CARTA AO JOÃO CARIOCA NO FIM DO SÉCULO XX.
Ronald de Almeida Silva (e-mail: ronald.arquiteto@gmail.com)
Teatro Municipal do Rio de janeiro [ago2015]
São Luís Patrimônio Cultural
da Humanidade, Maranhão, 31 dezembro 2000.
Esta
é uma carta aberta que dirijo aos meus amigos e amigas, sejam eles do Rio ou da
minha querida São Luís Patrimônio da Humanidade ou de qualquer outra cidade. A
essa gente que é gente, sejam elas mulheres ou homens, sejam Joãos, Marias, Josés, Antonios, Chicos, Elias,
Nelsons, Cordeiros, Virgílios, Raimundos ou Raimundas. São pessoas a quem devo agradecer por terem me
ajudado muito a melhorar a minha visão de mundo e que me propiciaram alegrias
sinceras e generosas doses de bom humor e até de bom whisky. João Carioca é um nome fictício, baseado num amigo real e genial, que simboliza a
alma dos que nasceram ou viveram na Cidade Maravilhosa do Rio de outrora e os
de qualquer outra cidade em que a alegria de viver e confraternizar ainda
sobreviva, como em São Luís.
Caro amigo João Carioca,
Gostaria de lhe dizer algo
original neste final de década, final de século, final de milênio e inicio
de uma nova era. Não tenho esse dom, mas sei distinguir, vez por outra,
algo que me faz bem, mesmo escrito por outras pessoas, e que acredito tenha
algum significado para os poucos amigos que embora não
participem do meu cotidiano, merecem a minha admiração.
Eric Nepomuceno fala de um Chico
Buarque como eu gostaria de poder falar de algumas poucas mas ternas pessoas
que passam por nossa vida e deixam
lições de vida. Nepomuceno fala sobre Chico como eu gostaria de falar de João
Carioca e diz:
"Pela vida afora
fui acumulando uma dívida com a vida: a serena certeza de ter tido a sorte de
conviver, compartilhar a existência, sob um mesmo céu e um mesmo tempo, com
certas pessoas que não fizeram outra coisa além de abrir meus olhos e
engrandecer meus dias. Certas pessoas são uma espécie de dádiva, de cerimônias
tão minhas, de encontro e reencontro comigo mesmo. Certas pessoas que, mesmo
à distância, diminuíram meu silêncio e iluminaram minha solidão. Poucas,
valiosas, ternas pessoas. Francisco [Buarque de Holanda], por exemplo."
[Eric Nepomuceno,
1989]
Embora Chico Buarque seja
nosso ídolo comum, houve alguém que ultrapassou todas as barreiras universais
do talento e da arte e marcou o século como um dos maiores gênios da humanidade.
Gostaria de lhe ter
presenteado o livro "PELÉ", da Editora Abril, mas eles são tão
"espertos" que recolheram a obra antes do Natal, impedindo-me de lhe
ofertar essa máquina do tempo do futebol e do Rio do Maracanã dos anos 50, 60,
70 e 80. Pelé foi o símbolo de uma era
em que a ingenuidade não era considerada um mal em si mesmo e que o futebol era
uma arte pura e simples, quase infantil, como um drible de Garrincha.
O Rio de Janeiro e o
Maracanã que nós freqüentamos à vontade e prazerosamente eram a alma da Cidade
Maravilhosa que jamais existirá outra vez e que quem conheceu não vai mais
esquecer e nem viver, pois nada do que foi será de novo do jeito que tudo
sempre foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará, pois a vida vem ondas, como
o mar, num indo e vindo infinito.
A célebre e belíssima
canção "Rio
Antigo", de Nonato
Buzar e Chico Anísio, também simboliza essa era em que Garrincha, Nilton
Santos, Quarentinha, Dida, Zizinho, Vavá, Leônidas, Pepe, Coutinho e,
sobretudo, Pelé e o seu futebol metafísico, mágico e divino,
deslumbravam multidões no Maracanã e em outros templos do futebol do povo, das
multidões delirantes, por todo o país e mundo afora.
Tempos de um Brasil sem
essa violência sufocante, sem esse excesso de arrogância, de prepotência, sem
essa mesquinhez desvairada que hoje assola a cabeça de muitos governantes. Tempos de um Rio em que era possível aos
pobres e anônimos mortais, ainda adolescentes, como eu, passear sem medo e sem
timidez na antiga e singela calçadinha de Copacabana à espreita da Teresa da
Praia de Tom, Dick Farney e Lúcio Alves.
Tempos em que um rapaz
latino-americano-suburbano, sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes,
portanto, liso, leso e solto, podia ficar até altas madrugadas nas calçadas
praianas da Zona Sul e espiar, babando, a passagem dos Cadillacs conversíveis,
tipo rabo-de-peixe com gigantescos pára-choques cromados, com seus os
milionários e suas divas maravilhosas em direção ao Copacabana Palace ou ao
Cassino da Urca ou ao Joá. Nada disso vai voltar, mas somos parte das gerações
que viram tudo isso acontecer.
Caro João Carioca, já que a
vida é tão efêmera e tudo é tão transitório, que estas horas de Natal e Ano
Novo lhe façam mais cordial, mordaz e fraterno do que você sempre foi, pois o
importante é que a emoção, a dignidade, a amizade e, sobretudo, o bom humor
sobrevivam.
Não há dúvida de que tudo isto é absolutamente ingênuo e
até certo ponto piegas, mas, ainda me parece muito mais forte do que a força do
poder e da grana que ergue e destrói coisas belas, pois nem mesmo a coisa mais
certa de todas as coisas vale um caminho sob o sol, como diria Caetano.
Do seu amigo que lhe é gratíssimo por
me ter suportado e alegrado nossas vidas neste século que passa e que os bons
deuses nos livrem dos chatos, dos empréstimos, das multas de trânsito, das
mulheres ciumentas e feias, das brochadas recorrentes, dos políticos
incompetentes, da cerveja quente e do whisky baleado e, se possível, ainda nos
alentem nestas difíceis horas que virão quando avançarmos o umbral do novo
milênio.
Um abraço e longa
vida, e um bom início de século XXI.
A vida é bela.
Ronald Almeida.
Ronald de Almeida
Silva, 53 anos [em 2000], é arquiteto planejador urbano e regional. Nasceu no
Rio de Janeiro enquanto ainda era a Cidade Maravilhosa e reside em São Luís
desde Nov. 1976. É Cidadão Ludovicense Honorário desde 1987. Escreve, vez por
outra, quando recebe mensagens do além e psicografa alguns espíritos de porco
ou quando tem notícia da ação deles pela imprensa.
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