terça-feira, 24 de outubro de 2017

[503] MPB MAIOR DO MARANHÃO: APRESENTAÇÃO DO SHOW ANTONIOLOGIA e a trajetória musical do compositor maranhense ANTONIO VIEIRA 12.outubro.2001



APRESENTAÇÃO DO SHOW ANTONIOLOGIA
e a trajetória musical do compositor maranhense ANTONIO VIEIRA
12.outubro.2001



Ronald Almeida*

·         OS PRIMEIROS PASSOS DE ANTONIO VIEIRA

Antonio Vieira nasceu em São Luís do Maranhão em 09 maio 1920 na Rua de São João, mas foi criado pelo padrinho João Batista Alves Lomba na Rua do Passeio. Apesar dos mimos da família adotante de posses, Vieira sempre andou pelas ruas da sua infância brincando com a molecada e diz: “Eu era menino pobre criado por família rica”. Esses mimos e confortos em nada o afetaram, pois a simplicidade de Vieira é congênita.
Começou a se interessar por música e a compor muito jovem. Ainda menino, prometeu à sua segunda mãe: “Minha madrinha, quando eu souber escrever, eu vou fazer o poema para o azul, a cor que eu mais gosto”. Aos 16 anos fez sua primeira música, com o entusiástico título de “Mulata Bonita” (coisa linda que em São Luís tem de bom!), um samba bem moderno para sua época.
É de espantar sua premonição musical: antes de João Gilberto engatinhar, Vieira já compunha o que décadas depois se conheceria como bossa nova, fazendo “Patinho Feio”, música que pode fazer dobradinha com “O Pato”, sem ficar nada a dever.
Mais tarde compôs o “Poema para o Azul”, cumprindo a promessa de menino. Embora seja moderno e sem fronteiras no seu modo de fazer samba, o maranhense Vieira compõe em todos os ritmos, de tambor a bumba-meu-boi, de baralho a bolero, de samba canção a bossa nova.
Sua carreira tem sido tão singela quanto sua personalidade. Vieira aprendeu a tocar violão quase aos 60 anos!!! Ousou cantar em público pela 1ª vez, nos idos de 1942, no quinteto “Anjos do Samba”, da Camboa do Mato, participação que durou só até 1945, quando o conjunto se dissolveu e virou “Boêmios da Lua”.
Como não era lunático, Vieira se mandou e ficou só compondo e ouvindo seus grandes ídolos na Rádio Timbira e na Rádio Nacional. Em 1975, conheceu a famosa dupla “Ponto e Vírgula”, sendo “Ponto” o mais franzino, Jorge Barros, e “Vírgula” [o negrão grosso, forte] Othon Santos, que insistiram muito para ele entrar como novo acento musical.
O P&V já se apresentava há mais de 18 anos e com a entrada de Vieira, a dupla virou o “JB Trio” (iniciais de Jorge Barros). Outro grupo de grande influência na história musical de Antonio Vieira foi o Tira-Teima, que alegrou São Luís por mais de dez anos, entre 1977 e 86.
Dele participavam, além de Vieira, os músicos e compositores Ubiratan Sousa, Chico Saldanha, Hamilton Rayol, Paulo Trabulsi e Adelino Valente, todos precursores na arte de admirar Vieira bem antes do sucesso de público.
Para compor, Vieira usa sua marca registrada, a simplicidade. Ao longo de sua extensa carreira a sua principal fonte de inspiração tem sido a vida do homem comum, da gente das ruas, seus sofrimentos e o amor das crianças e das pessoas simples.
“Então, como eu sou filho do povo, de origem negra, sabe como é! Tudo do que eu ouço, às vezes uma frase, um dito simples pela rua, é fonte inspiração e assim tenho sido feliz nas minhas composições e na minha vida...”.

Alguns de seus amigos [Velhos Moleques] e parceiros que muito admira são Pedro Giusti, Lopes Bogéa, Chaminé, Lago Burnett, Othon Santos, Nascimento de Morais, Sidney Maciel, Messias, Nhozinho Santos, Agostinho Reis. Em 1968, bons prenúncios do que viria muito depois. Vieira participa de um Festival de Música Popular em São Luís e leva os 1º e 2º lugares, com as músicas Papagaio de Papel e Menino Travesso.



