quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

[10] FUTEBOL [01] - VIOLÊNCIA - FUTEBOL UFC e MMA - A BATALHA DE JOINVILLE-SC EM 08/12/2013 ENTRE AS TORCIDAS ORGANIZADAS DO ATLÉTICO-PR E DO VASCO DA GAMA-RJ

FUTEBOL UFC e MMA [01]
A BATALHA DE JOINVILLE-SC EM 08/12/2013

VIOLÊNCIA NO FUTEBOL UFC: AVISO AOS NAVEGANTES
Aide-Mémoire para evitar o Mito de Sísifo na gestão do combate à violência nos estádios e no futebol no Brasil.

São Luís, MA, 16.dez.2013.

AO
CNPG-MPE; Ministério da Justiça; Ministério do Esporte; CBF-CNIE; MP-MA; FMF-MA; ACLEM.
Prezados Senhores 
Caros colegas da Comissão Nacional de Inspeção de Estádios da CBF.

“É deprimente e desconcertante o fato de que o meu é o nono relatório oficial sobre segurança e controle de multidões em estádios de futebol. Após oito prévios relatórios e três edições do Green Guide [Livro Verde], é estarrecedor verificar que 95 pessoas morreram [e 766 outras ficaram feridas*] perante os olhos daqueles que deveriam controlar e administrar o evento.”
(* - Lord Taylor, sobre a tragédia no Hillsborough Stadium, em Sheffield, Inglaterra em 15.abril1989, na partida entre os clubes Liverpool e Nottingham Forest)

Esta é a transcrição da primeira frase do Capítulo 1 (parágrafo 19) do famoso, exemplar e já histórico RELATÓRIO TAYLOR (de 18.jan.1990) que sintetiza o diligente Inquérito que fez Peter Taylor, Lord Justice Taylor of Gosforth, sobre a maior tragédia de todos os tempos em um campo de futebol inglês, uma das maiores do gênero em todo o mundo. O Relatório do Inquérito conclui que "the main reason for the disaster was the failure of police control."

Também vejo como fatos estarrecedores, da maior gravidade, as recorrentes tragédias que acontecem nos estádios brasileiros perante os olhos daqueles que (i) têm a obrigação de educar, prevenir, evitar, planejar, agir para garantir ao Torcedor espetáculos de futebol seguros e (ii) perante os olhos daqueles que têm a obrigação de, sempre que necessário, cercear, reprimir, prender, investigar, julgar, apenar e encarcerar todos os criminosos que vestem camisas de clubes de futebol e praticam livremente atos ilícitos tais como cambismo, arruaças, transtornos à ordem pública e privada, agressões, vandalismo, assaltos, furtos, roubos, venda e tráfico de drogas e homicídios dolosos nos estádios e/ou em suas adjacências e vias de acesso.

Encaminho aos Secretários Executivos dos Ministérios do Esporte e da Justiça e do CNPG e aos membros da CNIE - Comissão Nacional de Inspeção de Estádios da CBF a presente coletânea de notícias e referências técnicas como uma contribuição crítica e proativa - a título de Aide-Memóire - para o longo e permanente esforço nacional de PREVENÇÃO e COMBATE;
(i)     à violência recorrente e crescente das torcidas “organizadas”;
(ii)   à omissão e inoperância das autoridades de segurança pública;
(iii) à recorrente irresponsabilidade de dirigentes desportivos;
(iv) à falta de memória e consistência; o excesso de leniência; a falta de continuidade, integração e fragilidade das ações do Legislativo, do Executivo e do Judiciário em geral e do MP – Ministério Público, em particular, nos diferentes estados e, sobretudo,
(v)   à omissão dos Governos estaduais e Prefeituras Municipais, que são os entes públicos “donos” de quase 90 % dos estádios brasileiros e que os “operam” a título precário, quase sempre com autorizações provisórias e na quase totalidade, sem documentações legais básicas tais como Habite-se, Alvará de Licença de Funcionamento, Certificado de Segurança do Corpo de Bombeiros, Certificado de Segurança da Polícia Militar, Atestado Sanitário da Vigilância Sanitária etc.

