Niemeyer e JK se uniram para criar Pampulha,
agora Patrimônio Cultural da Humanidade [18jul2016]
Ø
Talento de jovem arquiteto e espírito
empreendedor de Juscelino Kubitschek construíram a obra que se tornaria semente
de Brasília. Confira entrevista com bisneto de Niemeyer
Fonte: Portal EM - Jornal O ESTADO DE MINAS; postado em 18/07/2016 11:00 / atualizado em
18/07/2016 09:19
http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/07/18/interna_gerais,784673/niemeyer-e-jk-se-uniram-para-criar-pampulha-patrimonio-da-humanidade.shtml
Acesso RAS em 25jul2016.
De Belo Horizonte para o mundo, com paradas
obrigatórias no Museu de Arte da Pampulha (MAP), antigo Cassino; na Casa do
Baile, atual Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design; no Iate
Golfe Clube, hoje Iate Tênis Clube; e na Igreja de São Francisco de Assis,
integrantes do conjunto moderno reconhecido como Patrimônio
Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O título conquistado ontem era almejado há 20 anos, mas só ganhou
impulso em 2012, na administração do prefeito Márcio Lacerda, com empenho do
presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Leônidas Oliveira, e da
ex-presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan), Jurema Machado, entre outras autoridades das áreas federal, estadual e
municipal.
Mas, para entender melhor toda essa história, que teve o auge com a
ousadia do prefeito Juscelino Kubitschek (1902-1976), mineiro de Diamantina, e
os projetos do jovem arquiteto carioca Oscar Niemeyer (1907-2012), é preciso
voltar no tempo: mais exatamente à década de 1930, quando foi construído o lago
artificial da Pampulha.
Para dar forma à empreitada, o então prefeito Otacílio Negrão de Lima (1897-1960) mandou represar o
Córrego Pampulha e pôs em prática o projeto do engenheiro Henrique de Novaes. A
obra, para abastecimento de água da capital, ficou pronta em 1938.
Ao assumir a prefeitura em abril de 1940, o prefeito JK evidenciou sua
preocupação com o controle urbano e o crescimento da cidade. Apelidado de
“prefeito furacão”, ele convidou o urbanista francês Alfred Agache, então realizando vários trabalhos no Brasil, para
estudar a potencialidade da região. O encontro de ideias não deu certo, pois
enquanto JK via na Pampulha a vocação para o turismo, lazer e bairro de elites,
Agache sugeria uma cidade-satélite,
com a missão de absorver as novas demandas de habitação e de se tornar um
cinturão de abastecimento agrícola.
No livro PORQUE CONSTRUÍ
BRASÍLIA, de 1975, Juscelino explicou sua posição: “Discordei do ilustre urbanista,
pois o que tinha em mente era capitalizar, em benefício de Belo Horizonte, a
beleza daquele recanto com a formação de um lago artificial, rodeado de
residências de luxo, com casas de diversões que se debruçassem sobre a área”.
As formas da Igrejinha da Pampulha já se destacavam no ambiente da lagoa ainda com poucos sinais de ocupação urbana em 1949 (foto: ArquivoEM)
O ENCONTRO
Ainda em 1940, JK decidiu ampliar a área da barragem e fazer um concurso
para a construção de um cassino. Porém, o vencedor não convenceu com seu
projeto, parecido com o Hotel Quitandinha, de Petrópolis (RJ). Sem perder o
foco, JK pediu opinião a Gustavo Capanema (1900-1985), ministro da Educação do
governo Getúlio Vargas. Capanema havia passou pela experiência de construir o
prédio do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, hoje Palácio
Gustavo Capanema, primeira construção moderna no país.
Para tanto, convidara o arquiteto franco-suíço Le Corbusier (1887-1965),
que revolucionou a arquitetura mundial, sendo chamado de “pai da arquitetura
moderna”. “Assim, foi Capanema que apresentou Niemeyer ao prefeito Juscelino
Kubitschek”, conta a diretora do Conjunto Moderno da Pampulha / Fundação
Municipal de Cultura (FMC), a arquitetura e urbanista Luciana Feres, que foi a Istambul representando o Executivo
municipal no encontro da Unesco.
Niemeyer trabalhava na equipe que projetara o prédio do Ministério da
Educação e, com o aval de Capanema e do arquiteto Lúcio Costa (1902-1998), JK o
convidou para trabalhar em BH.