·         GENTE DO POVO: OS PREGOEIROS
Fruto dessa admiração e curiosidade pelas coisas do povo e da sua cidade natal, Vieira reuniu-se com um companheiro que muito admira, o compositor Lopes Bogéa (natural de Guimarães, em 24 junho 1926), e juntos pesquisaram e escreveram o livro “Pregões de São Luís”, ilustrado pelo alopécico mestre calígrafo Elvas Parafuso Ribeiro, cuja edição fundamental (1ª ed. 1980) foi realizada sob direção da escritora Arlete Nogueira da Cruz Machado, pela primeira Fundação Cultural do Maranhão [extinta no início dos anos 90 e agora ressuscitada em 1999, no Governo Roseana Sarney].
Oito anos depois esse importante registro escrito deu um belo fruto sonoro: um LP - o velho e bom vinil “Pregões de São Luís” - produzido e gravado pelo maestro Ubiratan Sousa (em set. 1988), que assina a direção musical e os arranjos.
Esse primeiro LP foi editado pelo Governo do Maranhão sob inspiração da bela escritora e secretária de estado Laura Amélia Damous, quando dirigia a Secretaria da Cultura.
Em 1999, por determinação do poeta Luis Bulcão, presidente da atual FUNCMA, esse livro e as músicas do LP foram reeditados. Foi gravado um segundo disco - o CD “Pregoeiros”, com 33 músicas, 2º volume do selo Sabiá da FUNCMA, com direção musical de Wellington Reis.
Além da remasterização das 22 composições de Vieira e Bogéa gravadas a partir do LP original – sambas, canções, valsa - alusivas e inspiradas nos personagens e refrãos dos pregoeiros, o CD registra onze outras composições dessa dupla de velhos moleques inspiradas nas brincadeiras de crianças [algumas destas hoje quase no pleno esquecimento, em tempos de vídeo games e shoppings!]. Por meio do mesmo projeto foi lançada a 2ª edição do livro homônimo.


·                    A CARREIRA E O ACERVO MUSICAL DE VIEIRA
No seu baú musical [na verdade, algumas agendas cheias de anotações] Vieira guarda um repertório saboroso, com cerca de 300 composições, um tesouro que só começa a ser devidamente apreciado pelo grande público no final dos anos 90.
Aliás, é preciso ressaltar que o talento de Vieira – já na sua maturidade – foi primeiramente reconhecido, de forma concreta, por Ubiratan Sousa e o compositor (e advogado) Chico Saldanha – que o abrigaram e lhe apresentaram os bons recantos da Paulicéia Musical, quando de uma ida sua a São Paulo.
Esses dois jovens moleques, juntos com o compositor Giordano Mochel, foram responsáveis pela primeira gravação de Vieira, em 1986: a música “Na Cabecinha da Dora”, composta por ele e Pedro Giusti, outro grande compositor maranhense, já falecido e raramente lembrado pela crítica e pelo público.
Essa música é uma das quatro que integram o compacto duplo “Velhos Moleques – Crônicas da Vida de São Luís”, produzido pela Sotaque Produções com o selo MUS - iniciais de Mochel, Ubiratan e Saldanha - trio de músicos e grandes compositores garimpeiros e autores de muitas das maiores pedras preciosas da música maranhense e pessoas que Vieira considera como grandes amigos e incentivadores da sua carreira. Nesse compacto Vieira tem a companhia de outros três velhos moleques: Cristóvão Colombo Alô Brasil, Agostinho Reis e Lopes Bogéa.





·         VIEIRA CANTOR!
Vieira, que é admirador rasgado de Chaplin, Ari Barroso, Chico Buarque e Tom Jobim, também nunca se afobou para cantar ou fazer shows em carreira solo. Não pensava sequer em cantar, pois para ele, que viveu ouvindo Francisco Alves, Orlando Silva, Silvio Caldas, Elizeth Cardoso, Nelson Gonçalves, Dalva de Oliveira, Ângela Maria, sabia das suas limitações como cantor. Mas, diz Vieira, “agora que inventaram os “intérpretes” e até qualquer um que “canta” sacudindo a bunda na TV faz sucesso, eu achei que também podia cantar, sem desonrar meus ídolos que realmente cantavam.”
Em 1997, sob a direção musical do grande mestre do violão clássico nacional “Sinhô” João Pedro Borges e produção de Celson Mendes, Michol Carvalho e Augusto Pellegrini Fº, Vieira teve uma música gravada no pioneiro CD “Memória - Música no Maranhão”, lançado em 1998 pela FUNCMA (1º volume do selo Sabiá), que contou com a excepcional colaboração da Comissão Maranhense de Folclore.
A música “Ciúme”, feita em parceria com o falecido Chaminé (João Passos, pessoa a quem Vieira muito admirava), foi gravada por Célia Maria, nossa Ella Fitzgerald timbira. O CD Memória Vol. 1 é um marco na discografia maranhense e deveria (fica aqui a sugestão) ser não só reeditado devido a grande procura, como também sucedido por outros volumes da mesma pesquisa, pois há um enorme acervo de composições de autores maranhenses da melhor qualidade ainda desconhecido do grande público.

