SUÉCIA: PAÍS
CIVILIZADO...
Ø Serviço Nacional de Auditoria da
Suécia (Riksrevisionen): a prevenção da corrupção nas empresas públicas!
Ø Vale a pena
refletir sobre a prática preventiva para controle da corrupção.
Por
Claudia
Wallin
jornalista
brasileira radicada em Estocolmo, autora do livro "[SUÉCIA]: Um país sem
excelências e mordomias"
Sede do Serviço Nacional de
Auditoria da Suécia
O auditor
sueco me ouve com aquela expressão de quem tenta medir o QI do seu
interlocutor. A pergunta é – como evitar a corrupção em empresas estatais, e
impedir sua utilização como pólos de transferência de recursos públicos para
grupos privados bem conectados com o poder político? A resposta, ele diz, é
elementar.
“É para isso
que servem auditorias independentes, regulares e transparentes sobre as
operações das estatais. E quero dizer auditorias verdadeiramente independentes,
que façam não apenas um trabalho de fiscalização, mas também de promoção da
eficiência”, observa Dimitrios Ioannidis,
um dos responsáveis pela fiscalização das estatais da Suécia.
“Se você não
faz isso, só pode ficar perplexo com os resultados. E quando descobre a
magnitude do problema, vai dizer, ‘oh, isso aconteceu? Mas como isso pôde
acontecer?'”
“Ora,
aconteceu porque fizeram aquele mau negócio, ou tomaram aquela má decisão, ou
realizaram práticas corruptas. E todas essas atividades precisam ser
fiscalizadas regularmente, na medida do possível, para tentar conter tais
práticas”, conclui o auditor, neste exótico país onde cargos nas empresas
públicas não são rifados entre partidos políticos.
Estamos na
sede do Serviço Nacional de Auditoria da
Suécia (Riksrevisionen), o órgão responsável pela fiscalização das empresas
públicas do país. Seus duzentos auditores vigiam com mil olhos um portfolio
considerável: são 49 estatais, com valor estimado em mais de 500 bilhões de
coroas suecas (cerca de 60 bilhões de dólares).
Mas no modelo
sueco de controle das estatais, a mesma mão que abre a ferida também previne e
cura: é um sistema que dá ênfase particular a políticas de boa governança, e
não apenas ao chicote.
Os auditores
do Riksrevisionen têm assim a dupla missão de produzir relatórios de
fiscalização, e também de eficiência – que apontam, com regularidade, correções
de curso e práticas de boa gestão para melhorar o desempenho das estatais,
promover seu crescimento e evitar aberrações evitáveis.
São as
chamadas auditorias de performance. Seu objetivo primeiro não é usar a lupa
para caçar deslizes – e sim colaborar para o aprimoramento da gestão das
empresas públicas.
Em outras palavras, o que se quer
é não ter que punir.
“Não somos
um tribunal”, pontua Ioannidis, assessor especial da unidade de governança de
estatais no Riksrevisionen e Ph.D no tema.
“Em
essência, o que fazemos é refletir. Uma constante reflexão crítica sobre a
forma como as empresas estatais estão sendo administradas. Nas auditorias de
performance, trabalhamos em um nível mais estratégico, por uma questão de
eficiência. De manter a casa em ordem.”
De que forma?
“Fazemos
perguntas como, ‘o governo nomeou um conselho de administração relevante, e
verdadeiramente profissional, para esta estatal? Os investimentos da estatal
das ferrovias estão sendo planejados e organizados como devem? Os riscos estão
sendo considerados com prudência?”
“Porque
quando as empresas públicas têm muito dinheiro, por exemplo, muitas vezes elas
se tornam pouco cuidadosas na tarefa de fazer análises sérias e contundentes
sobre cálculos de risco. E estamos falando de dinheiro público. Ou seja, de
dinheiro dos contribuintes, que precisam ter confiança no sistema.”
Metas definidas pelo poder
político para as estatais são acompanhadas de perto.
“Por
exemplo, o Parlamento disse que queria ver a (estatal sueca de energia)
Vattenfall se posicionar entre as empresas líderes do mercado. Mas em nossas
análises, verificamos que a Vattenfall não tinha uma estratégia satisfatória de
longo prazo a fim de poder alcançar aquele objetivo, e apontamos
recomendações”, conta Dimitrios Ioannidis.
Os
relatórios produzidos pelo Riksrevisionen são submetidos ao Parlamento, que por
sua vez envia os documentos ao governo, que tem por obrigação comentar os
resultados. Se o relatório recomendar correções de curso, as autoridades têm prazo
de quatro meses para informar que medidas já foram ou estão sendo tomadas a fim
de aumentar a eficiência de suas operações. O comitê parlamentar responsável
analisa então as medidas relatadas, e o Parlamento toma uma decisão final sobre
cada caso.
A prevenção da corrupção nas
empresas públicas também passou a ocupar um tempo generoso nas reflexões dos
auditores suecos.
“Concluímos
há alguns anos este amplo estudo sobre o risco da corrupção nas estatais”, ele
diz, batendo o indicador sobre o relatório de mais de cem páginas que me
entrega.
