segunda-feira, 30 de novembro de 2015

[156] POESIA: NAURO POESIA MACHADO - HOMENAGEM DO POETA CELSO BORGES



NAURO POESIA MACHADO

HOMENAGEM DO POETA CELSO BORGES

Cadê a barba de Nauro?

28 de novembro de 2015. Nauro Machado está morto. Vou ao velório na Academia Maranhense de Letras. Nauro não faz parte da academia. Mais por questões pessoais do que porque tenha renegado conceitualmente a instituição. 
Não gosto de velórios, de ver os corpos mortos esticados num caixão de madeira e mais um tanto de flores e pessoas tristes chorando a perda de alguém que há um dia atrás estava vivo, sorrindo ou chorando, semimorto ou vivo vivo de acordo com as funções biológicas de quem permanece com o coração batendo, mas tem os minutos contados.
Entro na AML. Dezenas de coroas de flores horríveis expostas em cadeiras atrás do caixão. Não me sinto um peixe fora d’água. 
Sou um peixe fisgado se debatendo silenciosamente. Abraço Fred, filho, e procuro Arlete, viúva do poeta. Está lá na frente cercada de amigos e convenientes. Não é difícil saber quem é um e outro. Pelo sorriso ou inclinação do corpo. Pelos olhos falsos ou abraços de braceletes, sabe-se quem é quem. 
Procuro Josoaldo, Riba, Geraldo, Paulão, Claudio. Ninguém está. Não estou ali por acaso. A poesia me levou. O símbolo me levou. A barba do poeta me levou. Sempre fui fascinado pela barba de Nauro Machado. Havia algo de ancestral vê-lo vivo matracando poemas na cabeça andando pelas ruas da cidade. A barba. A barba. A barba. 
Poesia viva, cabeça, tronco e membros. Com a ajuda de Andréa, conseguimos falar com Arlete. Está sentada na primeira fila do auditório principal da AML. Chora. Há gente demais. Conversamos rapidamente. Arlete se levanta pra falar com a ex-governadora e seu marido.

À minha frente o poeta morto, num caixão igual a tantos outros que vi em outros velórios. Por detrás, a imagem de um Cristo e peças de prata assustadoramente de mau gosto. 
Não, não é Nauro que está ali de paletó, pálido como um boneco de cera e sem barba. Depois de mais de 40 anos, vejo pela primeira vez o poeta sem barba. Está de cheio de hematomas no rosto. Fizeram a sua barba depois de morto? Traição. Ou antes, para alguma intervenção dos médicos? Talvez só pudesse estar ali porque tiraram sua barba. 
Ouço sua voz na Praia Grande: São Luís instala-se em mim como o poema lacrando o cadáver do poeta. Minha ofensa tomba aos teus pés, cidade. Escrever poesia é ofício de mortos. Não morras, meu poema, não me morras. 
Como eu morrerei um dia e para sempre.

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