A reunião biministerial (Ministérios do Esporte e da Justiça) realizada em Brasília em 12/12/2013, (quatro dias após o que podemos chamar de a “BATALHA DA ARENA JOINVILLE-SC”) durou apenas duas horas e apresentou apenas nove medidas para “combate à violência no futebol”!!!

Em face dessa celeridade excepcional no trato de uma questão de extrema complexidade social, cumpre esclarecer que - assim como no caso Hillsborough / Taylor Report -, há dezenas de relatórios e documentos de pesquisas universitárias, reuniões e seminários (de grande relevância para (i) a elucidação das raízes da violência nos estádios e (ii) a implementação de medidas preventivas concretas e eficazes), que ficaram no limbo das gavetas e arquivos cibernéticos e jamais retornaram à luz do dia após a sua primeira aparição. Para não ser exaustivo, destaco apenas sete dentre tantos relatórios e documentos afins que mereciam releituras para o bem do Torcedor e dos Clubes de Futebol e para que não percamos tempo em redescobrir a roda e nem chover no molhado:
  1. Os anais da CARTA DE BRASÍLIA - Seminário sobre Segurança nos Estádios – que apresenta detalhadas “Recomendações para a Formulação e Implementação de uma Política Nacional de Prevenção da Violência e Segurança nos Estádios”, realizado em Brasília nos dias 24 e 25.março.2003 [ao longo de dois dias e não apenas em duas horas] também promovido pelos mesmos Ministérios do Esporte e da Justiça do então Presidente Lula;
  2. Relatório da COMISSÃO PAZ NO ESPORTE (Comissão Nacional de Prevenção da Violência para Segurança dos Espetáculos Esportivos, criada em 2004 por Decreto do Presidente Lula), com o título “Preservar o Espetáculo, Garantindo a Segurança e o Direito à Cidadania”. Referida Comissão foi organizada também pelos mesmos Ministérios do Esporte e da Justiça, no período 2004 a 22/02/2006, tendo sido Relator o eminente cientista desportivo Marco Aurélio Klein, um dos maiores especialistas no ramo;
  3. Anais da Audiência Pública promovida pela Dep. Lídice da Mata, (em 13/12/2007) que discutiu as condições de SEGURANÇA DOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL do País, da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados.
  4. Relatório (resultante de inspeções realizada em 29 estádios de 17 capitais e na cidade de Santos), do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (SINAENCO), apresentado pelo Arq. José Roberto Bernasconi, na Audiência Pública acima citada;
  5. Tese de Doutorado sobre ESTÁDIOS DE FUTEBOL, apresentada em janeiro 2007 na Faculdade de Arquitetura da USP, de autoria do arq. Carlos de La Corte, onde após longa pesquisa acadêmica detectou-se que até os grandes estádios brasileiros estavam fora dos padrões de segurança e das normas técnicas de conforto ambiental e acessibilidade.
  6. Cadastro Nacional de Estádios de Futebol, elaborado pela Diretoria de Competições da CBF, sob a supervisão do Eng. Virgílio Elísio da Costa Neto;
  7. Acervo Técnico do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil: mais de mais de 30.000 respostas dos Ouvidores da CBF aos Torcedores e mais de uma centena de RIE - Relatórios de Inspeção de Estádios, elaborados no período 2007-2013 pela CNIE – Comissão Nacional de Inspeção de Estádios, sob a supervisão do Eng. Virgílio Elísio da Costa Neto, Diretor de Competições da CBF desde 2001;

Ressalto que tragédias como as da “BATALHA DA ARENA JOINVILLE-SC”, em 08/12/2013, entre as torcidas organizadas do ATLÉTICO-PR (clube mandante) e do VASCO DA GAMA-RJ, em partida de futebol da 38ª rodada do Campeonato Brasileiro - Série A, organizado e promovido pela CBF, com a coadjuvância das federações estaduais, poderiam ser plenamente evitadas e o mundo não teria visto as cenas de selvageria e brutalidade dos Torcedores e de inoperância e inércia das autoridades de segurança e dos dirigentes esportivos. Um lamentável espetáculo onde todos erraram, de cabo a rabo.

