[109] LITERATURA : REVISTA BULA - UMBERTO, UM FRACO ECO DE SI MESMO - POR ADEMIR LUIZ; EM LIVROS
1. Umberto Eco é um gênio esgotado, preguiçoso ou um fanfarrão?
Nota
do Editor:
Concordamos
inteiramente com a bem organizada crítica literária que ADEMIR LUIZ elaborou e
publicou na Revista BULA sobre o mais recente livro de Umberto Eco - UE, com
título "NÚMERO ZERO".
Esse
último livro de UE é uma trama banal, com repetições de placebos literários. Perde
assim esse respeitadíssimo intelectual a oportunidade de retomar seu brilho romanesco
inicial que bombou na década de 80 com o instigante "O Nome da Rosa".
NÚMERO ZERO - O
dia a dia de um novo jornal que jamais será lançado poderia ser o fio da meada
de um grande romance, em face à crise rampante da grande imprensa mundial e às
novas mídias e tendências do mundo da internet. Os trechos sobre os boatos dos
últimos dias de Mussolini também dariam um grande livro, mas ficou apenas como
um enxerto de plástica livresca.
Somando-se
todos os equívocos, UE dá nítida impressão de estar cansado e de estar apenas
cumprindo tabela junto à sua editora, como se diz no futebol, para lançar um
livro por ano.
Até
Chico Buarque poderia ter feito melhor, mesmo sendo um proto-escritor com apenas três
ou quatro livrinhos digestivos.
UE
poderia ter aprendido com J. D. Salinger (The
Catcher in the Rye; O Apanhador no Campo de Centeio; livro de 1951) que desde
os anos 60 ficou recluso na cidadezinha de Cornish, (New Hampshire, EUA) onde
morreu em 2010, sem escrever mais, sem dar entrevistas, sem festas, sem fazer
selfie. Tinha cumprido uma missão intelectual reconhecida em todo o mundo dos livros e se deu por satisfeito com os direitos
autorais de sua pequena, mas profícua produção.
Aprendendo
com Salinger, UE deveria ter parado de escrever romances logo após ter posto
à lume “O Nome da Rosa”. Hoje, livre de críticas ácidas, seria mais um gênio
das letras. Mas por razões ainda inexplicáveis, UE se danou a escrever outros
romances, cada vez mais próximos das qualidades intrínsecas da água pura: insípidos,
inodoros, incolores.
Ronald de Almeida Silva
e-mail: ronald.arquiteto@gmail.com
Leitor e admirador do acadêmico e
pesquisador Umberto Eco.
UMBERTO, UM FRACO ECO
DE SI MESMO
Acesso em
2015-09-04
1. Umberto Eco é um gênio esgotado, preguiçoso ou um fanfarrão?
- Ou tudo
ao mesmo tempo agora? Sim, essa é uma abertura provocativa e,
deliberadamente, bombástica, para tentar chamar sua atenção. Porém, para
além disto, mais uma vez sigo o sábio conselho com o qual o venerável
mestre Antonio Candido abriu seu “Literatura e Sociedade”:
- “Nada
mais importante para chamar atenção sobre uma verdade do que exagerá-la”.
- E a
verdade é que sempre que Umberto Eco lança um novo romance ele se torna
figura onipresente nos cadernos culturais. São entrevistas e mais
entrevistas, resenhas e mais resenhas. Normalmente, entrevistas
repetitivas e resenhas mornas, elogiando a nova obra, sem aprofundar
muito. Logo depois, salvo em trabalhos acadêmicos sobre o autor, pouco se
fala sobre o tal livro. No inconsciente coletivo da intelectualidade,
Umberto Eco ainda é o autor de “O Nome da Rosa”, que começa a ganhar
merecido status de clássico, e personagem símbolo da cultura ocidental, de
algum modo substituindo Jorge Luis Borges, não por acaso um de seus
ídolos.
- O que é
muito justo. Parece-me que, possivelmente, ele é o mais culto dos homens
vivos. Quem poderia lhe ser superior nessa inútil gincana de memória de
elefante? Habermas? Harold Bloom?
Bento XIV? Nenhum deles, uma vez que essas ilustres figuras são gente
séria, não se ocupando, pelo menos não publicamente, de assuntos que
consideram menores, tais como cultura pop e popular. Umberto Eco não
possui tais preconceitos, ou escrúpulos.
- Dá
xeque-mate em seus concorrentes no quesito versatilidade. Em inúmeras
ocasiões demonstrou seus vastos conhecimentos sobre cinema trash, desenhos
animados, literatura pulp, pornografia, fofocas sobre subcelebridades em
geral, histórias em quadrinho, a saga do Super-Homem, o urso Zé Colméia,
internet e assuntos afins.
