SÃO LUÍS DO
MARANHÃO E O MITO DA FALTA DE PLANEJAMENTO URBANO!
[24mar2018]
Fonte: Por PAULO SA VALE; 24 de Março de 2018
Acesso RAS 2018-05-21
FACEBOOK RAS nº 3.347 (21mai2018): PAULO SÁ VALE ANALISA UM
DOS GRANDES MITOS QUE DIFICULTAM O ENTENDIMENTO E A BUSCA DE SOLUÇÕES PARA O
DESENVOLVIMENTO E ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO DE SÃO LUÍS E SUA ILHA.
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MENSAGEM
PARA O AUTOR:
São
Luís, Patrimônio Mundial Unesco (desde 06dez1997), MA; 2018-05-21
CARO
PAULO SÁ VALE; Boa noite.
A
sua análise é tão boa quanto oportuna. O mito da falta de planejamento em São
Luís é uma grave praga mental só superada pelo mito do "maranhense
preguiçoso". Ambos os mitos são
frutos de ignorância intelectual e científica e falta de cultura geral e de
leitura.
Vou republicá-lo no meu blog RONALD.ARQUITETO e Facebook, pois
precisamos disseminar esse artigo que está sendo veiculado na base do CAOS
PLANEJADO.
Parabéns pela pesquisa e síntese de assunto da mais alta relevância,
tão comum quanto dramático em quase todas as 5.570 cidades/municípios do
Brasil.
Só precisamos avançar mais rápido no entendimento de que a questão
URBANA, em especial no Maranhão, não pode prescindir e nem se dissociar dos estudos da questão
RURAL.
O Plano Diretor deve ser pensado para todo o território municipal, incluindo suas áreas "molhadas", as águas inseridas na divisão geopolítica com municípios lindeiros através do Golfão Maranhense e suas 3 baías e na sua plataforma continental que lhe cabe no mar territorial brasileiro.
Nessas áreas, em caso de eventual exploração econômica - ex: petróleo e gás - há geração de royalties e impostos para o município. Nesses espaços geralmente esquecidos pelo gestor municipal, há diversos Direitos e Obrigações legais e tributárias do Município, inclusive a de fiscalizar potenciais danos ambientais, dentre estes as chamadas "águas de lastro", trazidas pelos cerca de 1.000 navios de grande porte que operam todos os anos no COMPORT - Complexo Portuário de São Luís.
O Plano Diretor deve ser pensado para todo o território municipal, incluindo suas áreas "molhadas", as águas inseridas na divisão geopolítica com municípios lindeiros através do Golfão Maranhense e suas 3 baías e na sua plataforma continental que lhe cabe no mar territorial brasileiro.
Nessas áreas, em caso de eventual exploração econômica - ex: petróleo e gás - há geração de royalties e impostos para o município. Nesses espaços geralmente esquecidos pelo gestor municipal, há diversos Direitos e Obrigações legais e tributárias do Município, inclusive a de fiscalizar potenciais danos ambientais, dentre estes as chamadas "águas de lastro", trazidas pelos cerca de 1.000 navios de grande porte que operam todos os anos no COMPORT - Complexo Portuário de São Luís.
Abraços,
RONALD
DE ALMEIDA SILVA.
Rio
de Janeiro, RJ, 02jun1947; reside em São Luís, MA, Brasil desde 1976.
Arquiteto
Urbanista FAU-UFRJ 1972 / Registro profissional CAU-BR A.107.150-5
e-mail:
ronald.arquiteto@gmail.com
Blog
Ronald.Arquiteto (ronalddealmeidasilva.blogspot.com)
Facebook
ronaldealmeida.silva.1
1.
É muito comum ouvirmos que os
problemas de São Luís vêm da falta de um bom planejamento urbano.
2.
No entanto,
passeando pela história da cidade, podemos notar que ela não apenas teve
planejamento, como acompanhou os ideais e instrumentos de políticas urbanas dos
grandes centros do país, como São Paulo e Rio de Janeiro.
3.
São Luís
teve, desde o princípio, um ordenamento da malha urbana guiada pelas resoluções
das Ordenações Filipinas,espécie de
código de lei que ditava, entre outras coisas, proposições para os
assentamentos urbanos.
4.
Segundo o Professor JOSÉ ANTÔNIO VIANA LOPES, São Luís seguiu o modelo marcante do urbanismo português de Cidade Alta, onde
eram locados os prédios públicos, militares e religiosos, e a Cidade Baixa,
onde era localizado o comércio.
5.
As
proposições deste traçado inicial se mantiveram inalteradas por praticamente
300 anos, até as primeiras intervenções sanitaristas no início do Século XX.
6.
Durante o
período colonial, a cidade de São Luís não possuía códigos urbanos ou de obras
que regulassem aspectos como usos, afastamentos e gabaritos. Os códigos de
postura tinham caráter estético, legislando apenas sobre as fachadas das
construções.