“Isto não é
o resultado de uma auditoria pós-fato, que acusa – “nossas estatais estão sendo
corruptas”. É um estudo feito com profundidade, e que contém recomendações
sobre como estar alerta para a possibilidade de ocorrência de práticas
corruptas. Trata-se de um trabalho preventivo, que tem a finalidade de
assegurar que nossas estatais tenham firmes regras institucionais para evitar a
corrupção”.
O relatório
advertiu que a prevenção da corrupção não estava sendo entendida como
prioridade para as autoridades e empresas públicas suecas. E demandou a criação
de diretrizes explícitas para conscientizar o comando das estatais e afiar o
controle.
“O fato de a
Suécia ser o terceiro país menos corrupto do mundo não significa que o risco da
corrupção seja zero”, pondera o auditor. “E corrupção na esfera pública é
prejudicial para a democracia e o Estado de Bem-Estar Social”.
SEM CARGOS COMISSIONADOS E SEM
INTERFERÊNCIA POLÍTICA
Não há
cargos comissionados nas estatais suecas: a direção, os conselhos de
administração e toda a cadeia executiva é formada por profissionais da
indústria, sem vinculação partidária. O que reduz o risco de ocorrência de
fraudes com a conivência de altos executivos das empresas.
“A ambição
do governo sueco é que as empresas públicas sejam geridas de forma estritamente
comercial, nos moldes de uma empresa privada. Os diretores e conselheiros das
estatais não podem ser, portanto, políticos ou amigos de políticos. São
profissionais do setor, todos eles. Têm que saber o que estão fazendo”,
ressaltaIoannidis.
Nas holdings
em que o Estado detém o controle acionário, em geral o governo nomeia um
representante para o conselho de administração.
“Mas não é o
governo que decide diretamente quem vai dirigir as estatais. A nomeação dos
executivos e dos conselhos de administração é uma das mais importantes tarefas
desempenhadas por uma unidade autônoma do poder executivo, que é responsável
pelas estatais e que sabe que suas decisões são controladas e escrutinizadas”,
acrescenta o auditor.
É
particularmente interessante, no modelo sueco, o princípio chamado de
“Ministerstyre”: trata-se de um código de conduta que proíbe os ministros,
assim como o primeiro-ministro, de interferir nas operações das empresas
estatais, assim como das agências governamentais.
Quem quebra
a regra, é diligentemente reportado ao Comitê de Constituição do Parlamento
(Konstitutionsutskotet, ou KU), para uma vergonhosa sabatina pública
transmitida pela TV sueca. Porque a lei que protege as estatais contra a
interferência política está gravada na Constituição sueca.
“A lei que
rege as estatais determina de maneira clara qual é o papel do governo e qual é
o papel do conselho de administração, e estabelece princípios muito claros que
protegem as empresas públicas de qualquer tipo de ingerência por parte do
poder”, diz o auditor.
FREIOS E CONTRAPESOS
O
Riksrevisionen é parte de um robusto sistema de “checks and balances”, os freios
e contrapesos que fazem da Suécia um dos países menos corruptos do mundo.
“Se
identificamos um mau negócio ou uma má decisão, reportamos o problema e
apontamos soluções. Se identificamos uma suspeita de crime, chamamos a polícia
e os promotores”, diz o auditor Dimitrios Ioannidis.
A partir da
suspeita de alguma prática ilegal, o caso passa a ser investigado pela Agência
Nacional Anti-Corrupção (Riksenheten mot Korruption) e pela temida
Ekobrottsmyndigheten, a Autoridade para Crimes Financeiros.
A maior
investigação em curso é o caso da Telia Sonera, a gigante sueco-finlandesa de
telecomunicações na qual o governo sueco detém participação de 37% – e que
diante da pressão pública decidiu retirar-se inteiramente dos mercados da Ásia
Central, a partir de suspeitas de que teria pago suborno a autoridades de
países reconhecidamente corruptos, como o Uzbequistão, a fim de obter licenças
de operação naqueles mercados.
Casos como o
da Telia Sonera surpreenderam um país pouco habituado a denúncias de corrupção,
e que agora aperta seus controles.
Maus
investimentos das estatais também estão na mira dos auditores: o Riksrevisionen
fez recentemente uma ampla auditoria das práticas de cálculo de risco das
estatais, diante da ocorrência de casos em que os investimentos realizados
pelas empresas públicas tiveram um impacto negativo nas finanças.
O resultado
foi um ácido relatório.
“O governo
não está tomando medidas suficientes em suas diretrizes para garantir um
eficiente cálculo de risco nas operações das empresas estatais, levando-se em
consideração a importância destas empresas para as finanças públicas”, diz o
relatório.
Na sequência,
os auditores listam uma série de recomendações a serem implementadas. Uma delas
é a introdução de critérios rigorosos para a realização das análises de risco,
a serem seguidos pelos conselhos de administração das estatais. Outra é a
exigência de que os conselhos de administração informem o Parlamento, com
regularidade, sobre os riscos envolvidos em atividades que possam afetar o
valor das empresas e futuros dividendos para o Estado.