Para se evitar e/ou mitigar ao nível do mínimo razoável a ocorrência dessas tragédias no futebol bastava a CBF e as Federações, em seus regulamentos e normas de suas competições, impor como condição sine qua non para validar o uso de determinado estádio o cumprimento do Artigo 17 do EDT – Estatuto de Defesa do Torcedor, que estabelece explicitamente a exigência legal de elaboração e implementação (por certo operacional) dos seguintes planos:
§ PLAS – PLANO LOCAL DE AÇÃO DE SEGURANÇA, TRANSPORTES [incluindo Trânsito] e CONTINGÊNCIAS, plano específico de rotina para jogos normais cada estádio;
§ PEAS – PLANO ESPECIAL LOCAL DE AÇÃO DE SEGURANÇA, TRANSPORTES [incluindo Trânsito] e CONTINGÊNCIAS; para cada estádio, nos casos das partidas de clássicos de futebol e eventos desportivos profissionais com excepcional expectativa de público e elevado potencial de riscos e conflitos entre torcidas e o público em geral;

Pelo que se viu na “BATALHA DA ARENA JOINVILLE-SC”, não houve plano de segurança algum – nem PLAS e nem PEAS -, pois o Clube Mandante – no caso o Atlético-PR, na condição inequívoca, intrínseca e objetiva de responsável pelo planejamento prévio necessário e suficiente, dispôs somente uma ridícula formação de apenas seis (06) seguranças privados e uma cordinha de nylon (de bitola fina) como “barreira” entre duas enormes e ferozes torcidas “organizadas” todas com histórico longo e funesto de violência nos estádios.

Para piorar a PM-SC não avaliou os potenciais, óbvios e graves riscos dessa “barreira” ridícula e postou todos seus homens no exterior do estádio. O MP-SC lavou as mãos e após a tragédia iniciou um obsceno “jogo-de-empurra” com a PM-SC e com o Atlético-PR, o Clube Mandante, eximindo-se das suas intrínsecas e preventivas responsabilidades para com a defesa dos diretos objetivos e difusos dos Torcedores, Consumidores e cidadãos em geral.

Até os agentes do Corpo de Bombeiros pisaram na bola (!!!): trasladaram – de modo bisonho  e arriscado – um Torcedor seminu (exposto ao mundo só com uma cueca vermelha), ferido e imobilizado numa maca-padrão, passando por cima de um guarda-corpo metálico e fazendo deslizar a maca por sobre uma rampa improvisada com placa de publicidade. Nesse momento a vítima por pouco despenca de uma altura de quase 3 metros (o que felizmente não ocorreu), após o que a maca com o indigitado Torcedor chegou ao campo de jogo e foi levada ao helicóptero de resgate!!! Tudo isso transmitido em tempo real com imagem digital HD para o mundo inteiro ver e se horrorizar.

Por falta de Plano de Contingências – exigido pela Lei do EDT – não foi previsto o modo correto de evacuação civilizada e eficiente de Torcedores feridos das arquibancadas para o campo de jogo, como determina a FIFA nos estádios da Copa.

O Delegado do Jogo, preposto da Federação de Futebol de SC, também não fez o dever de casa e não avaliou essas extremas limitações de segurança e falta absoluta de previsão de contingências, como expressamente determina o RGC 2013 – Regulamento Geral das Competições da CBF, em seu Art. 9º.

A Federação de Futebol de SC, por seu turno, também não tomou as providências preventivas previstas no Art. 6°, em especial o Inciso 1, do RGC2013-CBF, a seguir transcrito:
Art. 6º - Compete às Federações estaduais:
1) Providenciar as medidas locais de ordem técnica e administrativa, necessárias e indispensáveis à LOGÍSTICA e à SEGURANÇA das partidas, inclusive as previstas no Artigo 7º, nos incisos III a V do Artigo 16, e no Artigo 27, todos da Lei nº 10.671/03 [Lei do EDT];

O somatório dessa catadupa de omissões, displicências, inoperâncias, menosprezo à lei e erros sucessivos e grosseiros, infelizmente só podia dar no que deu – a trágica “BATALHA DA ARENA JOINVILLE-SC”. Agora, sob o manto da vergonha nacional, o País do Futebol e da Copa 2014 e da Olimpíada Rio 2016 está com a imagem profundamente abalada perante a opinião pública internacional.