- Tudo
convivendo lado a lado com sua sólida formação em semiótica, filosofia,
teologia, história, alta literatura, artes, mitologia, conhecimentos
consideráveis em ciências duras e, como bom italiano, música erudita. E
muito mais. Eco é uma espécie de
Google humano. Essa facilidade em unir cultura erudita e cultura de
massa, de modo bem humorado, transformou-o numa espécie de consciência
geral de nosso tempo, um tipo de Grilo Falante Pós-Moderno. O problema é
que, receio, às vezes, ele acredite mesmo nisso.
- Em termos
literários, Umberto Eco não pode ser reduzido ao papel de autor de um
livro só. Além de “O Nome da Rosa”, escreveu o ainda melhor “O Pêndulo de
Foucault”. Um romance, infelizmente, subvalorizado, mas com tema,
personagens e enredo brilhantemente desenvolvidos. Mas foi só.
- Claro que
esse “só” é maneira de “dizer”. Produzir dois romances geniais, além de
inúmeros livros teóricos fundamentais para diversas áreas das Ciências
Humanas, constituem feitos colossais. Certamente, vão lhe garantir um
lugar na História.
- Mas tenho
sérias dúvidas se é o suficiente para colocá-lo no panteão, entre os
Grandes, os realmente Imortais, como o citado Borges, Mann, Kafka e outros
VIPS. Se tivesse que apostar meu suado dinheiro, hoje, diria que não. Eco
não entra para o clube. O que também é justo, considerando que, assim como
Roberto Carlos, Eco passou os últimos 20 anos vulgarizando sua obra de
ficção. É um esforço gigantesco que resultou em milhares de páginas que
variam entre o mediano e o descartável. Li cada uma delas. Mais de uma
vez.
Humberto Eco
- Quando
lançou o “Nome da Rosa” em 1981, Eco termia ter se esgotado como
ficcionista. Mas esse foi um projeto técnico, no sentido de que o escreveu
usando seus vastos conhecimentos de crítico literário e medievalista,
gigantesca capacidade de trabalho e intuição de leitor voraz. “O Nome da
Rosa” é, acima de tudo, a montagem de um complexo mosaico literário. Eco
gastou tinta, dedos e cérebro para escrevê-lo, não sangue, suor e
lágrimas.
- Percebeu
que poderia ser mais pessoal em sua literatura e o resultado foi o
“Pêndulo de Foucault”, colocando nele tudo que lhe interessava,
emprestando aos personagens inclusive suas memórias de infância, durante a
Segunda Grande Guerra. Demorou sete anos na tarefa. Depois desse livro, o
sentimento de esgotamento retornou. Desta vez estava certo.
- Em 1994
publicou o interessante, mas levemente decepcionante, “A Ilha do Dia
Anterior”. Tudo bem, não dá para produzir obras-primas como se produz
pizzas, por mais italiano que se seja. Em 2000 veio o fraco romance
histórico “Baudolino”, um livro
que deixou a sensação de ter sido escrito às pressas, sem grandes
pretensões, feito para ser apenas uma aventura imaginativa. Interpretei-o
como o respiro do artista, a folga antes do canto do cisne. Quatro anos se
passaram e saiu o ambicioso “A
Misteriosa Chama da Rainha Loana”, obra lindamente ilustrada que tinha
tudo para ser um novo triunfo, mas que resultou em decepção: o tema, a
questão da memória individual em relação à memória coletiva, foi
desperdiçado; os personagens pouco desenvolvidos, o enredo ficou cheio de
pontas soltas e tempos mortos, apresentou um final preguiçoso ao estilo
Saramago e Italo Calvino, do tipo “cansei de escrever, vou terminar o
livro”. Comecei a ficar irritado.
- Quando,
em 2010, foi lançado “O Cemitério
de Praga” li-o cheio de desconfiança, embora, como sempre, esperançoso.
Infelizmente, mais uma pizza queimada: o enredo é inverossímil e mal
desenvolvido, os personagens antipáticos e sem carisma, a narrativa, mais
uma vez, preguiçosa e repleta de clichês. Umberto Eco tornou-se um
imitador de si mesmo. Pior, imitava Dan Brown, autor de “O Código Da
Vinci”, que por sua vez imitava e vulgarizava o Eco dos anos de ouro.
