O dinheiro chinês chega ao Brasil* [12jan2016]
*Reportagem
publicada originalmente na edição 879 de CartaCapital, com o título "O
conto chinês"
Ø
Empresas
da China aumentam sua participação em projetos de infraestrutura e em
companhias brasileiras
Ø O
avanço chinês na reconfiguração econômica abre portas para investimentos
estratégicos com o Brasil.
O Brasil ficou barato, o preço de vários projetos está mais atraente e
os chineses aproveitam isso.
publicado 12/01/2016 05h33
http://www.cartacapital.com.br/revista/879/o-conto-chines-774.html
A desvalorização do real e a crise econômica
tornam mais atraentes os negócios no País (MiniMorgan)
1.
Apesar da
economia em recessão e da profunda crise política, o Brasil continua a receber
bilhões em investimentos estrangeiros, com destaque, nos últimos tempos, para o
capital chinês. Na quarta-feira 25, a China Three Gorges arrematou por 13,8
bilhões de reais as concessões das usinas hidrelétricas de Jupiá e Ilha
Solteira, em São Paulo, equivalentes a 81% dos 17 bilhões arrecadados no
leilão. Na véspera, a Azul Linhas Aéreas anunciara a venda de 23,7% das ações
preferenciais ao Grupo HNA, por 1,7
bilhão de reais. Os dois negócios são uma parte do aporte de 53 bilhões de
dólares, concentrado em infraestrutura, prometidos em maio pelo
primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, durante uma visita ao País.
2.
Os
investimentos realizados e contratados de 2005 a 2016 somam 34,3 bilhões de
dólares, segundo o China Global Investment
Tracker. Os setores de transportes, equipamentos, energia, mineração,
eletroeletrônico e de telecomunicações reúnem o maior número de projetos,
aponta o Conselho Empresarial Brasil-China.
3.
O avanço
chinês ganhou velocidade neste ano por causa da queda
dos preços dos ativos provocada pela desvalorização do real e pela recessão. A aceleração contou ainda com o efeito
da interdição das obras públicas de infraestrutura às empresas nacionais acusadas pela Operação Lava Jato.
“O
Brasil ficou barato, o preço de vários projetos está mais atraente e os
chineses aproveitam isso. Um segundo fator é que sempre quiseram participar do
setor de construção, ocupado por empresas muito importantes. Agora, abriu-se um
espaço”, diz Sérgio Amaral, presidente da SSA Consultoria Internacional
e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A ocupação do
espaço começou, mostram a encomenda, pela Petrobras, da construção das
plataformas P-75 e P-77, antes atribuída ao consórcio Queiroz Galvão, Iesa e Tecna,
ao estaleiro chinês Cosco, e a entrega da produção de navios, anteriormente nas
mãos da Iesa, ao mesmo Cosco e à tailandesa BJCHI.
4.
Oportunidades
imediatas à parte, o governo chinês comanda uma expansão externa vinculada à
reconfiguração da economia, com maior ênfase no mercado interno e ampliação da
influência política no mundo. A estratégia inclui a internacionalização de
empresas como a China Three Gorges e a HNA. A primeira, dona da usina de Três
Gargantas, no Rio Yang-tsé, a maior do mundo em energia gerada, tem 100 mil
megawatts de capacidade instalada no planeta e agora é a segunda maior geradora
elétrica privada no Brasil, com 6 mil megawatts, atrás da Tractebel e seus 7,5
mil megawatts. As últimas aquisições somam-se àquelas de duas empresas do Grupo
Triunfo, neste ano, por 1,9 bilhão de reais, e às participações de 50% nas
hidrelétricas de Jari e Cachoeira Caldeirão e 33% em São Manuel. Os
investimentos da CTG incluem também a aquisição de 11 parques eólicos em
parceria com a EDP Renováveis.
5.
O HNA é outro
exemplo da expansão das firmas chinesas. “O grupo tem participação no capital
votante de várias companhias aéreas, nacionais e estrangeiras, controla a
Swissport, líder mundial em serviços auxiliares para aviação, e a sua principal
empresa, a Hainan Airlines, é a quarta do país”, destaca Luiz Augusto de Castro
Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China e ex-embaixador.
6.
