POLÍTICA E FORÇAS
ARMADAS
NO BRASIL DE
2018.
REVISÃO_01; RAS 2018-04-04
A
VOZ DA FARDA: O QUE DIZEM OS GENERAIS DO EXÉRCITO
O JULGAMENTO DE LULA NO STF [El País; 04abr2018]
Ø
Do
general Villas Bôas à reserva, a ofensiva dos militares que querem voz na
política.
Ø
Em
meio ao furacão vivido no país desde 2013, eles vêm conquistando espaço no
debate.
Ø
Muitos
são ativos nas redes sociais e querem se candidatar nas próximas eleições.
Fonte: Grupo EL PAÍS; FELIPE BETIM; Jornalista |
Periodista - El País; São Paulo; 4 ABR 2018 - 15:22 CEST
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/02/politica/1522697550_276313.html
Acesso RAS
2018-04-04
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Villas
Boas, em comissão na Câmara em julho de 2017.Foto: Marcelo Camargo; EBC.
|
Os
militares brasileiros definitivamente estão de volta à arena política. Um
movimento se iniciou entre aqueles que estão na reserva, os quais vêm ganhando
voz junto a grupos de direita e lançando candidaturas para as eleições de
outubro deste ano, e teve o auge nesta terça-feira com dois tuítes do
general EDUARDO VILLAS BOAS,
comandante-geral do Exército.
Na véspera
do julgamento do habeas corpus do ex-presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (PT), VILLAS BOAS redobrou a pressão sobre o Supremo
Tribunal Federal (STF) ao afirmar em seu Twitter que o Exército
brasileiro "compartilha o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à
impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como
se mantém atento às suas missões institucionais".
Ele não
citou o caso Lula textualmente nem detalhou que missões são essas. Seja como
for, a manifestação do comandante-geral da ativa sobre um assunto que diz
respeito à Justiça, algo incomum em democracias, acrescenta um novo e
inédito — ao menos nos últimos 30 anos pós-redemocratização —
ingrediente ao furacão político vivido pelo país desde 2013.
Segundos
antes, em um primeiro tuíte, VILLAS BOAS
também questionou: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às
instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das
gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?"
As mensagens do general, que possui 130.000 seguidores e é considerado um
grande comunicador, foram curtidas e compartilhadas por milhares de pessoas ao
longo da noite desta terça. E geraram principalmente uma reação em cadeia de
outros de militares de alta patente.
Como a
do general FREITAS, comandante militar do oeste: "Mais uma vez o
Comandante do Exército expressa as preocupações e anseios dos cidadãos
brasileiros que vestem fardas. Estamos juntos,
Comandante @Gen_VillasBoas!", escreveu em seu Twitter, que possui
quase 5.000 seguidores.
Já o general PINTO SAMPAIO, também com quase
5.000 seguidores, disse: "Como disse o consagrado historiador GUSTAVO
BARROSO: 'Todos nós passamos. O Brasil fica. Todos nós desaparecemos. O Brasil
fica. O Brasil é eterno. E o Exército deve ser o guardião vigilante da
eternidade do Brasil'. *Sempre prontos Cmt!!*".
Por sua
vez, o general MIOTTO respondeu
a VILLAS BÔAS: "Estamos juntos meu
COMANDANTE!!! na mesma trincheira firmes e fortes!!!! Brasil acima de tudo !!!
Aço !!!".
Nessa
situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem
realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está
preocupado apenas com interesses pessoais?
Twitter; General Villas Boas; @Gen_VillasBoas; 14h
Asseguro
à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os
cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz
social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões
institucionais.
Twitter; General Villas Boas; @Gen_VillasBoas; 20:39 - 3
de abr de 2018
A
INFLUÊNCIA DOS MILITARES NA RESERVA
As redes
sociais abriram um canal direto entre a população e os militares, que vêm
utilizando cada vez mais de plataformas como o Twitter para se comunicar e,
muitas vezes, expressar suas opiniões políticas.