7.
Dessa forma as construções desenvolvidas pelo Brasil,
no período colonial, não eram norteados por um código de obras, mas por uma
espécie de acordo tácito, limitadas em pavimentos apenas pelas
tecnologias construtivas.
8.
A mudança
neste panorama em São Luís iniciou no Século XX. A cidade acompanhou o aparecimento
de diversas epidemias, decorrentes da má qualidade da infraestrutura sanitária.
9.
Decorrente
disso, São Luís recebeu de São Paulo, em 1904, a visita da Comissão Godinho, cujos trabalhos deram origens aos primeiros
códigos sanitários da cidade e do Estado.
10.
Os códigos,
que tinham como objetivo mudar a dinâmica das edificações coloniais, foram os
primeiros a interferir de forma objetiva no uso do solo privado da cidade, mas
suas proposições ainda estavam longe de configurar um zoneamento moderno.
11.
Na década de 1930, na Era Vargas, São Luís recebeu um interventor para administrar
e atualizar a política urbana municipal. OTACYLLO SABOYA RIBEIRO, engenheiro
cearense escolhido para a missão, sugeriu uma remodelação do espaço urbano,
colocando em prática ideias do urbanismo higienista, como abertura de vias e
avenidas bulevares, criação de parques, conectividade entre espaços públicos e
promoção da arquitetura moderna por meio da construção de Prédios Públicos.
12.
Além do Plano de
Remodelamento e das ações do executivo, a administração se preocupou em
renovar os instrumentos de política urbana da cidade e, no ano de 1936, surge o primeiro zoneamento de São Luís, de
caráter territorial.
13.
Dois anos
depois, em 1938, na administração de PEDRO
NEIVA DE SANTANA, surgiu o segundo Zoneamento da Cidade, com caráter
funcionalista, que criou os primeiros afastamentos e recuos obrigatórios, além
de separar a cidade por funções e determinar número de pavimentos para cada
zona. A medida, no entanto, não foi capaz de alterar significativamente a
dinâmica central da cidade, que já se encontrava consolidada e ocupada.
14.
Todavia, a
cidade foi crescendo, e planejadores, jornalistas e intelectuais começaram a
questionar qual seria a solução para a saturação da infraestrutura na região
central da cidade. O Centro já era visto como um lugar a ser protegido, devido,
principalmente, ao trabalho de intelectuais como RAIMUNDO
LOPES.
15.
Por outro
lado, o adensamento urbano era mal visto, tanto por intelectuais quanto por
planejadores. Desse dilema veio a resposta que orientou o crescimento de São
Luís a partir da década de 1960: O
Plano de Expansão da Cidade de São Luís.
16.
Este plano
urbano, de influência modernista, previa a separação da cidade por funções e a
criação de uma cidade de baixo adensamento, com expansão horizontal.
Espelhava-se nas recomendações de Le Corbusier e nas recomendações do IV CIAM, que enxergam a
cidade como uma máquina e o urbanismo como um instrumento puramente técnico.
Era um plano utópico, tal como o de Brasília. Entretanto, ele não foi colocado em prática de forma integral.
17.
A proposta influenciou e continua influenciando a ocupação e
expansão urbana de São Luís. O crescimento Luís em três eixos — praia ao norte,
Zona Industrial ao Sul e Conjuntos Habitacionais no sentido do Bairro do Anil —
é produto dessa proposta, assim como a manutenção de grandes áreas verdes — o
que auxiliou na conservação, mas gerou crescimento urbano disperso e
fragmentado.
18.
Para orientar a ocupação da cidade moderna no então quase
inocupado eixo de expansão, o Estado se fez atuante, tanto na cessão de terras
públicas quanto na elaboração de leis, como o Plano Diretor de
1975 e Zoneamento de 1975.
19.
Ao final da
década de 1970, importantes nomes do urbanismo nacional participaram
ativamente do planejamento urbano municipal. JAIME LERNER,
importante urbanista, natural de Curitiba, no Paraná, onde foi prefeito e
governador durante várias ocasiões, e JORGE WILHEIM,
urbanista responsável pela elaboração do planejamento urbano em diversidades cidades brasileiras.
20.
Ambos
prestaram diversas consultorias aos órgãos de planejamento urbano do município
de São Luís. LÚCIO COSTA,
outro nome importante do urbanismo nacional, que ganhou notoriedade pelo Plano
Piloto da cidade de Brasília, desenvolveu um projeto de um bairro* inteiramente
planejado sob seu conceito de “superquadras”, localizado nas terras ao norte da
cidade, ainda pouco ocupadas.