Já se passou mais de uma década de vigência do Estatuto de Defesa do Torcedor [Lei Federal nº 10.671, de 15.maio.2003]. Apesar da extraordinária significância e dimensão desse tempo decorrido, a CBF e as Federações estaduais ainda não exigem o cumprimento desse artigo específico e essencial da lei do EDT. Por outro lado, o MP – sejam estes o Ministério Público Federal e/ou os Ministérios Públicos dos 26 estados e do DF, inexplicavelmente, ainda se omitem na cobrança intransigente e eficaz dessa determinação legal. Esse nível de atenção do MP é essencial para o estabelecimento formal de PLAS e PEAS detalhados de todos os estádios e das respectivas operações profissionais de segurança pública, transportes e contingências, esses os verdadeiros escudos de proteção dos Torcedores de boa fé no interior e no exterior dos mesmos.

Desse modo, em face à flacidez e leniência predominantes por parte dos organizadores das competições e dos MPs, essas operações, ao que parece, continuarão inconsistentes, desintegradas e sem visão holística, limitações que facilitam, incentivam e dão enorme espaço e motivação para que os criminosos travestidos de “Torcedor” adentrem as praças esportivas, perturbem a ordem pública e os espetáculos, agridam-se mutuamente e façam o Brasil, suas polícias e agentes públicos passar por vexames colossais perante a opinião pública nacional e internacional.

A presente coletânea é um cadinho dessas tragédias, desses péssimos “exemplos” que ainda damos aos Torcedores, aos atletas de bom senso, à sociedade, aos investidores e aos nossos filhos e netos. Nossos objetivos são tão somente colaborar para (i) eliminar parte da amnésia funcional que parece imperar no mundo do futebol e (ii) ajudar o COMITÊ TÉCNICO que deve ser estabelecido em breve, conforme previsto no item 9 do documento síntese da REUNIÃO (biministerial) PARA DISCUSSÃO DE MEDIDAS DE COMBATE À VIOLÊNCIA NO FUTEBOL, realizada em 12/12/2013.

Como arquiteto urbanista (FAU-UFRJ_1972) e primeiro Ouvidor de Competições de Futebol (Séries A, B, C e D) na história do esporte brasileiro e o que mais tempo atuou até o momento (9 anos na função; junho2003-maio2012), espero estar contribuindo para uma reflexão mais consequente e objetiva sobre os novos rumos que a gestão do futebol tem que adotar doravante, em especial no aspecto da educação, da gestão profissional e da prevenção de violência nos estádios.

Se não o fizermos, irmanados num só propósito de reverter essa imagem e eliminar o Grande Mal dos estádios brasileiros, os “bondes”, os black boxes, os hooligans, os psicopatas e os the animals das torcidas organizadas tomarão conta do espetáculo. Algo tem de ser feito com muita urgência e eficácia, pois a Copa do Mundo está batendo à porta e as Olimpíadas estão chegando.

Para isso seria da maior relevância a realização imediata de um INQUÉRITO FEDERAL específico, por parte do Ministério Público, liderado por uma autoridade judicial do porte e com a determinação de um Lord Taylor, visando a apurar as responsabilidades de todos os agentes públicos e privados pela ocorrência da “BATALHA DA ARENA JOINVILLE-SC”. É o que toda a sociedade brasileira espera ver, assim como foi feito no julgamento do “mensalão”, para se dar início a uma nova era na gestão do futebol brasileiro.

Por último, um registro especial sobre a extraordinária importância do EDT, que completou 10 anos de salutar vigência em maio passado. Sem esse instrumento legal e seus sucedâneos não há como mudar o quadro de violência crescente no futebol brasileiro. Por isso reafirmo o lema da nossa Ouvidoria:

ESTATUTO DE DEFESA DO TORCEDOR, DIREITO DO CIDADÃO E DA SOCIEDADE.
RESPEITE. PROMOVA. PARTICIPE.

Carpe diem.
Feliz Natal e um Ano Novo 2014 com uma taça de Campeão do Mundo na mão.
Cordialmente

Ronald de Almeida Silva
Arquiteto Urbanista [FAU-UFRJ 1972]
Inspetor membro consultor da CNIE – Comissão Nacional de Inspeção de Estádios da CBF [Nov.2004 até a presente data].

Ouvidor das Competições de Futebol da CBF [Séries A, B, C e D] no período 09.junho.2003 a 04.maio.2012.

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