A busca por
uma voz na política não é nova, mas até o momento se restringia aos que estavam
aposentados. Em meio à crise política, eles vêm ganhando voz, buscando
influência no quadro político. Além de ativos nas redes, promovem palestras e
debates — e não apenas nos restritos clubes militares — , flertam com
movimentos sociais de direita como o NAS
RUAS e o VEM PRA RUA, e
muitos até já lançam suas pré-candidaturas nas eleições de
outubro deste ano.
Sem as
amarras impostas pelo Exército brasileiro,
mas ainda gozando da patente e do prestígio por terem feito parte da
instituição nas quais os brasileiros depositam mais confiança — segundo várias
pesquisas de opinião —, se uniram às fileiras do anti-petismo e
anti-esquerdismo, participaram das manifestações pelo impeachment da
ex-presidenta DILMA ROUSSEFF e,
agora, contra o [HC] Habeas Corpus do
ex-presidente LULA, que será julgado
nesta quarta-feira [04abr2018] pelo Supremo.
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Almoço
de generais da reserva com movimentos sociais, na semana passada.
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Na
segunda-feira da semana passada, movimentos sociais que organizam os protestos
contra o ex-presidente LULA chamaram
um grupo de militares da reserva para um almoço com o objetivo de "ter uma
orientação sobre a situação em que estamos vivendo", explica por telefone
o general PAULO CHAGAS. "Eles
ficaram preocupados, achando que havia um golpe em curso do STF para salvar o
ex-presidente. Pelo fato de nós sermos aposentados, podemos, na visão deles,
constituir em um grupo de sábios anciãos. É assim que interpreto a atitude dos
movimentos ao nos chamar", explica o militar, de 68 anos e na
reserva desde 2006.
No grupo
estava, por exemplo, o general AUGUSTO
HELENO RIBEIRO PEREIRA, que foi chefe da missão brasileira no Haiti e comandante militar na Amazônia. "Falamos
que temos de esperar, não podemos nos desesperar e achar que as coisas vão
degringolar, que vamos nos transformar numa ditadura do Judiciário. As coisas
estão caminhando dentro da normalidade", argumenta. E acrescenta:
"É lógico que a sociedade deve ser manifestar, mas sempre com
tranquilidade, sem vandalismo, de uma forma veemente mas ordeira. Eles
representam, na nossa opinião, a vontade da maioria do povo brasileiro".
Bastante
ativo nas redes sociais, com mais de 26.000 seguidores no Facebook e quase
4.000 no Twitter, o general CHAGAS gravou um vídeo no último domingo clamando todos a
irem para as ruas para mostrar "que todo o poder emana do
povo". Em texto publicado no seu blog, chegou inclusive a
questionar a existência do atentado a tiros contra a caravana de Lula pelo sul
do país.
Já o
general da reserva LUIZ GONZAGA SCHROEDER
LESSA apimentou a discussão ao propor, em entrevista ao jornal Estado
de S. Paulo nesta terça, uma intervenção militar caso Lula possa se
candidatar e, finalmente, se eleja presidente da República. "Se
acontecer tanta rasteira e mudança da lei, aí eu não tenho dúvida de que só
resta o recurso à reação armada. Aí é dever da Força Armada restaurar a ordem.
Mas não creio que chegaremos lá", disse.
Também
afirmou: "Vejo o general Villas Bôas [comandante do Exército] preocupado com o
estado atual e defendendo solução pela via democrática, constitucional, pois a
interferência das Forças Armadas, sem dúvida, vai causar derramamento de sangue".
O Exército afirmou ao jornal que as declarações de LESSA são uma "opinião pessoal", segundo o Estadão.