- Agora, em
2015, com o lançamento de “Número
Zero”, Umberto Eco foi mais longe, ele não apenas imita e vulgariza o
autor que um dia foi ao escrever “O Pêndulo de Foucault”, como se
autoplagia toscamente. O enredo do novo romance, como foi amplamente
divulgado nos cadernos culturais, físicos e online, se passa em 1992, ano
da Operação Mãos Limpas, que, literalmente, limpou a Itália de diversos
esquemas criminosos que assolavam o país, mas que, como efeito colateral,
gerou um vácuo de autoridade que ajudou a colocar no poder o milionário da
mídia Silvio Berlusconi, uma mistura patusca de Roberto Marinho, Assis
Châteaubriant e Silvio Santos à italiana. O mau jornalismo e suas
consequências parece ser o tema. Poderia ser a má literatura.
- Os
problemas começam na primeira página, onde é apresentado um mistério que
já não é dos mais empolgantes e que deveria iniciar o suspense da trama.
Sua resolução, sugerida quase ao final, é feita da maneira mais despojada
e desinteressante possível. Entre uma coisa e outra, o que encontramos é
uma comédia de erros. O protagonista é o cinquentão enxuto Colonna, um
perdedor excessivamente consciente (fala sobre isso o tempo todo), que trabalha
como ghost-writer (“nègre”, como era chamado da Itália, antes da era do
politicamente correto) e tradutor de alemão.
- Esse é o
tema do primeiro autoplágio que consegui identificar, presente na página
15 da edição brasileira, um parágrafo que lembra muito um trecho de “O
Pêndulo de Foucault”: “ou você traduz alemão ou se forma, as duas coisas
juntas não dá para fazer”. Na página 64 é pior, encontramos um período que
cópia quase palavra por palavra, em contexto diferente, um dos diálogos
mais famosos de “O Nome da Rosa”, sobre herborismo. Na página 92 o autor
recicla um artigo da década de 1990 sobre a então recente moda dos
telefones celulares. E a coisa vai, em detalhes menores ou maiores.
- Mas esses
autoplágios são o menor dos problemas. Com um pouco de boa fé e
complacência podemos considerá-los honestas autocitações, merecidas
auto-homenagens, inocente masturbação intelectual, “easter eggs” ou mesmo
que o idoso autor simplesmente esqueceu-se que usou tais ideias em outros
lugares. Seriam apenas ecos de Eco em Eco. Justo.
- [PROBLEMAS]
O problema está na frouxidão no desenvolvimento do tema e do enredo. O
problema está na galeria de personagens clonados, muito melhores em suas
encarnações anteriores. O problema está nos diálogos engraçadinhos,
requentados de outros livros. O problema está na abertura de assuntos, que
ameaçam ser importantes, mas que são solenemente esquecidos. O problema
está nas teorias conspiratórias sem novidades. O problema está nos coadjuvantes
sem carisma e irrelevantes. O problema está nas discussões exageradamente
didáticas, que deveriam ser elucidativas e/ou eruditas, mas que parecem
resultados de pesquisas rápidas feitas no Google. O problema está na falta
de um clímax, ou, por outra, um clímax anticlimático. O problema está no
desfecho que deveria ser cínico, mas que se revela ingênuo, contando com
um “moral da história”.
- Essas são
minhas impressões iniciais sobre “Número Zero”. Se tivesse que lhe
atribuir nota, não seria zero. Não faria isso nem para gerar um efeito
“esperto” no texto, não me permito descer tão baixo para chamar sua
atenção. Fica no máximo com cinco de dez, sendo generoso. Claro que estou
escrevendo no calor do momento. Pode ser que o livro seja reavaliado.
Sempre é possível. Mas é o que temos para hoje.
- Antes que
me esqueça, há um ponto positivo (ou não). Depois de uma sucessão de
calhamaços, sempre entre quatrocentas e seiscentas páginas, o novo livro
só tem duzentas, em letras grandes e espaçadas. Não se perde muito tempo.
Afinal, talvez a verdade seja que eu sim estou preguiçoso ou esgotado. Ou
sou um leitor fanfarrão.
- Para
fechar, não podemos descartar a possibilidade de que Eco não escreva os
romances que assina desde a década de 1990. É possível que o fato do personagem
Colonna ser um ghost-whitter seja uma pista, uma piscadela irônica para os
desocupados que ficam discutindo as causas do fim de seu talento
narrativo, ao invés de lerem literatura clássica de verdade. Talvez Eco,
humildemente, não se considere digno de entrar para o panteão e se sabote.
Talvez esteja realizando uma longa performance artística, para denunciar o
caráter superficial da indústria cultural que transformou um professor
universitário em celebridade internacional. Talvez só fiquemos sabendo
desse projeto numa carta testamento.
- Pode ser
ainda que Eco só esteja cumprindo contrato, entregando um romance de vez
em quando para editora, para garantir alguns milhões de dólares a mais nos
baús guardados nos porões do castelo medieval que comprou.
- Se
qualquer uma dessas opções for verdadeira, a resposta é que Eco é,
definitivamente, um gênio fanfarrão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário