ARQ.ENG.URB.
O RIDÍCULO MITO DA INVENÇÃO DO COBOGÓ EM PERNAMBUCO. FAKE NEWS. 1
AFINAL. O QUE É COBOGÓ?
Ronald Almeida 78
Arquiteto Urbanista
SLZ-MA 16SET2025
*****
Dentre varias acepções dessa palavra, podemos sintetizar que o COBOGÓ é um artefato construtivo vazado, de pequenas dimensões (em geral 20 a 50cm de lado em média, podendo obviamente ser maior ou menor) de uso corrente na arquitetura e engenharia no Brasil, com as seguintes finalidades principais:
(i) restringir o excesso de luz natural (incidência direta de raios solares fortes),
(ii) garantir mais privacidade à habitação; obliterando a visão direta do exterior para o interior da edificação ou cômodo;
(iii) e ,ao mesmo tempo, facilitar a ventilação natural, propiciando a formação de microclimas internos com temperaturas mais amenas.
***
Sua aplicação tem sido muito usada em fachadas na arquitetura moderna, a partir do início do Século XX, no Brasil. O COBOGÓ (e sua variação combogó e até combongó) é um artefato em geral feito de cerâmica ou concreto para usos externos, podendo ser de plástico ou madeira para uso interior. Na maioria dos casos é de formato quadrado, mas também usado em diferentes desenhos formando tramas geométricas artísticas, de bom aspecto visual. Ex: o tijolo cerâmico comum vazado, de 4, 6 ou 8 furos, tem sido amplamente utilizado na arquitetura popular como variante prática de baixo custo ao invés do uso do COBOGÓ industrial.
***
AS ORIGENS DO COBOGÓ NO BRASIL
O uso do COBOGÓ é, sem dúvida, uma cultura construtiva milenar, em especial na arquitetura das construções africanas, desde o Século XI, conforme depoimento educativo em vídeo do arquiteto prof. MsC FAU-USP, PÉRÈS R. SONGBE, natural da República do Benin. Em um vídeo disponível no link [(20+) Facebook] o Prof. SONGBE corrobora nossa tese de que o COBOGÓ tem uso milenar na arquitetura tradicional africana, confirmando que:
“COBOGÓS E MUXARABIS TÊM RAÍZES NAS ARQUITETURAS AFRICANAS. OS ÁRABES APRENDERAM COM CIVILIZAÇÕES NEGRAS AFRICANAS”.
FOTO: O pesquisador e arquiteto beninês PÉRÈS R. SONGBE diz que os arquitetos e engenheiros do Brasil pensam, sem fundamento científico, QUE OS COBOGÓS E MUXARABIS foram invenções brasileiras!!!!
O Prof. SONGBE relata que o COBOGÓ foi encontrado em ruínas do Século XI em países da África Ocidental, como nos Reinos do Mali e Gana. Esses elementos vazados formam desenhos com referências aos fractais matemáticos africanos. Já os MUXARABIS tem datação muito mais antiga, originários das regiões da Núbia, no Egito Antigo, onde os árabes absorveram essas culturas construtivas africanas ancestrais.
Desse modo, pode-se presumir que dentre os cerca de 5 milhões de seres humanos negros escravizados pelos comerciantes portugueses, espanhóis, ingleses e holandeses (financistas) entre 1500-1900, (que foram sequestrados na costa ocidental da África e trazidos para o Brasil Colônia em abjetos navios negreiros durante quase 4 séculos), certamente haviam mestres da construção que trouxeram consigo as habilidades e aqui aplicaram as muitas utilidades não só da “arquitetura de terra”, como do uso de cobogós e muxarabis.
Acreditamos, também, que na convivência dos povos árabes / muçulmanos com os africanos do Norte da África, os primeiros tenham levado a tecnologia ambiental dessas tradições construtivas para a Península Ibérica (Espanha e Portugal) onde ficaram 700 anos (até 1492).