No livro A FORMA NA ARQUITETURA,
de 1978, Niemeyer registrou: “Mas se o prédio do ministério projetado por Le
Corbusier constituiu a base do movimento moderno no Brasil, é à Pampulha –
permitam-me dizê-lo –, que devemos o início da nossa arquitetura, voltada para
a forma livre e criadora que até hoje a caracteriza”.
onvite feito, convite aceito: Niemeyer
trabalhou nove meses nos projetos das construções inauguradas em 16 de maio de 1943, com a
presença do presidente Getúlio Vargas (1882-1954), que andou de barco na lagoa,
nas imediações do Iate.
DESPERTAR
Em conversas com amigos – e nas páginas do seu livro AS CURVAS DO TEMPO: MEMÓRIAS, de 1998,
Niemeyer disse que a Pampulha significou
um despertar na sua carreira, servindo de referência até para o projeto de
Brasília, inaugurada em 1960 e fruto da sua parceria com o urbanista Lúcio
Costa (1902–1998). “A Pampulha foi o começo da minha vida de arquiteto”,
registrou o mestre.
Enquanto o mundo ainda valorizava o ângulo reto, a Pampulha explodia em
curvas. Com efeito, vai ficar na história uma das frases de Niemeyer que
resumem esse pensamento:
“Não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta,
dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual,
a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios,
nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o
universo, o universo curvo de Einstein”.
E evocou Minas, lembrando que as
curvas estavam presentes nas “velhas igrejas barrocas”.
ENTREVISTA
Carlos
Ricardo Niemeyer - bisneto do arquiteto
‘‘Niemeyer tinha um carinho especial pela
Pampulha’’
“Oscar Niemeyer tinha um carinho especial pela Pampulha e dizia que ali
foi verdadeiramente o início de sua arquitetura”, diz o superintendente da
Fundação Niemeyer, Carlos Ricardo Niemeyer, bisneto do arquiteto. Nesta
entrevista, ele fala ao Estado de Minas da satisfação pela conquista do título
para a Pampulha e ressalta a necessidade de preservação da região.
[1] Qual o sentimento dos herdeiros de Niemeyer diante da conquista,
pela Pampulha, do título de Patrimônio Cultural da Humanidade?
É uma felicidade muito grande, pois, além de mais um reconhecimento
mundial da importância da arquitetura de Niemeyer, contribui para a preservação
dessa obra. Brasília já recebeu esse título, sendo a primeira grande obra
modernista a ser reconhecida como patrimônio mundial, e sabemos o quanto isso
foi importante para que a cidade, as obras de Niemeyer e o Plano Piloto de
Lucio Costa não sofressem uma descaracterização. Esse título, acreditamos, é
fundamental para a preservação da Pampulha.
[2] Seu bisavô chegou algumas vezes a temer pelo futuro da Pampulha,
principalmente quanto à Igreja de São Francisco de Assis, que tem pilares de
madeira. Quais deverão ser os cuidados, de agora em diante, para a preservação?
Oscar Niemeyer tinha um carinho especial pela Pampulha e dizia que ali
foi verdadeiramente o início de sua arquitetura. E ele manifestava sempre seu
descontentamento com interferências no conjunto arquitetônico, em especial as
mudanças feitas no Iate Tênis Clube. A preservação de suas obras, e mesmo dos
espaços vazios em seu entorno eram motivo de preocupação constante.
[3] Um título não é garantia de conservação, tanto que Ouro Preto, no
início da década passada, esteve perto de perdê-lo. Qual o maior significado
dessa chancela da Unesco, tendo em vista que, recentemente, o painel feito por
Portinari para a Igreja de São Francisco de Assis foi pichado?
O título realmente não é uma garantia. Mas é fundamental para destacar a
importância dessa obra arquitetônica como patrimônio histórico e cultural,
ajudando na conscientização da população. São ações como essas que contribuem
para educar as pessoas e as novas gerações. Esse título, conjugado a ações de
educação patrimonial e atividades turísticas, forma uma consciência coletiva e
diminui as chances de atos de vandalismo.
[4] Os olhos do mundo estarão, a partir de agora, voltados para a
Pampulha. De que forma Oscar Niemeyer gostaria que os visitantes vissem a sua
obra?
Niemeyer, quando desenhava, buscava fazer sempre algo diferente, que
causasse surpresa. Esse era um objetivo de sua criação. Acho que é isso que ele
gostaria: que as pessoas tivessem uma grande surpresa ao ver sua obra cheia de
beleza e liberdade.
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