O AROMA EM
TOM JOBIM
Ronald Almeida *
Fortaleza, out.1995
São Luís, abril 2015
Tom
era, primeiramente, um perfumista. Cada música que fazia era como se quisesse
descobrir um novo aroma, um novo perfume. Para compor ia até o jardim dos sons
e escolhia as melhores pétalas de Mozart, Ravel, Chopin, Bach, Beethoven e,
principalmente, Debussy. Às vezes, algo mais de Stravinsky e Bruckner. Aqui e
ali colhia umas ervas de Cole Porter e Gershwin. Cheirava tudo com um
“nariz-ouvido” de João Gilberto e guardava num cofrinho de olfatos musicais que
tinha na cabeça.
Para
compor o corpo principal de cada perfume, no entanto, Tom colhia essências
naturais na imensa floresta amazônica que é Villa-Lobos, onde juntava
raízes, cascas e folhas de grandes troncos de jequitibá, maçaranduba, ipê,
peroba do campo, o nó da madeira e pau e pedra e levava tudo no trenzinho do
caipira para casa, botava em baixo do colchão e adormecia com suas
emanações telúricas.
Juntando
as pétalas dos eruditos e as essências da floresta villa-lobos Tom adicionava
pitadas generosas de Noel Rosa, Pixinguinha, Caymmi, Radamés Gnattali, Vadico,
Newton Mendonça, Drummond, Cartola e uma dose dupla de Vinicius e Chico. Como
Noel, Tom passava o fino amálgama num místico crivo sonoro, com sal da terra
brasilis, com um pouco de suor e o sumo da alegria e do amor da gente
humana, do povo das ruas, do morro, dos botecos, da mesa de bar da esquina, do
jornaleiro, dos garçons e dos boêmios anônimos e dos loucos e vagabundos que
vagueiam e bebem na noite infinita da música.
Como
refinado perfumista, Tom macerava tudo no cadinho de sua enorme simplicidade e
genialidade, lá pras bandas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Depois
deixava maturar no cristal luminoso do seu amor pela vida, pelos filhos, pela
mata, pelos bichos e, claro e por tudo, pela mulher bonita, sempre amada em
carne e osso e verso e prosa.
O
perfume pronto exalava do piano alquimista, inundava a bela casa do
quase-arquiteto Tom e inebriava, pleno como uma sinfonia, a Mata Atlântica
inteira. Dali, todos os pássaros, agradecidos, se incumbiam de levar o aroma
musicalíssimo aos quatro cantos e chãos do mundo, onde, tal qual semente
lançada ao vento, germinava e fazia brotar um imenso tronco de pau-brasil que
se enraizava na eternidade.
Artigo redigido por Ronald de Almeida Silva, em 14
outubro 1995, em
Fortaleza. RAS é arquiteto, nasceu no Rio de Janeiro em
02/06/1947 e reside e trabalha em
São Luís desde 1976. É cidadão ludovicense honorário.
e-mail:
ronald.arquiteto@gmail.com
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