De lá os construtores portugueses, já dominando o que faziam os árabes em sete séculos de convivência na Península Ibérica, trouxeram de igual modo para o Brasil o COBOGÓ e o MUXARABI, elementos que, devido ao nosso clima, tiveram aproveitamento constante em várias cidades coloniais. Lembrando que nesse mesmo contexto e fluxo cultural, veio junto o AZULEJO (palavra de origem árabe), aqui usado de forma inédita e intensiva nos revestimentos de fachadas, como se destacam nos sobrados do famoso conjunto de arquitetura luso-brasileira do Centro Histórico de São Luís, a Cidade dos Azulejos, Patrimônio Cultural Nacional IPHAN e Mundial Unesco (desde 06DEZ1997)
***
Portanto, pode-se afirmar que a inspiração original do COBOGÓ como painel de vedação de fachadas ou separação de ambientes vem como releitura da tradição dos MUXARABIS usados há séculos nos países da África e do Oriente Médio, não havendo cabimento insistir-se numa folclórica versão de que tenham sido “inventados e patenteados em Pernambuco nos anos 1920”, a não ser apenas como um mero método de fabricação industrial em série, o que nem mesmo resta comprovado!
***
O MITO DO COBOGÓ DE PERNAMBUCO
Apesar de todas as evidências científicas históricas e empíricas, em nosso País BZN = Brazil Zero Nobel (há 124 anos) há uma explicação prosaica, de cunho pitoresco, afirmando que o COBOGÓ de origem africana ancestral foi "inventado" em Pernambuco, no final da década de 20, por três "inventores" que patentearam essa "invenção" milenar. As sílabas iniciais dos nomes dos 3 “cobogozeiros” do Nordeste, seriam a "explicação etimológica" da palavra COBOGÓ!?!? Mas há controvérsias!!!
Essa pitoresca versão brazuca consta de boa reportagem (anexa) da Revista VOGUE, que faz uma detalhada síntese sobre os usos do COBOGÓ por arquitetos renomados no Brasil e de referência sobre livros a respeito do "COBOGÓ DE PERNAMBUCO"!!!
Essa folclórica versão foi objeto também de matéria de destaque na revista VEJA e em vários outros veículos, pois essa ideia de atribuir a suposta invenção do COBOGÓ milenar africano ao TRIO DE PERNAMBUCO é muito palatável para leigos, ingênuos, desinformados e jornalistas apressados que não aprofundam suas pesquisas, índole funesta que muito contribui para a perpetuação do apodo BZN.
Mas aceito réplicas às minhas críticas. De bom grado!!!
RAS 16SET2025
********
ANEXO 1. O MITO DO IMPROVÁVEL
REPORTAGEM REVISTA VOGUE/GLOBO:
COBOGÓS: CONHEÇA A HISTÓRIA DO SÍMBOLO DA ARQUITETURA BRASILEIRA
O elemento vazado foi criado em 1929 por dois comerciantes e um engenheiro e leva as iniciais do sobrenome dos três
02/10/2019; Por Lilian Santos* | Fotos Josivan Rodrigues
02 Out 2019 - 06h02 Atualizado em 14 Jun 2022 - 16h00
Tudo tem uma história. E é tão inspirador saber como produtos usados em projetos arquitetônicos e de interiores surgiram, não é mesmo? Quando especificamos um material para um novo projeto sabendo o conceito da sua criação, na minha concepção, fica até mais fácil de aplicá-lo e analisar se o produto combina com o estilo do cliente. Fiz uma viagem recente para Recife (PE) e me encantei com a cidade que surgiu em meados de 1537. Passeando por lá, vi muitos cobogós. Você sabia que esses elementos vazados são símbolo da arquitetura do nosso país?
O cobogó foi criado em 1929 por dois comerciantes e um engenheiro pernambucanos que usaram as iniciais dos seus sobrenomes para compor o nome “co-bo-gó”: Coimbra, Boeckmann e Góes. O desenho foi inspirado nos muxarabis, elementos vazados de origem árabe com tramas pequenas e feitos de madeiras. Eles foram pensados para sacadas e janelas de casas com intuito de trazer mais privacidade.