Em
entrevista ao EL PAÍS, o general ANTONIO
HAMILTON MARTINS MOURÃO, na reserva desde fevereiro deste ano, não fugiu da
polêmica. Conhecido por suas declarações pró-intervenção militar, mesmo quando
ainda estava na ativa, MOURÃO afirma
que sua opinião pessoal tem sido muito clara: "A bola da vez está com o
Judiciário, que tem que assumir a sua responsabilidade e tirar da vida pública
aqueles que desviaram recursos. (...) O supremo tem que ter sua consciência
independente da pessoa que estiver julgando", argumenta ele.
E se o
Judiciário não corresponder a essas expectativas? "Minha opinião sobre isso também
não mudou. A partir do momento que o Judiciário não exerce seu poder, ele deixa
de agir em nome da ordem e da lei. Nós vamos caminhar para o caos. E só tem uma
instituição capaz de impedir o caos, que são as Forças Armadas",
opina.
E como
seria essa hipotética intervenção? "Hoje a situação é diferente, já não vivemos
em Guerra Fria.
Defendo um freio de arrumação, com a constituição de um grupo de notáveis para
reformar nossa legislação. Mas não defendo a permanência do poder",
explica.
MOURÃO pondera e diz que a concessão do
habeas corpus a LULA não significa
que ele possa ser candidato. Para que isso aconteça, diz ele, "terão
que distorcer também a lei da da Ficha Limpa".
Mas caso
isso também aconteça e LULA se
eleja, ele vislumbra a seguinte situação: "Qual é a moral que alguém que
desviou recursos públicos teria diante das Forças Armadas? Ao serem comandadas
por um elemento que é ladrão, é possível que ocorra sérios casos indisciplina
que poderiam levar ao caos".
Algumas
atitudes recentes de MOURÃO quando
estava na ativa foram interpretados como atos de indisciplina. Em 2015,
defendeu em uma palestra a oficiais da reserva "o despertar de uma luta
patriótica", após tecer duras críticas à classe política e ao Governo
Dilma Rousseff.
MOURÃO foi então afastado da chefia do
Comando Militar do Sul e transferido para a burocrática Secretaria de Economia
e Finanças do Exército, em Brasília. Em setembro de 2017, sob MICHEL TEMER, defendeu em evento da
maçonaria uma intervenção militar. Mas dessa vez nem o Governo nem o Exército
tomaram atitudes, temendo
transformar o general em um mártir. Ele se aposentou em cerimônia de gala e
recebeu elogios públicos do comandante VILLAS
BÔAS. Hoje, uma página no Facebook em defesa do general conta com mais de
180.000 seguidores.
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General
Mourão, na época em que era comandante militar do sul. REPRODUÇÃO
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CANDIDATURAS
DE MILITARES
Ao
entrar para a reserva, Mourão, que tem 64 anos, prestou uma homenagem ao coronel BRILHANTE USTRA (1932-2015), reconhecido como torturador pela
Justiça Brasileira. Também prometeu, em entrevista à revista Piauí, se
dedicar a eleger colegas nas eleições deste ano.
Ao EL PAÍS,
reafirmou sua disposição e apontou para o fato de que "grandes
generais" foram congressistas tanto no Império como na República, alguns
chegando inclusive a se candidatar para cargos executivos em tempos
democráticos e se elegendo — é o caso do presidente EURICO GASPAR DUTRA, por exemplo.
Nos últimos
30 anos, ele explica, a presença de candidatos militares não se fez mais
necessária. "Agora extrapolamos os limites do nossos grupos porque a sociedade está
clamando por isso. Vários companheiros entenderam que tinham esse espaço e
estão buscando se posicionar. Já fui sondado varias vezes, mas não é minha
ideia participar do jogo político partidário. A fragmentação é muito complicada
e temos que dar uma organizada nisso aí", aponta.
Nem MOURÃO nem os generais consultados pelo
EL PAÍS escondem a intenção de alçar ao poder Executivo e comandante supremo do
Exército aquele que, nas últimas décadas, foi o único militar da reserva eleito
pelo voto popular: o capitão da reserva, deputado federal e presidenciável JAIR BOLSONARO (PSL).
