quarta-feira, 8 de junho de 2016

[269] LITERATURA: JOSUÉ MONTELLO, PLÍNIO DOYLE E SABADOYLES. publicado em 08jun2016.

Em 07jun2016, o bibliófilo PLÍNIO DOYLE completaria 110 anos de nascido. Em sua homenagem publicamos os registros e artigos seguintes.

Plínio Doyle, o prestimoso amigo de Josué Montello


Plínio Doyle (Rio de Janeiro, 7 de Junho de 1906 — Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2000)
Josué de Sousa Montello (São Luís,21ago1917 Rio de Janeiro, 15mar2006

Publicado em 07/06/2016; às 16:16; por Manoel Santos

O escritor Josué Montello escreveu durante 38 anos – de 1955 a 1993 – para o Jornal do Brasil

Em suas memórias, o escritor Josué Montello recorda Plínio Doyle (1906-2000) – seu velho e prestimoso amigo – que, aos sábados, pelo meio da tarde, recebia em seu apartamento, na Rua Barão de Jaguaribe, no Rio de Janeiro, um grupo de velhos amigos. Era o “sabadoyle”.
Leia abaixo o texto de Montello, publicado no Jornal do Brasil no dia 17 de abril de 1990:

Os papéis de Plínio Doyle

Publicado em 07/06/2016 às 16:13 por manoelsantos
Josué Montello

Mesmo desfeito o apartamento da Rua Barão de Jaguaribe, em que Plínio Doyle recebia um grupo de velhos amigos, aos sábados, pelo meio da tarde, o sabadoyle ainda perdura.
Não sei ao certo quem forjou a palavra. Drummond? Talvez, já que o poeta não se limita a criar, no plano externo do poema – sabendo criar também no instrumento do poema, que é a palavra.
Quem quer que haja criado o neologismo, ajustou-o a uma fase de nossa história literária, ao mesmo tempo em que deu ao se inspirador, o querido Plínio, o relevo merecido.
Os dicionários futuros guardarão o vocábulo, com esta significação histórica: “reuniões que, aos sábados, no Rio de Janeiro, se realizavam em casa do bibliófilo Plínio Doyle, e em que tudo se discutia, sobretudo literatura.”
Conquanto assim redigido, o verbete não diria tudo. Faltaria aludir ao ambiente convivial da reunião, à cordialidade que dá aos companheiros a categoria de confrades, e sobretudo à comunhão afetuosa que se irradiava da pessoa do anfitrião, sempre solícito em nos mostrar as suas raridades bibliográficas e em acudir, com seu saber objetivo, para dissipar nossas dúvidas literárias.
De propósito, como se vê, coloquei o verbo no passado, como se antecipasse, de fato, o que dirão os dicionários brasileiros do Século XXI. Porque, na verdade, como afirmei no início desta crônica, o sabadoyle ainda perdura, uma vez que faz parte da condição humana de seu inspirador e anfitrião.
Plínio trocou de endereço. Seu outono tranquilo estava a reclamar mudança de paisagem, e ele se passou carregado de saudades, para a Avenida Epitácio Pessoa, com direitos sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas.
E é ali, com outro panorama e outro movimento, que se reúne agora o sabodoyle. Mudou de lugar, conservando o mesmo espírito fraterno. O café e o refresco também não mudaram, como não mudaram os biscoitos e os salgadinhos que por vezes circulam, como uma cortesia a mais do dono da casa.
E os livros? Onde estão os livros raros do querido Plínio? A vasta biblioteca em que todos nós nos abastecíamos?
Já vou responder.
Antes, deixem que me justifique. Faz poucos meses que voltei da longa temporada em longes terras. De modo que não fui testemunha presencial da mudança do sabadoyle. Entretanto, mesmo longe, recebi a boa notícia de que a excelente biblioteca de literatura brasileira foi transferida para a Casa Rui Barbosa, e é o próprio Plínio que dela cuida, com o mesmo zelo, a mesma vigilância e a mesma competência.
Durante a semana, é ali, na casa do velho Conselheiro, que podemos encontrar Plínio Doyle, rodeado de livros e de papéis.
Sim, de papéis. Porque a biblioteca de Plínio tem um acervo a mais, constituído de preciosos arquivos literários. Melhor ainda: esses arquivos, devidamente classificados e catalogados, e postos à disposição dos pesquisadores, já começaram a constituir publicações especializadas, sob forma de inventários arquivológicos, para facilitar aos estudiosos a consulta respectiva.