“Fazemos
recomendações tanto às empresas como ao governo, ou ao Parlamento. Como por
exemplo, sugerindo a complementação de uma lei. Desta maneira, podemos ser
parte de um processo de aprimoramento das estatais”, diz o auditor.
Os critérios
de supervisão das estatais são os mesmos aplicados às empresas privadas. Como é
de praxe, todas passam por auditorias internas e também externas, estas
conduzidas por grandes empresas internacionais como a Price waterhouse Coopers e a Ernst & Young – que já foram alvo,
aliás, de vários processos por barbeiragens. Em 2001, o escândalo contábil da
distribuidora de energia americana Enron
chegou a levar a gigante Arthur Andersen
à falência.
Os auditores
independentes do Sistema Nacional de Auditoria da Suécia completam, assim, o
ciclo da fiscalização financeira das empresas públicas. E cobram resultados:
“Normalmente,
dois anos depois de termos auditado uma estatal e identificado problemas,
voltamos a fazer uma nova auditoria para averiguar: a empresa adotou as
correções de curso recomendadas? Melhorou suas rotinas de gestão? Em seguida,
publicamos o resultado na internet.’
INDEPENDÊNCIA E TRANSPARÊNCIA
A
independência dos auditores do Riksrevisionen é a pedra angular do sistema.
“Somos um
órgão independente, que fiscaliza não só as estatais como toda a cadeia do
poder executivo, e que responde ao Parlamento com o objetivo de fortalecer os
princípios democráticos”, diz Dimitrios Ioannidis.
Não era
assim: há pouco mais de uma década, tanto o Parlamento como o governo tinham
seus próprios órgãos de auditoria, que fiscalizavam as empresas públicas e
agências governamentais.
“Houve então
um grande debate, e concluímos que aquele não era um sistema verdadeiramente
independente de fiscalização. Porque um auditor do Parlamento, por exemplo,
tinha o poder de iniciar investigações que podiam atender apenas aos interesses
dos membros do Parlamento. Foi então que decidimos criar o Riksrevisionen, em
2003, como um órgão essencialmente independente. Porque até governos precisam ser
supervisionados, e a supervisão deve ser imparcial”, aponta Ioannidis.
A
independência do Riksrevisionen é garantida pela Constituição sueca. Os três
auditores-gerais que comandam o Serviço Nacional de Auditoria são nomeados pela
Comissão de Constituição do Parlamento, cumprem mandatos de sete anos de
duração e não podem ser re-eleitos.
“Pode-se
presumir que ter três auditores-gerais no comando, em vez de apenas um, tem o
potencial de reduzir eventuais interferências externas. E são três
auditores-gerais que não podem ser facilmente destituídos, e que têm
independência para fiscalizar”, observa o auditor.
E destaca: a
transparência é o elo fundamental que rege todo o sistema sueco.
“E quando
falo em transparência, quero dizer uma transparência ampla e funcional, que
garanta acesso irrestrito a informações e documentos. Para que tanto o
Parlamento como os cidadãos tenham informações efetivas sobre o que acontece
dentro das estatais.”
Os auditores
atuam como uma espécie de farol para os contribuintes, no revolto mar de
balanços e balancetes produzidos por cada autoridade pública. Seus veredictos
sobre a atuação de cada órgão são publicados regularmente na internet,
fortalecendo assim o controle social.
“Sem dúvida.
Os cidadãos podem acompanhar o que se passa nas estatais, a mídia pode reportar
sobre a situação das empresas com dados fundamentados. O governo também
responde aos nossos relatórios, e faz comentários. Às vezes o governo discorda
de alguma recomendação, e faz uma argumentação contrária. Dá-se então um
diálogo público, que é a forma saudável de comunicação quando se trata de
interesses públicos”, diz Ioannidis.
Os auditores
do Riksrevisionen se debruçam agora sobre um vasto projeto de análise
comparativa sobre as práticas e o desempenho de todas as 49 estatais suecas,
incluindo oito sociedades de economia mista.
“A regra
número um para fiscalizar as estatais são as regras da lei. Leis são feitas
para serem cumpridas. E em nossa Constituição, a Lei do Orçamento manda que o
patrimônio público deve ser administrado com eficiência e boa governança.
Porque trata-se do dinheiro dos contribuintes”, completa o auditor sueco.
O próprio
Riksrevisionen é, por sua vez, fiscalizado por empresas internacionais de
auditoria: a auditoria interna do órgão sueco é realizada pela Price Waterhouse
Coopers, e a auditoria financeira é feita pela BDO, uma das maiores do mundo no
setor.
”A idéia é
garantir a total confiança da sociedade nas autoridades públicas”, diz Claes
Norgren, que acaba de encerrar seu mandato de sete anos à frente do Serviço
Nacional de Auditoria sueco.
Por
Claudia Wallin
jornalista
brasileira radicada em Estocolmo, autora do livro "[SUÉCIA]: Um país sem
excelências e mordomias"
Enviado por Ricardo Kohn
Especialista
em Gestão do Ambiente / Ambientologia; Rio de
Janeiro, RJ.
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