"Ele foi capitão há quase 30 anos. Ele já é um político escolado, o que
lhe confere experiência como político. Ele vem se cercando de gente inteligente
e capaz para buscar soluções, mas também mostrar que não há soluções
mágicas", diz MOURÃO.
PAULO CHAGAS, presidente do grupo Terrorismo Nunca Mais (TERNUMA) até domingo passado, que
negam as violações de direitos humanos cometidas pela ditadura, é também um dos
militares da reserva que pretendem se candidatar nas próximas eleições. Apesar
de ser um defensor da ditadura militar instaurada em 1964, defende a
subordinação das Forças Armadas ao poder civil e diz que "qualquer
iniciativa fora da Constituição é golpe".
Filiado ao Partido Republicado Progressista (PRP)
desde o ano passado, o general CHAGAS
se mostra disposto a concorrer ao cargo de governador do Distrito Federal, mas
aguarda a decisão de seu partido. "Quando passei a dar minha opinião sobre o
que estava acontecendo, tive o privilégio de ser lido e escutado por um bom número
de pessoas. Passei a dizer que podemos modificar o país a partir do momento em
que modificamos a nós mesmos. Então fui instado a ser coerente. Passaram a
dizer: 'Se nós temos que mudar nossas preferências, por que o senhor não se
oferece?'. Resolvi encarar o desafio", justifica ele.
"A
situação do país é muito delicada, muito crítica", opina o general
LUIZ EDUARDO ROCHA PAIVA, outro que
esteve presente no almoço com os movimentos sociais na semana passada. "Ficamos
muito tempo só ouvindo, mas agora estamos falando também. Não estamos
pleiteando nenhum papel específico, mas existe hoje uma iniciativa para,
aproveitando esse momento, eleger alguns militares", explica. Ele
não pretende se candidatar e diz apartidário.
Mas, ao ir
para a reserva, em 2007, passou a escrever artigos para jornais, a conceder
entrevistas na TV e a participar de comissões na Câmara relacionadas à Comissão
Nacional da Verdade. "Não vamos ser muitos, mas se um militar como
o Bolsonaro tem a projeção que tem, então outros que forem eleitos, por
partidos diferentes, podem levar o tema da defesa para o Congresso nacional",
afirma o militar aposentado, de 66 anos.
ROCHA PAIVA se define como um liberal
conservador e acredita que temas voltados para a soberania e defesa nacional —
envolvendo, por exemplo, a Amazônia e o meio ambiente — são "o
principal motivo para o setor militar" tentar ser ouvido na "grande
política nacional".
"Com o
advento da esquerda, sobretudo a partir de FHC, os militares foram sendo
colocados fora do núcleo decisório do Estado. Nenhum país com projeção
internacional tem o setor de Defesa tão afastado. Ficamos muito tempo longe,
mas, depois que a esquerda radical saiu do poder, começamos a voltar para esse
núcleo decisório", explica ele.
Sob TEMER, os militares ocupam um lugar de
protagonismo inédito desde 1995: lideram a também inédita intervenção federal
no Rio de Janeiro e voltaram a ocupar cargos relevantes no executivo, como o
comando do Ministério da Defesa.
Há setores
que acreditam que as posições dos militares da reserva representam o pensamento
dos que seguem ativos nas Forças Armadas. CHAGAS
diz ser "natural" e que, de fato, suas opiniões não são divergentes.
"Nossas opiniões são como cidadãos. Outra coisa é a instituição militar
que deve permanecer cumprindo seu dever, sua função e, na medida do necessário,
dando sua opinião no canal de comando, que são o Ministério de Defesa e o
comandante supremo [presidente da República]", explica.
"A
diferença é que eles precisam guardar pra si suas opiniões",
explicava eles, antes, claro, dos tuítes do comandante VILLAS BÔAS com menção tácita ao julgamento de LULA.
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