água produzida na bacia. Atualmente, estão implantados na bacia do
rio São Francisco aproximadamente 340.000 hectares de agricultura irrigada” (SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, 2004,
p. 7).
16 Na versão
preliminar do Plano, foi apresentada uma proposta de alocação espacial por
Unidade da Federação, resultante do estudo elaborado pela equipe técnica da ANA
e consultores do Projeto GEF São Francisco com a participação de representantes
dos órgãos gestores dos Estados, da CODEVASF e da CHESF. Esta proposta e os
valores que a embasaram foram objetos de contestação nas reuniões da Diretoria
Colegiada, da Câmara Técnica de Planos, Câmara Técnica de Outorga e,
principalmente, das Câmaras Consultivas Regionais do Médio (baixo), Submédio e
do Baixo, por ocasião da 2ª Rodada de Discussão do Plano. A principal
contestação diz respeito à não concordância com o conceito de
partilha/delegação da gestão das águas do rio São Francisco que, a depender do
trecho considerado, seria gerenciado por um único Estado ou por dois Estados,
sendo que, neste último caso, cada metade do rio estaria submetida à gestão de
um deles. Esta concepção conflita com o esforço desenvolvido pelo CBHSF em
promover o conceito de gestão e planejamento integrados da bacia e
comprometeria a própria razão de ser da sua futura Agência de Bacia (COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO,
2004).
17 Pinheiro e
Rotzsch (2005a) mencionam que os (então) governadores de Estados beneficiados
defendem a Transposição: Lúcio Alcântara (PSDB), do CE; Cássio Cunha Lima
(PSDB), da PB; Jarbas Vasconcelos (PMDB), de PE e, Wilma de Faria (PSB), do RN.
Os (então) governadores dos Estados onde o rio passa naturalmente condenam a
obra: João Alves Filho (PFL), do SE; Paulo Souto (PFL) e Ronaldo Lessa (PDT),
de AL.
18 Em suma,
impactos ambientais são as alterações toleráveis, sejam positivas, sejam
negativas; elas ocorrem a todo o momento. Danos são os eventos que extrapolam
os limites da tolerabilidade. Entre riscos, danos e impactos há uma relação de
causa e efeito, mas eles não se confundem, pois riscos não são danos, tampouco
impactos e vice-versa. Os riscos ambientais podem acontecer ou não, estão
fundados na potencialidade.
Recebido: 20 de
Julho de 2012; Aceito: 25 de Novembro de 2014
NOTA DO EDITOR do Blog
Ronald.Arquiteto e do Facebook Ronald Almeida Silva:
As palavras e números entre
[colchetes] e os destaques sublinhados, em negrito e amarelo bem como nomes próprios em CAIXA ALTA e a numeração de parágrafos
que foram introduzidas na presente versão NÃO constam da edição original deste artigo / reportagem.
Esses adendos ortográficos
foram acrescidos meramente com intuito pedagógico de
facilitar a leitura, a compreensão e a captação mnemônica dos fatos mais
relevantes do artigo por um espectro mais amplo de leitores de diferentes
formações, sem prejuízo do conteúdo cujo texto está transcrito na íntegra e na
forma da versão original.
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