Bem sei o significado prático dessa iniciativa benemérita de Plínio Doyle, como diretor do Centro de Literatura Brasileira da Casa de Rui Barbosa. Quando dirigi o Museu Histórico Nacional, criei ali uma Divisão de Literatura, predecessora dessa iniciativa. E iniciei-a bem, com o Arquivo de José de Alencar, que me foi então confiado pela família do grande escritor.
O professor Herculano Mathias, a quem confiei a direção do arquivo do referido Museu, ajudou-me, e muito, na formação do acervo pioneiro, que se destinava a constituir o fundo básico do Museu de Literatura Brasileira. Esse Museu permitiria uma cosmovisão de nossa evolução literária, desde a Carta de Pero Vaz Caminha, primeira imagem da terra e do homem brasileiro com feição de obra de arte, até os mestres como Drummond e Bandeira. A montagem de cada época, de cada grande obra representativa, com os recursos técnicos das apresentações modernas, permitiria a visão global de nossa evolução literária – a que seriam associados os objetos significativos, ligados a autores e períodos.
Plantei essa ideia, mas não a vi florescer. Foi pena. O Centro de Literatura Brasileira, idealizado por Plínio Doyle, com o apoio de Américo Jacobina Lacombe, inspirou-se no mesmo propósito, tomando o seu segmento arquivístico. Talvez conviesse recolher do Museu Histórico o acervo que ali deixei, e que presumo não tenha sido continuado, para compor, mais adiante, com ventos favoráveis, juntando-se os acervos arquivísticos, o grande Museu da Literatura Brasileira.
Eu tive oportunidade de lembrar, num dos estudos de “O Presidente Machado de Assis”, que o romancista de “Dom Casmurro”, na antevéspera de morrer, em declaração formulada diante de testemunhas, legou à Academia Brasileira os seus papéis e relíquias, e é graças a isso que não se perderam, com o passar do tempo, os seus originais manuscritos e as suas notas de leitura.
Plínio Doyle, não se limitando a recolher livros e periódicos de nossa literatura, dedicou-se também a recolher os papéis de outros grandes escritores, como Drummond, como Manuel Bandeira, como Augusto Mayer, como Lúcia Cardoso, como Thiers Martins Moreira, como Rodrigo Otávio, e com isto vem salvando esplendidamente boa parte de nossa frágil memória literária. Também o querido e admirado João Condé, com seus “Arquivos Implacáveis”, tão preciosos, tão bem guardados, haveria de contribuir para a obra benemérita. De acordo, Condé?
Vale recordar aqui um conterrâneo meu, M. Nogueira da Silva, a quem devemos a coleta paciente do arquivo de Gonçalves Dias, e mais a bibliografia sobre o poeta, tudo guardado e catalogado num apartamento da Rua Visconde do Rio Branco. Passou a vida juntando esses documentos, com o propósito de escrever a grande biografia do lírico de “Ainda uma vez adeus!” Um dia, Nogueira da Silva teve notícia de que Lúcia Miguel Pereira queria contar a vida do poeta. Correu ao seu encontro, e pôs ao alcance de Lúcia tudo quanto havia coletado, com este argumento:
– A senhora pode fazer a biografia melhor do que eu.
Plínio Doyle teria igual desprendimento.
Por isso, começou a publicar, no Centro de Literatura Brasileira da Casa de Rui Barbosa, o inventário de cada arquivo que recolheu. Quatro já foram publicados, em sucessivos volumes: o primeiro de Thiers Martins Moreira, o de Augusto Meyer, o de Lúcio Cardoso, o de Manuel Bandeira. Vem aí, grosso, compacto, o Inventário do Arquivo de Drummond.
Por intermédio dessa publicação exemplar sabem agora os estudiosos o que está guardado no precioso acervo. Outros virão, certamente. Plínio não descansa: onde há papéis de escritores, para recolher, para catalogar, para guardar, corre ao seu encontro. É preciso ver a luz de seu rosto quando se debruça sobre tais relíquias.