·   VIEIRA NOS ANOS 90!
Em 1998 Vieira começou a dar o ar da sua graça musical no cenário nacional. Outra música, a gostosa e original “Cocada” (um doce composto há cerca de 60 anos!), foi “descoberta” e gravada pela cantora maranhense Rita Ribeiro. Com esse doce de coco Rita ganhou o 2º lugar no Prêmio Sharp 98.
Aliás, aquela premiação foi a grande noite do Maranhão, pois o cantor José Ribamar Coelho Santos, i.e., Zeca Baleiro, emplacou o 1º lugar. Antes de Rita e além do próprio, somente Ary Lobo (bom cantor paraense) havia gravado uma música de Vieira (e do seu grande amigo Bogéa), “Balaio de Guarimã”, num LP dos anos 60.
Em função da música existem três razões de orgulho para Vieira: a placa afixada em sua homenagem no Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho por decisão de Da. Zelinda Lima, que acatou sugestão do pintor Roldão Lima e do pesquisador Valdelino Cécio; ter sido o autor do Hino do Ceuma, a maior universidade privada do Maranhão; e o título de Comendador da Ordem Timbira que recebeu das mãos da Governadora Roseana Sarney em 1999.
Já prestes a completar 79 anos, Vieira participou de algumas apresentações informais, como o hilário “Múmias que cantam!”, (no Laborarte, 23/04/99), em companhia de Bogéa. Seu primeiro espetáculo com produção profissional (de Ópera & Marta) foi o lírico “Papel de Seda”, onde se apresentou ao lado do consagrado compositor maranhense César Teixeira, no Circo da Cidade (17/03/2000).

·         ELZA, SIVUCA E VIEIRA!
Vieira tem entre seus admiradores outro grande cantor e compositor maranhense, Zeca Baleiro, que reconhece no velho moleque algo de especial e inédito na música popular brasileira..Com o apoio feliz de Zeca e produção de Samme Sraya, Vieira fez em 19 e 20 jan.2001 um belo espetáculo no Teatro Arthur Azevedo, o seu segundo show, “O SAMBA É BOM: ANTONIO VIEIRA”, com direção musical do exímio instrumentista e arranjador Arlindo Pipiu.
Foi um momento auspicioso no panorama musical maranhense, pois o show contou com a participação de monstros sagrados – como a magnífica Elza Soares e o incrível Sivuca – e de Rita Ribeiro (indicada para o Grammy Pop Latino 2000) e Célia Maria, acompanhados por uma banda de notáveis músicos de uma produção impecável.
Além do show, Zeca está ultimando o CD duplo gravado ao vivo com as 24 músicas do repertório do show e a conclusão de um documentário com direção dos cineastas Beto Matuck e Cláudio Farias e produção de Maristela Sena.


·      O SONHO DE ADELINO VALENTE
Há tempos que o experiente professor engenheiro e músico conceituado na praça Adelino Valente [arranjador, tecladista, violonista, bandolinista e pai de dois outros bons músicos! UFA!] sonhava em gravar um CD com músicas de Vieira, interpretadas pelos grandes nomes da cantoria maranhense.
Seria, em sua concepção, a melhor forma de homenagear o mestre e registrar para a posteridade uma parcela dessa obra tão vasta quanto desconhecida. Incansável, o Prof. Adelino moveu céus e terra e conseguiu o patrocínio do maior empreendimento industrial maranhense, o Consórcio Alumínio do Maranhão.
Para isso contou com o decisivo apoio e a grande sensibilidade de Oder Lima e Maurício Macedo, que “venderam” bem a idéia do patrocínio cultural ao Projeto Antoniologia à alta direção da Alumar.

·         O CD “ANTONIOLOGIA VIEIRA”
Além das iguarias musicais que selecionou junto com Vieira, Adelino Valente convocou a nata dos músicos e cantores maranhenses para gravar, cada um, uma música. Assim, formando um time de primeira qualidade com 16 dos melhores cantores da terra, acompanhados por uma banda de igual calibre.
Adelino gravou, dirigiu e lançou o CD “Antoniologia Vieira”, sempre acompanhado de pertinho pelo mestre compositor. Nesse CD Vieira não canta, mas encanta e enternece pela emoção de suas músicas que nos chega pela voz dos seus admiradores mais privilegiados, aqueles que além de ouvir podem cantar a criação vieirense e que são (por ordem de faixa no CD): Célia Maria, Luiz Mochel, Léo Capiba, Cláudio Lima, Anna Cláudia, Zeca do Cavaco [Buiú], Zé Carlos, Cardoso, Tutuca, Rogéryo du Maranhão, Beto Pereira, Zeca Baleiro, Lúcia Faria, Letice Valente, Josias Sobrinho e, fechando a plêiade, Chico Saldanha.

