quarta-feira, 29 de abril de 2015

[59] MÚSICA: O AROMA EM TOM JOBIM [29abr2015]



O AROMA EM TOM JOBIM


Ronald Almeida *
Fortaleza, out.1995
São Luís, abril 2015



                     Tom era, primeiramente, um perfumista. Cada música que fazia era como se quisesse descobrir um novo aroma, um novo perfume. Para compor ia até o jardim dos sons e escolhia as melhores pétalas de Mozart, Ravel, Chopin, Bach, Beethoven e, principalmente, Debussy. Às vezes, algo mais de Stravinsky e Bruckner. Aqui e ali colhia umas ervas de Cole Porter e Gershwin. Cheirava tudo com um “nariz-ouvido” de João Gilberto e guardava num cofrinho de olfatos musicais que tinha na cabeça.
                   Para compor o corpo principal de cada perfume, no entanto, Tom colhia essências naturais na imensa floresta amazônica que é Villa-Lobos, onde juntava raízes, cascas e folhas de grandes troncos de jequitibá, maçaranduba, ipê, peroba do campo, o nó da madeira e pau e pedra e levava tudo no trenzinho do caipira para casa, botava em baixo do colchão e adormecia com suas emanações telúricas.
                   Juntando as pétalas dos eruditos e as essências da floresta villa-lobos Tom adicionava pitadas generosas de Noel Rosa, Pixinguinha, Caymmi, Radamés Gnattali, Vadico, Newton Mendonça, Drummond, Cartola e uma dose dupla de Vinicius e Chico. Como Noel, Tom passava o fino amálgama num místico crivo sonoro, com sal da terra brasilis, com um pouco de suor e o sumo da alegria e do amor da gente humana, do povo das ruas, do morro, dos botecos, da mesa de bar da esquina, do jornaleiro, dos garçons e dos boêmios anônimos e dos loucos e vagabundos que vagueiam e bebem na noite infinita da música.
                   Como refinado perfumista, Tom macerava tudo no cadinho de sua enorme simplicidade e genialidade, lá pras bandas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Depois deixava maturar no cristal luminoso do seu amor pela vida, pelos filhos, pela mata, pelos bichos e, claro e por tudo, pela mulher bonita, sempre amada em carne e osso e verso e prosa.
                   O perfume pronto exalava do piano alquimista, inundava a bela casa do quase-arquiteto Tom e inebriava, pleno como uma sinfonia, a Mata Atlântica inteira. Dali, todos os pássaros, agradecidos, se incumbiam de levar o aroma musicalíssimo aos quatro cantos e chãos do mundo, onde, tal qual semente lançada ao vento, germinava e fazia brotar um imenso tronco de pau-brasil que se enraizava na eternidade.


Artigo redigido por Ronald de Almeida Silva, em 14 outubro 1995, em Fortaleza. RAS é arquiteto, nasceu no Rio de Janeiro em 02/06/1947 e reside e trabalha em São Luís desde 1976. É cidadão ludovicense honorário.
e-mail: ronald.arquiteto@gmail.com

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