E isto sem deixar de receber, afetuosamente, acolhedoramente, nas reuniões do sabadoyle, todos aqueles que, no mesmo dia, à mesma hora, vão ao seu encontro, para conversar sobre a chuva e o bom tempo, sem esquecer a literatura.



Sabadoyle: o último salão literário

 

POR Elvia Bezerra; Prata da casa | 10.11.2014

http://www.blogdoims.com.br/ims/sabadoyle-o-ultimo-salao-literario
Acesso RAS em 07jun2016

No dia 25 de dezembro de 1964 nascia, de maneira curiosa, no Rio de Janeiro, o último salão literário do Brasil. Curiosa porque, contradizendo as vaidades que costumam alicerçar esse tipo de agremiação, o Sabadoyle surgiu de um acaso: foi quando, no dia de Natal, Carlos Drummond de Andrade telefonou ao amigo e bibliófilo Plínio Doyle, pedindo-lhe para fazer uma consulta na sua biblioteca.
Não houve rabanada que impedisse Doyle, apaixonado por doces, de receber o poeta no final da tarde daquele dia em que o mundo pensa mais em festa do que em livros. 
Verdadeiro homo cordialis, respeitado e amado por pesquisadores do Brasil e do mundo, Plínio Doyle começou sua prática de colecionador de maneira não menos casual: lendo um livro de Machado de Assis, de quem seria, por toda a vida, leitor devotado, encontrou referência elogiosa a uma peça de José de Alencar intitulada Mãe. Passou, então, a procurar a obra nos sebos do Rio de Janeiro, cidade onde nasceu e morou a vida inteira. Sem sucesso na busca para compra, acabou lendo a peça na Biblioteca Nacional, mas continuou a frequentar os sebos da cidade. Nasceu aí o bibliófilo, que vinha se somar ao advogado bem-sucedido.
A visita de Drummond no dia do Natal foi tão agradável que no sábado seguinte lá estava novamente o poeta. Aos poucos, a ele foram-se juntando outros escritores, seduzidos pelos mesmos atrativos: os livros, a boa conversa e o carisma do anfitrião. As reuniões, despretensiosas e informais, continuaram a se realizar todos os sábados. Eram apenas as “reuniões na casa do Plínio”, até que, dez anos depois, o poeta Raul Bopp, que passara a fazer parte do grupo, cunhou o neologismo Sabadoyle para designar os encontros, aos sábados, na casa de Plínio Doyle.

[1] Uma reunião do Sabadoyle. Entre os amigos, encontram-se Pedro Nava e Carlos Drummond de Andrade (respectivamente o 7º e o 8º, da esquerda para direita, de pé). Plínio Doyle é o 6º da esquerda para direita entre os que se encontram sentados.
[2] Lista completa de pessoas na foto em preto e branco; da esquerda para direita:
Em pé: (1) Péricles Madureira de Pinho, (2) Severo da Costa, (3) Maximiano de Carvalho e Silva, (4) Homero Homem, (5) Peregrino Júnior, (6) Esmeralda Doyle, (7) Pedro Nava, (8) Carlos Drummond de Andrade, (9) Joaquim Inojosa, (10) Bernardo Élis, (11) Jesus Belo Galvão, (12) Américo Jacobina Lacombe, (13) Paulo Berger, (14) Mário da Silva Brito, (15) Olímpio Monat;
Sentados: (16) Fernando Monteiro, (17) Raul Lima, (18) Álvaro Cotrim, (19) Sonia Doyle, (20) Gilberto Mendonça Telles, (21) Plínio Doyle, (22) Murilo Araújo, (23) Rita Moutinho Botelho, (24) Alphonsus de Guimarães Filho, (25) Horácio de Almeida e (26) Raul Bopp.

