NAURO POESIA MACHADO
HOMENAGEM DO POETA CELSO BORGES
Cadê
a barba de Nauro?
28 de novembro de 2015. Nauro Machado está morto.
Vou ao velório na Academia Maranhense de Letras. Nauro não faz parte da
academia. Mais por questões pessoais do que porque tenha renegado
conceitualmente a instituição.
Não gosto de velórios, de ver os corpos mortos
esticados num caixão de madeira e mais um tanto de flores e pessoas tristes
chorando a perda de alguém que há um dia atrás estava vivo, sorrindo ou
chorando, semimorto ou vivo vivo de acordo com as funções biológicas de quem
permanece com o coração batendo, mas tem os minutos contados.
Entro na AML.
Dezenas de coroas de flores horríveis expostas em cadeiras atrás do caixão. Não
me sinto um peixe fora d’água.
Sou um peixe fisgado se debatendo
silenciosamente. Abraço Fred, filho, e procuro Arlete, viúva do poeta. Está lá
na frente cercada de amigos e convenientes. Não é difícil saber quem é um e
outro. Pelo sorriso ou inclinação do corpo. Pelos olhos falsos ou abraços de
braceletes, sabe-se quem é quem.
Procuro Josoaldo, Riba, Geraldo, Paulão,
Claudio. Ninguém está. Não estou ali por acaso. A poesia me levou. O símbolo me
levou. A barba do poeta me levou. Sempre fui fascinado pela barba de Nauro
Machado. Havia algo de ancestral vê-lo vivo matracando poemas na cabeça andando
pelas ruas da cidade. A barba. A barba. A barba.
Poesia viva, cabeça, tronco e
membros. Com a ajuda de Andréa, conseguimos falar com Arlete. Está sentada na
primeira fila do auditório principal da AML. Chora. Há gente demais.
Conversamos rapidamente. Arlete se levanta pra falar com a ex-governadora e seu
marido.
À minha frente o
poeta morto, num caixão igual a tantos outros que vi em outros velórios. Por
detrás, a imagem de um Cristo e peças de prata assustadoramente de mau gosto.
Não, não é Nauro que está ali de paletó, pálido como um boneco de cera e sem
barba. Depois de mais de 40 anos, vejo pela primeira vez o poeta sem barba.
Está de cheio de hematomas no rosto. Fizeram a sua barba depois de morto?
Traição. Ou antes, para alguma intervenção dos médicos? Talvez só pudesse estar
ali porque tiraram sua barba.
Ouço sua voz na Praia Grande: São Luís instala-se
em mim como o poema lacrando o cadáver do poeta. Minha ofensa tomba aos teus
pés, cidade. Escrever poesia é ofício de mortos. Não morras, meu poema, não me
morras.
Como eu morrerei um dia e para sempre.
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