·         O SHOW ANTONIOLÓGICO
Recentemente houve concorrida noite de autógrafos de Vieira para divulgação do CD no imperdível Bar Canto do Tonico. Agora, abre-se este inédito show de comemoração do lançamento em grande estilo. A direção geral e musical e os arranjos levam a assinatura do Prof. Adelino.
A produção ficou a cargo da incansável e diligente Nazaré Jansen. A direção artística, roteiro, cenários, figurinos, muitas idéias práticas e dicas de iluminação e timing de apresentação de 16 cantores [num palco pequeno, um enorme desafio] são de Chico Coimbra, garantia de sucesso e brilho profissional.
A banda é composta pelos experientes músicos Jair Torres no violão; Neném no baixo; Rogério Leitão na bateria; Luis Cláudio na percussão; Rodrigo Valente no piano e teclados; e o versátil Adelino que também ataca no piano e bandolim. O show acontece na Boate Extravagance, a maior casa empresarial (coberta e climatizada) de espetáculos do Maranhão.
Com o CD já nas bancas e na mídia e a repercussão deste show Vieira terá novas oportunidades de mostrar mais e melhor suas jóias preciosas. Muitas das músicas do CD foram gravadas pela primeira vez e têm agora sua primeira audiência mundial!
Assim, o Brasil vai perceber que apesar das enormes distâncias que separam o Sul do Nordeste, a música faz a ponte cultural e une o país inteiro. As tradições musicais de Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, João Nogueira e Ataulfo Alves e outros monstros sagrados da MPB podem se fundir em outras maravilhosas vertentes, como é a música que Antonio Vieira e seus grandes parceiros fazem no Maranhão há mais de seis décadas.
Após tanto tempo e uma longeva carreira, não será tarde demais para que os brasileiros reconheçam que a obra de Vieira merece destaque na ala dos autênticos compositores da nossa aquarela do Brasil.  Agora todos poderão dizer o que nós já sabíamos:

O SAMBA É BOM! MELHOR É VIEIRA!

Obrigado Prof. multimídia Adelino Valente,

Obrigado menino travesso e velho moleque, obrigado Mestre Vieira.

Ronald Almeida
São Luís Patrimônio Cultural da Humanidade, Maranhão,
Outubro 2001.

*****************************************************

PS: Pode ter sido mera coincidência, mas quis o destino que este show em homenagem ao moleque  Vieira acontecesse no dia da Criança, portanto dia de aniversário de outro moleque, o irreverente e habilidoso compositor maranhense Cristóvão “Alô Brasil” Colombo da Silva, que se mudou em 1999 [sem nosso consentimento] para a Casa de Samba do Céu onde está compondo por nós. 
Tenho a certeza de que Cristóvão, ao ouvir os acordes de “Antoniologia Vieira” vai brindar com uma branquinha e soltar o seu bordão tradicional:
“EU ACHO É BOM!”

****************************************************
AVISO AOS NAVEGANTES: PEDIDO DE CLEMÊNCIA
Este texto foi escrito por um aprendiz de letrudo e é baseado em informações e citações feitas pelo Mestre Vieira, que o leu e aprovou previamente. Por mais isenção e esforço que se tenha, sempre escapa alguma coisa que deveria ser dito e não foi. Afinal isto não é um livro biográfico, e o autor é apenas um pobre amador, como diria Tom. 
Se por acaso alguma imprecisão de datas ou fatos tiver ocorrido e se alguém ou algum nome importante tiver sido omitido ou grafado indevidamente, ou se algum fato relevantíssimo não tiver sido lembrado, pedimos a bondosa compreensão dos nobres leitores e a remessa das devidas correções para o e-mail: ronald.arquiteto@gmail.com [cópias para ronald.arquiteto@hotmail.com].


******************************************************
As opiniões, adjetivos, elogios, superlativos e conceitos emitidos, bem como os inevitáveis “erros do meu português ruim”, obviamente, são de exclusiva (ir)responsabilidade do autor.

******************************************************

Ronald de Almeida Silva, 54, [out2001] é arquiteto, cidadão honorário ludovicense, sócio fundador e um dos diretores do Modebatilua - Movimento em Defesa dos Bares Tradicionais de Ilha de São Luís e Alhures e, também, do seu braço armado, as Baratonas Ludovicenses.

Nenhum comentário:

Postar um comentário