Grêmio literário? Academia paralela? Pasárgada literária, como quis Joaquim Inojosa? Cercle choisi, como pensou o prof. Mário Carelli?  Ninguém melhor que Drummond, o fundador involuntário, para definir as reuniões “em que se esquecem preocupações e tédios, no exercício desta coisa que se vai tornando rara ou impossível na cidade de hoje: a conversa — a pura, simples, fantasista, descompromissada conversa entre amigos e desconhecidos ou mal-conhecidos, que se tornam amigos por força das aproximações aqui estabelecidas” – escreveria o poeta.
Atraídos pela boa conversa aí foram assíduos, além de Drummond, Pedro Nava, Mário da Silva Brito, Paulo Berger, Homero Senna, Cyro dos Anjos, Homero Homem, Américo Lacombe, Alvarus, além dos bissextos, como Di Cavalcanti, Rachel de Queiroz, Mario Quintana, e dos visitantes estrangeiros.
Difícil seria imaginar que Plínio Doyle, amante do documento e dedicado colecionador de manuscritos, deixasse escapar registro do que acontecia em sua biblioteca todos os sábados. Assim, em 1972 ele instituiu a prática de se fazer uma ata em cada reunião. Escritas em livro grande, de capa branca, feito sob encomenda, as atas, redigidas antecipadamente por participantes do grupo, homenageavam um escritor, uma obra, ou tratavam de outro assunto relevante.
No Natal daquele mesmo ano de 1972, coube a Drummond fazer a ata inaugural, em que se lê:
Dezembro, 23, [1972]. Pelas estantes
Flui um rumor de vozes dialogantes.
Esta, indecisa, em tom desconfiado,
é, vê-se logo, do bruxo Machado:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?"
“Não sei, Mestre, responde-lhe Dirceu
(o de Marília). Vale perguntar
ao nosso prezadíssimo Alencar.”
“Também não sei. Vidrado em Iracema,
só penso nela, que é o maior poema.”
“Perdão, protesta Rosa, pois enfim
joia, mas joia mesmo, é Diadorim.”

Os registros seguiram implacáveis, até que, em 1983, chegou o sábado de se fazer a ata n. 500, cuja autoria foi dada ao anfitrião e a Drummond. Plínio Doyle apresentou uma bem-humorada estatística do número de biscoitos e cafezinhos consumidos durante as reuniões, e Drummond, mais uma ata-poema:

500 tardes... Plínio recebendo
com o mesmo jeitão paciente gregos e goianos:
o vasto bigodudo que vem da Bahia,
o douto sociólogo que vem de Brasília,
o vago poetinha que vem de Deus-me-Livre
e traz na algibeira um infame poema
que não ousa mostrar.

Quanto a mim, conheci Plínio Doyle em 1991, quando cheguei ao Arquivo-Museu de Literatura da Fundação Casa de Rui Barbosa para fazer pesquisa sobre Ribeiro Couto, cujo acervo havia sido coletado por Francisco de Assis Barbosa e confiado à Casa. Sem a organização adequada, os documentos ainda não se encontravam disponíveis para consulta naquela época. Mesmo assim, continuei a ir lá. Além de ter outros temas para investigar, eu queria mostrar que não desistia de Ribeiro Couto.
Uma vez ou outra, quando Dr. Plínio entrava, eu ia até sua sala, informava-lhe sobre o andamento da pesquisa geral e depois saía, triste por não ter acesso ao arquivo do autor de Cabocla. Passou-se um ano até que ele me chamasse para dizer que eu podia examinar o acervo de Ribeiro Couto. Era uma exceção. Exceção que ocultava lá seus interesses. É que em maio daquele ano de 1993 fazia trinta anos da morte do poeta-embaixador e dr. Plínio então convidava-me para redigir a ata de homenagem. Ora, eu conhecia a tradição do Sabadoyle, e fiquei intimidada com a ideia de me apresentar lá, mas eu mesma não admitia a covardia de recusar o convite.
Comecei a redigir a ata. Ao mesmo tempo, lia o livro de Homero Senna, História de uma confraria literária: o Sabadoyle, que, em 2000, seria reeditado pela Casa da Palavra com o título: O Sabadoyle: histórias de uma confraria literária.
Assim, ao chegar ao lendário salão, eu já sabia exatamente onde estava pisando.
Ali encontrei a atmosfera fraterna descrita por Homero Senna, que se tornaria meu querido amigo. Nunca mais deixei de ir ao Sabadoyle. Costumava brincar com o Dr. Plínio dizendo que ele levara um ano me assuntando, antes de me convidar para aderir ao grupo. Ele contestava, rindo, mas a verdade é que me observou longamente para só depois fazer a convocação.

Em pé: Maximiliano de Carvalho e Silva, Olimpio José Garcia Matos, Silvio Meira, Elvia Bezerra, Gilberto Mendonça Telles. Sentados: Silvia Jacintho, Donato Melo Junior. Foto de 1993.