"Os muxarabis estiveram presentes em várias regiões do Brasil: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Nessas duas últimas eles praticamente desapareceram em meados do século XIX. No Rio de Janeiro, a ordem para a sua retirada partiu de D. João VI. Nas cidades de Salvador, Olinda e Recife existiam em grande número. No final do século XVIII desapareceram por ordem dos administrados locais""
Trecho retirado do livro “Equipamentos, Usos e Costumes da Casa Brasileira. Equipamentos - Volume 2” - Autor Ernani Silva Bruno
Na elaboração de um projeto para regiões quentes e úmidas, é preciso levar em consideração a incidência de luz solar e a ventilação. Pensando nessas necessidades, eles criaram o cobogó que, além de ter função decorativa, também auxilia nesses dois quesitos.
Conforme consta no Dicionário de Arquitetura Brasileira (Corona & Lemos, Editora Edart), cobogó (ou “combogó”, como era descrito antigamente) é “o nome que se dá, principalmente no Norte do Brasil, ao tijolo furado ou ao elemento vazado feito de cimento empregado na construção de paredes perfuradas, cuja função principal seria a de separar o interior ou o exterior, sem prejudicar a luz natural e ventilação. Nome que se generalizou para designar os elementos celulares usados como quebra-sol.”
Um dos primeiros projetos de arquitetura onde os cobogós foram usados foi na Caixa d'água de Olinda. Projetado por Luiz Nunes em 1934, esse edifício é considerado um marco da arquitetura moderna com seus 20 metros de altura. Os cobogós dão permeabilidade à fachada monolítica do prédio que hoje é um mirante e fornece uma vista de 360 graus de Olinda e Recife.
Edifício Caixa d'água
Na mesma década em que os cobogós foram criados, o Brasil estava começando a viver o período modernista na arquitetura, que teve início na semana de arte moderna de 1922. O arquitetos desse período buscavam funcionalidade nos projetos, com elementos mais geométricos, linhas retas, uso de pilotis, fachadas com grandes panos de vidro, uso de concreto... não à toa, os primeiros cobogós foram projetados em concreto e tijolo e com os passar dos anos foram sendo desenvolvidos em diversos materiais e grafismos.
O arquiteto Lucio Costa teve forte influência nesse movimento modernista, disseminando o conceito do uso dos cobogós, valorizando seus benefícios e design em obras arquitetônicas.
Esse elemento vazado também é muito usado em interiores, pois traz luminosidade sem perder a privacidade, deixando ventilar e proporcionando uma setorização dos ambientes. Devido à importância para arquitetura brasileira, os cobogós ainda são materiais de estudos de diversos profissionais.
O fotógrafo, designer e pesquisador Josivan Rodrigues, por exemplo, é autor do livro Cobogó de Pernambuco ao lado de Antenor Vieira e Cristiano Borba.
Na publicação há um ensaio fotográfico mostrando os elementos vazados aplicados pela cidade de Olinda e Recife.
"Cobogó de Pernambuco é fruto de uma pesquisa imagética e histórica sobre este artefato de origem pernambucana, que se tornou símbolo da arquitetura moderna brasileira. Uma solução criativa largamente utilizada, presente nas mais diversas edificações do estado e do Brasil, seja na arquitetura oficial, com seu uso expressivo em extensos panos, assim como, e, sobretudo, no uso vernacular, decorando fachadas e muros baixos de habitações populares, onde aparecem de maneira ornamental com sua beleza despretensiosa""
TRECHO DO LIVRO COBOGÓ DE PERNAMBUCO
Por conta das fotografias de Josivan Rodrigues é que surgiu também o projeto Dingbat Cobogó. As imagens inspiraram o designer gráfico Guilherme Luigi, que é especialista em projetar superfícies de revestimentos dentro da perspectiva da cultura e da memória. Para ele, os cobogós são um elemento de identidade e pertencimento nesse meio urbano, que proporcionam memória e afetividade. “Na casa dos meus pais, onde eu cresci, existem cobogós. Eles fazem parte do cotidiano de Recife”, diz.
O projeto de Guilherme apresenta 36 símbolos, que podem ser impressos em diversos tamanhos, para servir de capa para um caderno, por exemplo, ou adesivos para revestir paredes. Eles estão disponíveis download gratuitamente através do site do Dingbat Cobogó.
[fim da matéria da VOGUE/GLOBO]
Nenhum comentário:
Postar um comentário