O China Global
Investment Tracker identificou 1,6 mil grandes investimentos do país asiático
no mundo desde 2005, no total de 1,1 trilhão de dólares. Grande receptora de
recursos externos, a China caminha para se tornar exportadora líquida de
capital, segundo previsões de vários economistas, com cerca de 130 bilhões de
dólares anuais de inversões em outros países, acima dos 120 bilhões externos de
ingressos estimados para este ano. Uma parte significativa segue para países
emergentes e visa completar suas próprias cadeias produtivas. “O salário médio
aumentou muito e o país adotou o sistema
China Plus One. Em um exemplo, indústrias de confecções cortam os modelos
das calças, enviam para costurar no Vietnã e as trazem de volta. Põe mais um
país no circuito para reduzir gastos com mão de obra”, explica Marcos Antonio
Macedo Cintra, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
7.
O movimento de
internacionalização das empresas articula-se ao investimento em infraestrutura,
sobretudo no entorno asiático e nos países em desenvolvimento de outras
regiões. Segundo Cintra, “é uma espécie de ‘diplomacia da infraestrutura’, que
envolve outras nações nos projetos deles e ao mesmo tempo utiliza a capacidade
ociosa interna da siderurgia e das indústrias de equipamentos e máquinas
necessários às obras no exterior”. Amaral identifica uma “geopolítica da
infraestrutura” e cita o caso do projeto do cinturão econômico da Rota da Seda,
de infraestrutura de grande escala para ligação com o restante da Ásia e da
Europa.
8.
O governo
chinês prevê investimentos externos de 1,25 trilhão de
dólares em infraestrutura nos próximos dez anos. Um só projeto, o da construção
por uma empreiteira de Hong Kong e estatais chinesas do Canal Interoceânico da
Nicarágua, maior que o Canal do Panamá,
custará 50 bilhões de dólares. No começo do ano, foi assinado com a Argentina um pacote de 18 bilhões de dólares em obras de infraestrutura e outros setores.
custará 50 bilhões de dólares. No começo do ano, foi assinado com a Argentina um pacote de 18 bilhões de dólares em obras de infraestrutura e outros setores.
9.
A onda de
investimentos encontra muitos países receptores em situação frágil e sem
tradição de exigir contrapartidas indispensáveis para evitar efeitos
predatórios. “A estratégia sempre foi atrair capital estrangeiro para investir
aqui, mas eles precisam trazer também seus fornecedores para a produção
doméstica de uma parte de suas encomendas. Se continuarmos a só importar
máquinas, equipamentos, metrôs, trens, vai dar problema no balanço de pagamentos.
Temos de internalizar uma parte da estrutura produtiva da China”, diz Cintra.
Permanecer na complementaridade comercial, com 75% a 80% das exportações para a
China compostos de commodities e 95% das importações formados por produtos industrializados, “não
ajudará o Brasil a sair do buraco”.
10.
“A parceria
com a China poderia contribuir para a participação do País nas cadeias globais
de valor sob novas bases, com crescente conteúdo tecnológico e industrial”,
propõe a economista Tatiana Rosito, ex-conselheira econômico-comercial na
embaixada do Brasil em Pequim. No livro China em Transformação: Dimensões econômicas e geopolíticas do desenvolvimento, publicado
pelo Ipea, sugere-se a
busca de um acordo bilateral de investimentos nos moldes daquele assinado pela China
com a Austrália e em estudos com os Estados Unidos.
11.
Enquanto o
Brasil não define estratégias em seu benefício, a China
aprende com a experiência e aprimora a defesa da sua economia. “O
fato de o governo chinês ter seguido o seu próprio caminho na reforma das suas
instituições financeiras mostrou-se de vital importância para a estabilização
da economia global durante a crise. O Ocidente tem motivos para ser grato ao
julgamento acertado dos formuladores de política chineses diante da intensa
pressão internacional para liberalizar e abrir o seu sistema financeiro,
incluída a privatização dos principais bancos, o que permitiria às instituições
globais reinar livremente na China, e deixar o renminbi flutuar livremente”,
avalia o economista Peter Nolan, da Universidade de Cambridge, consultor do
governo chinês.
12.
Com um sistema
financeiro fechado, a aceitação do renminbi na cesta de moedas do FMI tem
importância principalmente simbólica e comercial, mas pouco efeito para a
penetração da moeda nacional no sistema financeiro mundial, “um trabalho de
longo prazo”, avalia Cintra.
Cópia e Edição: Ronald Almeida
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