Estava certo Vinicius quando disse que “a vida é a arte do encontro”. Meu encontro com Plínio Doyle foi muito feliz. Se, num sábado, por alguma razão, eu telefonasse de manhã avisando que teria um almoço mais longo naquele dia, e por esse motivo não iria à reunião, ele insistia para que eu desse um jeito de chegar, ainda que fosse no final da tarde. E eu dava o jeito mesmo.
As reuniões eram marcadas pelo respeito, mas um respeito alegre, destemido. Quantas vezes detive-me a observar aquele homem de noventa anos, admirando-lhe a autoridade fraterna. Como era forte a sua presença! Em nada a limitação física – usava bengala – lhe diminuía a força. Pelo contrário, compunha-lhe a figura de patriarca, de "Patriarca em Flor", na expressão feliz e, para mim, definitiva, de Antônio Carlos Villaça.
Muitos tentaram defini-lo: Plínio o Jovem, disse um; Plínio o Bom, chamou outro; Abade da confraria, ensaiou alguém; Pedro Nava nomeou-o Bâtonnier; e houve até mesmo quem o chamasse de Babalorixá.
Independentemente do título, o anfitrião mantinha um olhar zeloso durante as reuniões. Atentíssimo, ele ouvia as leituras das atas, feitas habitualmente às cinco horas, precedidas de cafezinho e biscoitos, já cantados em prosa e verso. A troca que se fazia entre os sabadoylianos era divertida e rica, e o despojamento, uma marca vigorosa do salão. As vaidades individuais encolhiam-se por falta de plateia. Reinava um espírito muito singular. Conversava-se sobre qualquer assunto, em grupos de três, quatro pessoas que se aproximavam pelas afinidades naturais.
Assídua, como já declarei, pude presenciar situações curiosas. Uma delas foi na reunião em que se homenagearia San Tiago Dantas. Nessa tarde, contou-se com a presença de Edméa de San Tiago Dantas, viúva do professor e político. Sentada perto de mim, ela aguardava, solene, o início da programação. Certamente esperava um discurso ou outro tipo de pompa, e como as pessoas chegassem descontraídas e começassem a conversar dentro da mais absoluta espontaneidade, a senhora inclinou-se para o meu lado e sussurrou: “Que horas começa esse negócio aqui?.” Voltando-me para ela, respondi, no mesmo tom de voz: “Esse negócio aqui já está começado”. Ela riu, entendendo de imediato que a simplicidade só permitia a leitura da ata, os biscoitos e o cafezinho.
Situação atípica aconteceu de uma outra vez, com a visita do editor Massao Ohno, que, chegando de São Paulo, seguiu direto para a casa de Plínio Doyle. Ao entrar, e depois de cumprimentar o anfitrião, dirigiu-se ao escritório, sala menor e mais íntima da casa. Sentou-se à escrivaninha do amigo, abriu a bolsa de viagem, tirou uma garrafinha de uísque e convidou mais uns três amigos que estavam na mesma sala para acompanhá-lo.
Como perfeito anfitrião que era, Plínio Doyle deixou que os visitantes permanecessem em seu escritório, ainda que não escondesse um certo desapontamento: gostava de ver todos no salão onde costumava receber os que o visitavam. Mas o amigo tinha decidido permanecer na outra sala... Paciência!
Por volta das 19h30, quando a maioria dos presentes já tinha ido embora, Massao voltou à sala de visitas, sentou-se na cadeira ao lado do anfitrião e deu-lhe um afetuoso e estalado beijo na face. Plínio Doyle, sem jeito, circunspecto, inclinou a cabeça para a frente, reverenciou o visitante e pronunciou um educadíssimo “muito obrigado”.
Por mais que a demonstração afetiva de Massao lhe fosse incomum, recebeu-a com a sua insuperável capacidade de entender os amigos. Compreendeu a espontaneidade do gesto amoroso. Olhou Massao com doçura. Sua fisionomia era toda compreensão, amizade. Havia uma ternura imensa no olhar de Plínio Doyle. Reconhecia a amizade e entendia — é preciso que se diga — o efeito do uísque.
Massao, então, levantou-se e permaneceu alguns minutos de pé, em frente ao amigo. Enquadrou-lhe o rosto com as mãos, como se o estivesse dispondo no visor de uma câmara fotográfica. Observava a beleza de sua ternura, aos 91 anos de idade: – "Eu amo esse homem" —, disse Massao Ohno, segurando a cabeça de Plínio Doyle. Mais um beijo, despediu-se, e saiu.
“Tal amor, tal vida” é o que eu diria, citando Murilo Mendes, como síntese da pessoa de Plínio Doyle. É assim que eu definiria esse homem cuja vida foi extensão do seu amor ao livro.