(*) Nota RAS: Trata-se do projeto do NPU - NOVO
POLO URBANO, contratado em 1979 pelo então Prefeito MAURO FECURY, que deveria ser
implantado nas terras do Sítio
Rangedor, onde hoje se situam a Assembleia Legislativa, o Multicenter
Sebrae, o Centro de Convenções Pedro Neiva de Santada, uma substação da CEMAR e
uma estação elevatória (caixa d’água da CAEMA). O Secretário de Urbanismo era o arquiteto RICARDO
LAENDER PEREZ, que supervisionou o projeto do NPU. O arquiteto RONALD ALMEIDA participou
como Consultor da Prefeitura e na condição de Chefe do escritório da firma
SEEBLA em São Luís efetivou o apoio logístico e técnico à equipe do notável
arquiteto urbanista LÚCIO COSTA.
21.
Em 1981, as
contribuições de JAIME LERNER e JORGE WILHEIN levaram à atualização da lei de Zoneamento de 1981, feita para
adequar a cidade ao grande crescimento populacional motivado pelos grandes
investimentos industriais no Maranhão, e para atualizar a lei de Zoneamento de
1975, já considerada defasada apenas meia década após ter sido homologada.
22.
No fim da
década de 1980 o país assistia ao fim do regime militar e ao início da sua
redemocratização. Um marco desse processo foi a elaboração da nova constituição,
em 1988, com uma novidade: artigos que tratam a questão urbana de forma
exclusiva.
23.
A influência
da Constituição é visível nos Planos Diretores e de Zoneamentos de 1992, onde
podemos perceber, que, apesar da influência do urbanismo moderno, o norteador
agora era a CF 1988 e instrumentos como as ZIS (Zonas de Interesse Social).
24.
Segundo CELENE
TONELLA, houve uma mudança de perspectiva, onde a ideia de
gestão urbana passou a ganhar força em detrimento do ‘planejamento urbano.’ “Concretamente,
a nova orientação constitucional aponta para o abandono da ideia de
planejamento urbano e substitui-a pela concepção de gestão, mostrando quais os
elementos que as prefeituras dispõem para gerir recursos, no sentido de uma
maior equidade.”
25.
Já no Século
XXI, tivemos como principais marcos no planejamento da grande São Luís o Plano
Diretor de 2006, que foi feito seguindo as premissas do Estatuto das Cidades, e a criação da nova
Região Metropolitana da Grande São Luís, em 2015, englobando outros municípios
vizinhos e seguindo diretrizes do Estatuto das Metrópoles.
26.
O número de
zonas, o tamanho dos códigos urbanos e o nível de interferência do Estado no
uso do solo privado aumentaram gradativamente ao longo do século XX.
27.
Além disso,
outras leis e instrumentos que regulam a ocupação do solo (tanto privado quanto
público) apenas cresceram. A cidade é mais planejada hoje do que jamais foi,
mas os problemas se mantêm — e se expandem. Congestionamentos, déficit
habitacional e infraestrutura precária são problemas recorrentes em nossa cidade.
28.
Em boa
parte, o próprio planejamento urbano criou ou potencializou esses efeitos. Ao
criar uma cidade dispersa, ele favoreceu o uso do carro, criando
congestionamentos. Ao restringir índices construtivos, impediu o mercado de
criar habitação a preço mais acessível. E, novamente, a cidade dispersa
aumentou os custos com infraestrutura e a distância entre periferia e centro.
29.
As
regulações e restrições do uso do solo e exigências construtivas elevaram o
valor da terra, fazendo com que as pessoas, em busca de terra barata, se
mudassem para regiões cada vez mais distantes. A alternativa para morar em
áreas centrais foi a ocupação de terras (em sua maioria públicas e de proteção
ambiental), como é é o caso do bairro do Coroadinho, maior favela do Norte e Nordeste do Brasil.
[7] Fonte: Jornal o Imparcial, 08 de março de 1979.
|
Mesmo quando
a verticalização é permitida por lei, ela não é feita com qualidade, por conta
das próprias exigências legais, não sendo suficiente para adensar a região o
bastante para absorver os pontos positivos do adensamento, como a diversidade
urbana.
30.
O centro,
hoje em decadência, já foi um local de grande vitalidade urbana. Construído de
forma tácita, possuía recomendações que Jane Jacobs indicava como medidores de
boa cidade: uso misto, olhos das edificações voltadas para as ruas, alta
densidade.
31.
JANE JACOBS observou, ainda na década de
1960, que as cidades devem ser vistas como elementos complexos: “Sob
a aparente desordem da cidade tradicional, existe, nos lugares em que ela
funciona a contento, uma ordem surpreendente que garante a manutenção da
segurança e a liberdade. é uma ordem complexa. sua essência é a complexidade de
usos das calçadas, que traz consigo uma sucessão permanente de olhos.”
32.
Talvez a
resposta não seja aumentar o planejamento, mas reconhecer a importância do feedback
do mercado como agente do desenvolvimento das nossas cidades.
33.
É preciso
entender a cidade como organismo complexo, e não como uma máquina. Como um
processo, não como um fim. E o URBANISMO
como uma ferramenta, e não como a solução.
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RONALD DE ALMEIDA SILVA
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