Plínio Doyle: O maior colecionador da literatura brasileira morre aos 94 anos no Rio

Tasso Marcelo/AE
Doyle costumava reunir intelectuais em sua casa
Fonte: Isto É; por Luciana Franca
http://www.terra.com.br/istoegente/70/tributo/

O advogado e bibliófilo Plinio Doyle morreu no domingo 26nov2000, aos 94 anos, de insuficiência respiratória decorrente de uma pneumonia, no Hospital Pro-Cardíaco, no Rio de Janeiro.
Doyle montou uma biblioteca com mais de 25 mil livros, a maior coleção do mundo dedicada à literatura brasileira. Ele teve de comprar um apartamento no prédio vizinho para guardar seu acervo.
Durante 34 anos, foi o anfitrião de encontros semanais de escritores e intelectuais, os “sabadoyles”, como foi batizado pelo poeta Raul Bopp.
De 1964 a 1993, o bibliófilo recebia aos sábados, em sua casa em Ipanema, Pedro Nava, Carlos Drummond de Andrade e Rachel de Queiroz, entre outros poetas e escritores do País, para um bate-papo sobre literatura, cinema e música. Em 1975, até o ex-presidente Juscelino Kubitschek marcou presença. Nas reuniões, só não se falava de política nem de religião.
Em 1993, Doyle mudou-se para o bairro da Lagoa e os encontros só deixaram de acontecer em 1998, pois se sentia cansado demais para receber os convidados. Em apenas duas ocasiões não houve esses encontros em mais de três décadas.
A primeira vez foi em 1981, porque Doyle prometeu visitar sua única filha, Sofia, em Brasília, logo depois de ficar viúvo de Esmeralda. A outra foi em 1985, porque estava no hospital. Em 1999, comemorou 93 anos lançando o primeiro livro, a autobiografia Uma Vida. O corpo de Doyle foi enterrado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, em frente à rua onde morou na infância


Plínio Doyle

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Plinio_Doyle

Plínio Doyle (Rio de Janeiro, 7 de Junho de 1906 — Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2000) foi advogado e bibliófilo brasileiro.
Graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Participou do Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos e Sociais (Caju), seleto grupo dos estudantes da Faculdade Nacional de Direito, no qual somente se ingressava mediante a defesa de uma tese, e em cujos trabalhos culturais e jurídicos tomou parte, ao lado deSan Tiago Dantas, Antonio Galloti, Gilson Amado, Vicente Constantino Chermont de Miranda, Américo Jacobina Lacombe, Hélio Vianna, Thiers Martins Moreira, Otávio de Farias, Antonio Balbino, Vinícius de Morais entre outros.
Foi advogado da editora José Olympio, de 1935 e 1960. Como bibliófilo, reuniu uma biblioteca com mais de 25 mil livros, vendida em 1989 para a Fundação Casa de Rui Barbosa. Fundou o Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, com Homero Homem e Adonias Filho. Concebeu, ainda, o Arquivo-Museu da Literatura Brasileira.
Doyle era o anfitrião dos sabadoyles, reuniões em que se encontravam escritores e intelectuais, como Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Murillo Araujo e Pedro Nava. Fundou o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira (AMLB), um instituto que guarda documentos de grandes autores. Lançou a autobiografia Uma Vida, em 1999.
Uma de suas proezas foi identificar, na edição comemorativa dos cem anos do romance Iracema, de José de Alencar, as 106 edições nacionais e estrangeiras da obra em 1965. Doyle tinha outro prazer de pesquisador: Buscar nos arquivos da Justiça autos de processos que tivessem ligação com a literatura. Foi assim que encontrou no Forum do Rio de Janeiro o testamento do Senador José Martiniano de Alencar, pai do romancista José de Alencar e os autos do processo criminal sobre a morte de Euclides da Cunha.


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